quinta-feira, 4 de março de 2010

Inferno Verde



Como você imagina que é o inferno? Para mim ele é verde, quente e têm muitos, muitos, mosquitos.

Estou em um destacamento aduaneiro do exército as margens do rio Apapóris faz 8 meses e 13 dias. Quando ainda estava na AMAN todos falavam que as áreas de fronteira são os melhores lugares para se servir, pois cada ano conta como um ano e meio na carreira. O que todos se esqueceram de contar é que cada segundo que você passa nesse inferno verde parece um século e tudo o que vive ao seu redor é bruto e hostil.

Pergunto-me porque alguém abriu uma trilha no meio da floresta para chegar no meio do nada e constatar que ainda existe mais floresta e mosquitos num raio de 300km.

Há exatos 10 meses atrás eu estava tendo um dos dias mais importantes que um homem pode ter na vida. Estava casando. Que coisa idiota para se lembrar aqui. Pensando bem, o sentimento que vive em lembranças como essa é o último oásis de sanidade que tenho.

Gostaria de lembrar mais coisas daquele dia, mas a única coisa que lembro com clareza é um pouco mais antiga que a data do casamento.

Foi quando pedi a mão da Roberta em casamento.

Nossa, como estava com vergonha, tentei não parecer muito clichê, mas quando percebi estava com um buque de rosas apertando a campainha da casa dela. A única frase que consegui pronunciar foi “Quer casar comigo?”

Nunca vou esquecer o brilho daqueles olhos verdes. Podia-se ouvir por todo o firmamento as estrelas cochichando, morrendo de inveja daquele brilho. E o que mais me atordoava, era que aquele brilho era para mim.

!?

Espere. Que barulho é esse? Isso foi um tiro? Desde quando mosquitos dão tiros? Definitivamente não são mosquitos. Sempre soube que a ASFARC tinha uma base na região, mas daí para atacar um posto de Exército Brasileiro. Tem alguma coisa errada.

Corro para o galpão improvisado que fizemos para guardar as armas, noto que muitas já não estão aqui, devem estar sendo usadas no combate. Pego o velho FAL M-964 que tem disponível, olho rapidamente para o cartucho e vejo que tenho munição para apenas 12 tiros.

Vou ter que colocar em prática tudo que aprendi e fazer por merecer as medalhas que carrego na farda.

Ao sair do galpão escuto um barulho ensurdecedor a minha direita e vários corpos de colegas pelo chão. Me protejo do fogo cruzado atrás de um blindado, o Cascavel, e tento me concentrar, não posso errar.

Na fumaça a minha frente vejo um vulto, calma, pode ser um colega. Não é, dou dois tiros, acerto o ombro e o peito, mais vultos vem em minha direção. Merda.
Continua atirando até ouvir o som que temia.

Tick, Tick, Tick.

Estou sem balas.

Vejo minhas opções. Faca e uma pistola HK USP. A vida real não é CS, ou um filme holywoodiano, não tenho chances contra armas automáticas.
Continuo tentando mantê-los afastados com a pistola, mas as 13 balas não vão durar muito mais. Neste momento passa ao meu lado um soldado carregando um MK-46, ele pensa que é o Rambo e corre de peito aberto para os invasores.



10 Segundos depois ele está conversando com São Pedro, contando como foi corajoso.
Pelo menos agora tenho uma arma de verdade.

Do lugar onde estou continuo atirando. A fumaça está sumindo, e os invasores também.
Após o combate caminho sobre os escombros do que antes era o alojamento e percebo que os “inimigos” na verdade não passam de crianças imberbes com armas na mão, seus rostos, ou o que sobrou deles, tem dentes podres e seus são olhos vermelhos.

Então estes são os demônios do inferno verde? Crianças sem esperanças que buscaram uma vida melhor pelo caminho errado e agora vão servir de adubo para que este lugar gerar mais seres como eles?



Junto todos os companheiros feridos que encontro e começo a fazer os primeiros-socorros.

Alguns minutos depois encontro o major Moura chegando em um helicóptero acompanhado por mais dois soldados fortemente armados, ele é o responsável pelo posto. Aonde será que este infeliz estava?

Ele me pergunta o que aconteceu e como sobrevivido ao ataque.

Informo o que aconteceu e mostro que ainda existem feridos pelo local e que vamos precisar de médicos, talvez os da base de São Gabriel da Cachoeira.
Ele fala que não é para me preocupar, que tudo já está resolvido.
Como assim?

Ele me pergunta onde estão os feridos e quantos são. Digo o número de sobreviventes que encontrei e caminho em direção ao local onde estão os feridos.

Escuto dois tiros.

Não me lembro de estar com sono. Porque a minha vista está ficando turva?

Mais um tiro.

Caio de joelhos.

As últimas palavras que escuto são ordens dele para os soldados que o acompanhavam ligarem para o Fuentes e dizer que a missão foi um sucesso.

NÃO! Eu não quero terminar assim! Se conseguisse pronunciar alguma coisa mandaria o infeliz do major para um lugar pior do que aqui, mas não quero terminar esta vida pensando em vingança, quero me lembrar de um lugar além dessa dor, um lugar tranqüilo, aonde o verde dos olhos da Roberta irão me fazer esquecer o verde deste lugar.



Eu posso vê-la, por entre lençóis brancos...

4 comentários:

Ludmilla disse...

Tudo bem, ir com um buquê de rosas apertar a campainha da casa dela é mais legal que fazer um pedido de casamento no rodízio de pizza.

Ainda bem que restou o Lucky pra fazer companhia :/

André M. Oliveira disse...

Surpreendente.

Stéfs disse...

Em Brancos Lençóis nos conhecemos...
Em Brancos Lençóis nos amamos...

Agora tudo que resta de nossos corpos são os lençóis que nos envolviam...

Anjos...
Caminham em nossa direção...
Abraçam-nos e dão-nos a sonhada redenção...

Rendemo-nos ao magnífico amor!

Wolv disse...

Surpreendente [2]