quinta-feira, 29 de abril de 2010

Chuva




Ouço o estalar cadenciado das gotas de chuva. Cada gota é como um sino que prenuncia uma reflexão mórbida. Cada gota explode no chão ou no teto e escorre. Minha mente escorre.

Não vejo soluções e sim problemas. Vejo meus sonhos bailando diante de mim. Vejo-os sendo rechaçados pela realidade.

A realidade não é pessimista, pior do que isto, ela é verdadeira. Olhar o real é olhar a verdade, e a verdade dói.

A dor em si pode ser boa, deleitável, prazerosa, asquerosa, lancinante, assustadora... Mas a dor da verdade é uma dor inexpressiva. É a dor daqueles que percebem o paradoxo no qual vivemos, a simplicidade conceitual da comunidade que nos cerca, e a complexidade com que convivemos.

A chuva aumenta. Venta. E o vento uiva por entre as paredes como a voz dos oprimidos que clamam por alimento, paz, alegria... Clamam por vida.

Uma vida simples numa sociedade triste. Ou uma vida triste numa sociedade complexa. São as opções básicas. Mas as opções não são escolhidas, são vividas. Com o ímpeto do vento que corta a tempestade.

Troveja. E o trovão ecoa como o brado de guerra de uma nação, cansada de aproveitadores e sanguessugas.

Relampeia. E o clarão do relâmpago reflete o brilho nos olhos do indivíduo que observa a chuva satisfeito com sua própria vida.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Se dói... goze a dor


Fachos tremeluzentes... muitas vozes. Desamparo.....

Abro os olhos saindo lentamente deste estado letárgico. Me espreguiço, olho envolta. Estou na sala de espera de um hospital. Sinto minha garganta seca, como se estivesse a espera de algo muito ruim. Mas é pior.

Caminho por entre as paredes brancas, encardidas pelo tempo. As paredes que de tão brancas se tornaram facilmente cinzas. Lembro-me dela. Sempre que olho para algo melancólico me lembro dela. Por isso as últimas semanas têm sido um turbilhão de lembranças. Fecho os olhos já sabendo o que vou encontrar...


O céu devia estar azul, a grama devia estar verde, o mundo devia estar em cores... mas estava em preto e branco. A única cor que eu via estava naqueles olhos e no brilho ofuscante daquele cabelo que envolvia seu rosto triste. O rosto dela. Aquele dia devia ser perfeito... Tantas coisas deviam ser naquele dia. Mas não eram, não foram, não seriam!

Eu sabia que havia sido um erro com ela, mas não havia como voltar atrás, estava feito. E agora, eu esticava os braços sem senti-los, eu a abraçava mas a percebia distante. Depois daquele dia ela se foi.

Que se dane!


"Ó ingênuo pensamento,

de nova vida estandarte,

da luxúria acolhimento!

Dos meus males grande parte.


Ó reflexo insensato,

paradoxo do amor,

já que aqui nada é barato,

se dói... goze a dor!"


Afinal, a vida é ou não um fruto que merece ser devorado? Pois então, carpe diem! E a vida continuou, mais intensa do que nunca! Mas a cor daqueles olhos continuou em minhas lembranças. Então, resolvi retirar a força! A força de outros olhos, os primeiros que olhassem pra mim. Isso foi a nove meses. Neste meio tempo já fui ameaçado juridicamente, já me irritei e me preocupei.

E já rememorei isto incontáveis vezes.


Ainda estou olhando para uma parede branca, encardida pelo tempo. Ainda há uma lâmpada com mal contato tremeluzindo acima de mim. Várias lâmpadas tremeluzem pelo corredor. Estou na maternidade sentindo nojo, pena e desamparo. Nojo de uma mulher da qual preciso me esforçar para lembrar, a qual dará a luz uma criança. Desta criança sinto pena pelo futuro mórbido que de uma forma ou de outra a aguarda. E me sinto desamparado, um tanto quanto irritadiço, pensando "sendo meu este filho, terei um filho de uma prostituta."

Esmurro a parede... "Se dói... goze a dor!"




sexta-feira, 16 de abril de 2010

Nascer, crescer e reproduzir-se


Interessante como as pessoas, após milênios de convivência em sociedade, conseguiram formas interessantes de desvincular sua existência, sua natureza humana, do restante da natureza animal. Acredito que todos os que cursaram a atual 6ª série do Ensino Fundamental - que já teve milhares de nomes antes desse - se lembram de como nos era descrito o ciclo de vida de todos os seres vivos: "todos os seres vivos nascem, crescem, se reproduzem e morrem." Isso não é apenas o ciclo da vida, mas de certa forma, a faze da reprodução é o sentido da vida de todas as formas de vida conhecida. Determinadas indivíduos de algumas espécies simplesmente morrem após a concepção ou o coito, como as aranhas e o louva-deuses machos. Ou seja, após se reproduzirem e garantir a perpetuação da espécie esses indivíduos perdem sua razão de existir: sua missão foi cumprida. 
O que difere nós humanos dessas outras espécies? Será que realmente nascemos para buscarmos a felicidade? Ou viemos ao mundo cumprir misteriosos desígnios divinos? Vou tentar explicar aqui, à luz do conhecimento biológico, o porque nós não somos diferentes dos animais, e que viemos ao mundo com um único objetivo: fazer sexo!
Todos sabemos que o corpo humano é formado basicamente por átomos, que formam moléculas, que formam células, que formam tecidos que, compõem os órgãos que, por sua vez, formam os  sistemas que constituem o corpo humano da forma como o entendemos. Mas, como funciona esse corpo com seus sistemas?
Vou abordar primeiramente o sistema digestivo. Sua função é quebrar as moléculas grandes que absorvemos pela alimentação e absorvê-las, para que possam ser utilizadas como nutrientes pelo restante do corpo por si mesmo, e pelo sistema reprodutor.
Em seguida temos o sistema respiratório, que tem a função de realizar as trocas gasosas com o ambiente externo, absorvendo O2 que será utilizado na oxidação das moléculas adquiridas pelo sistema digestivo, a fim de produzir energia para si, para o sistema digestivo, para o restante do corpo, e para o sistema reprodutor.
Até agora temos coisas entrando em nosso corpo. Como já dizia Newton, "tudo que sobe, desce", e analogamente, tudo o que entra sai. Aqui entra o nosso sistema excretor. Ele cuida para que os resíduos indesejados provenientes da obtenção de energia sejam expelidos do nosso corpo, colaborando com o funcionamento do sistema digestivo, do respiratório, de seu funcionamento, do funcionamento do restante do corpo, e do sistema reprodutor.
Mas quem leva essas substâncias de um lado a outro? Sem o sistema circulatório nada disso chegaria ao local devido. Ele recolhe os nutrientes e O2 absorvidos pela digestão e pela respiração, e leva às células, onde são realizadas as reações químicas para a obtenção de energia. Os resíduos endereçados ao sistema excretor são por ele transportados até seu destino. O sistema circulatório colabora assim com o digestivo, com o respiratório, com o excretor, consigo, com o restante do corpo e com o sistema reprodutor.
Na sequência podemos abordar o sistema linfático. Ele é o grande responsável pelas defesas de nosso organismo contra seres invasores. Ele protege então a si próprio, o sistema digestivo, o respiratório, o excretor, o respiratório, o restante do corpo e o sistema reprodutor.
Mas o que seriam esses sistemas todos sem um para coordená-los? Temos então o sistema nervoso, que de forma hábil comanda todos os demais sistemas para que trabalhem em harmonia: o sistema digestivo disponibiliza nutrientes, o respiratório disponibiliza O2, o excretor limpa a bagunça metabólica, o circulatório cuida da logística, o linfático da segurança e o sistema nervoso depende de todos os anteriores para se manter vivo e fazer seu trabalho de gerência. Todos esses sistemas trabalham de forma interligada e interdependente para que o corpo humano efetivamente funcione.
E o reprodutor, o que faz? Bem, ele não faz nada além do papelzinho "insignificante" dele, que é tratar da reprodução. O sistema reprodutor fica como um tipo de parasita do corpo, absorvendo nutrientes e se aproveitando dos serviços prestados pelos demais sistemas sem, de facto, dar nada em troca. Pondo os pingos nos "is", estou querendo dizer que, de facto, todo o corpo humano trabalha incessantemente unicamente em prol da manutenção do sistema reprodutor. Você, rebelde leitor, ainda pode querer contra argumentar, dizendo que o sistema reprodutor é reponsável pela produção de determinados hormônios importantíssimos para o restante do corpo. Em verdade não posso contrariá-lo mas, essas glândulas - qu são na verdade pequenos apêndices do sistema reprodutor - são responsáveis pela produção dos hormônios sexuais, que terão papel fundamental no surgimento dos caracteres sexuais secundários, que são ferramentas que utilizamos para melhorar nossas chances de coito. Seriam de sua responsabilidade: o aumento dos seios, do pênis(tamanho importa sim! não me venham com xurumelas), crescimento da massa muscular e "engrossamento" da voz nos homens, a lapidação das deliciosas curvas femininas e, por fim, o aumento da libido (lê-se vontade de transar).
Mas então, para que manter toda essa máquina complexa trabalhando ininterruptamente,  e consumindo tanta energia somente para estar subjugada a um único sistema? Pergunta de fácil resposta, meus nobres: para que usemos este sistema! Vamos fazer valer à pena todo o trabalho que têm nossos organismos. Tranzemos!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Teimosia, novos esportes e paranóias




Retomando a boa e velha linha de textos "Coisas que me irritam" hoje irei narrar um breve acontecimento.

Caminhando pelas ruas de Niterói no pós-dilúvio percebia a lama sendo retirada, as pessoas sendo abrigadas em locais públicos e alimento e água sendo distribuídos. Parecia que tudo voltaria ao normal. Portanto, resolvi fazer algumas compras. Eu já avistava o shopping quando percebi uma movimentação da população. O rapaz da banca de jornais, após uma breve olhada para a rua começou a guardar seus pertences e se preparava para fechar a banca e sumir. Arrastão!

Neste instante, duas mulheres bem vestidas param diante da banca e perguntam:

- "Você ainda tem da revista Boa Forma?"

- "Minha senhora, tá tendo um arrastão e está vindo pra cá!"

Enquanto isso pessoas corriam em torno de nós. O arrastão vinha da direção do shopping. Eu olhava atentamente, pronto para correr feito um louco. Havia passado a pouco por um grupo da polícia federal que distribuía alimentos, era pra lá que eu ia. E por incrível que pareça, uma das mulheres continuou:

- "A moço, será que o senhor precisa fechar mesmo? Será que chega aqui esse arrastão? Eu não tô vendo nada..."

Me impressionei com a calma do proprietário da banca. No lugar dele eu já teria berrado, "Ô minha senhora! Larga mão de ser teimosa! Quer ficar esperando pra ver se o arrastão vem ou não fica sozinha! De preferência vai pro meio da rua e balança essa sua bolsa de couro aí!"

Mas não, ele calmamente disse:

-"Ah, é melhor prevenir, a senhora me dá licença?"

Mais gente correndo. Ora de me juntar a massa neste esporte moderno. Corrida de Arrastão com muitas barreiras. Trânsito parando. Pessoas se ajudando. Pessoas se atropelando. (É, tem gente que não se dá bem com obstáculos.)

Passo pelos policiais. Diversas pessoas os estão avisando. Eles afirmam já ter enviado vetores para a interceptação. Um sargento da PF passa ao meu lado conversando com um colega: "Isso é hora de fazer arrastão? Hora do almoço! Tem que pegar uns caras desses e dar muita porrada!"

Continuei a prática incansável de meu novo esporte. Nestas horas o corpo humano ganha um vigor e tanto!

Quase em casa paro. Ora bolas! Tenho que comprar ao menos um sabão em pó, preciso lavar minhas roupinhas. Mudo de direção, calculo que minha velocidade no percurso foi suficiente pra me manter a salvo por algum tempo, com certeza. Paro em uma mercearia e compro um sabão em pó. Na hora de pagar o dono da mercearia, que também é o caixa, está no celular recebendo uma notícia.

Ele me dá o troco e diz para seu auxiliar:

-"Me disseram que tá tendo arrastão lá na Ponta da Areia!"

Entro na conversa: "Olha, não sei nada de Ponta de Areia, mas ali no Plaza Shopping tá tendo um arrastão, vindo pra cá."

Palavra do momento: Pânico!

Deixo o pobre rapaz e seu desespero para trás, vou para casa. Atravesso o portão da vila e me sinto mais calmo. Analiso bem a consistência do mesmo e volto a me preocupar. Passo diante das outras moradias entro na minha e tranco a porta. Não há mais ninguém em casa. ME sento no sofá. Agora posso me acal...

Estouros! Gritaria! Barulhos no portão, coisas se arrastando por dentro da vila! Gritaria. Alguém passou muito rápido em frente a janela.

Droga!

Estou desarmado! Pior, não sei usar uma arma! Que porcaria, e eu estava indo comprar garfo e facas no Plaza, nem isso tenho, será que tem uma vassoura por aqui? Passo pelo corredor em direção a porta, vamos ver o que é isso! Há uma escada de madeira aqui, acho que posso escorar a porta com ela. Me encosto na porta. Ouço gritos. Mas... parecem gritos de.... crianças! Abro a porta lentamente. Me esgueiro pelo muro, penso, devem ser crianças, quando ouço:

- "Vou descer atropelando ein!"

O que?? Ferrou! Me abaixo olhando para a rua da vila. Passa um GAROTO em cima de uma bicicleta. Me levanto e vejo outros quatro entrando na vila. Dois "Arrastam" seus skates, os outros estão de bicicleta.

Fico observando até eles fecharem o portão e entrarem em suas respectivas casas. Estou ficando paranóico.

Olho na página do Globo. "Boato de arrastão leva pânico a Centro de Niterói". Segundo a polícia militar houve apenas um assalto na rua do Plaza Shopping, que gerou o boato de um arrastão.

Que bom. Não sou só eu, todos estão paranóicos.

Agora, vou lavar minha roupinha.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Albtraum




Levanto os olhos. Da terra negra brotam ossos e carne humana. De cada saliência nas paredes escapam gemidos indecifráveis. Estalactites de aço recobertas de sangue escapam do teto desnivelado e sombrio. Caminho um pouco e passo para outra câmara. Um muco sangrento escorre pela passagem da qual me utilizei silenciando os gemidos. Fecho os olhos. Tudo que ouço é o grito ensurdecedor que conhecem como silêncio. O tempo passa. A eternidade passa. Tudo passa. Sem sequer um segundo passar. O chão desaparece. Eu estou caindo. Tento gritar mas não consigo. A minha frente surge um rosto. Sua pele é queimada. Seus olhos e seus cabelos desgrenhados são negros. Sua arcada dentária inferior é saliente, como se estivesse fadado a sorrir eternamente diante das cenas de terror daquele lugar. Ele me olha e grita: "Por Deus!"


Sento-me em minha cama. Estou suando. Detesto ter pesadelos. Levanto e dou voltas pelo quarto. A estranha criatura mencionou Deus... Paro diante da estante e passo os dedos por sobre alguns livros. Mahabharata, Bíblia, Rig-Veda, Torá, Alcorão, Kitáb-Aqdas... Mas... Qual Deus??


Desisto de entender. Resolvo esquecer. Vou até a sala e ligo a televisão. Está passando uma reportagem sobre como o exército brasileiro agiu heroicamente em sua última investida contra as organizações criminosas das favelas do Rio de Janeiro.

- "Capitão Avelar, muitas organizações defensoras dos direitos humanos estão acusando o exército de ter realizado um massacre e não uma operação militar. Algo a declarar?"

- "Realizamos nosso trabalho senhorita. Defendemos a população. As mortes foram necessárias, estes que nos acusam são uma minoria, a sociedade sabe que fizemos o certo!"

Mudo de canal. "Filha assassina pai alcoólatra que espancava mãe". "Estuprador é linchado no meio da rua". "Padre pedófilo é brutalmente assassinado dentro de sua igreja."


Respiro fundo. Vou até o espelho e confiro o curativo de meu nariz. Volto para a cama. Meus pesadelos são mais acolhedores que a realidade.

sábado, 3 de abril de 2010

A arte de manipular

Hoje eu resolvi te chatear.
Vim aqui pra te cobrar, como sempre tenho feito.
Sei que me teme, mas isso é um mal de todos os seres humanos.
Não tenho nenhum pudor, nenhum respeito, e vou falando sem pensar, não me importando com quantos danos causarei.
Há momentos em que sou tão extrema que levo as pessoas à beira da loucura. Torturo-as. E torturo novamente, até que se rendam a mim.
Alguns falam que me odeiam, mas infelizmente estou visceralmente ligada a todos. Não há escapatória. Não há sequer enganação. Tu não perdes por esperar quando a revelação fatal chegar.

Concedo-te aos prazeres mais extremos, mas assim também o faço nos momentos derradeiros de tuas condenações na hora em que a justiça verdadeira cobra seu preço.
Quantos não desperdiçam seu precioso tempo tentando me entender, me racionalizar, ou até mesmo me defender...
Ora como são tolos! E ainda se acham superiores por pensarem que entendem mais que os outros.
E aí mais uma vez faço do meu protegido, um belo e bem vestido assassino, um corrupto, um bandido, ou até mesmo um comedido.
Diga-me o que queres te tornar, e teu desejo em realidade irá se transformar.

Eu sou aquela que te prega mais peças e que te deixas mais confuso, que de nada te serve no momento em que mais poderia ser útil, a verdade é que eu presto mesmo é pra corroer, matar aos poucos, fazer sofrer... E muito!

Acredite, e me sinto muito bem assim, consigo encaminhar a humanidade para o seu derradeiro destino, alguns mais espertos e atrevidos, escapam de minhas redes, como faz a areia por seus dedos. Mas nisso não há problema, já que a grande maioria me obedece e até mesmo se enaltece diante disso.

Por mais que o mundo diga para que sejas bom, eu digo que sejas mau quando for preciso, eu te ensino a não sofrer nas mãos dos mal-intencionados.
E assim cumpro meu destino, e faço com que te tornes mais um nesse mundinho.

Curioso por saber quem eu sou? Ainda não descobriu?
Se não fosse por mim, tu não estarias compreendendo nada do que foi dito, não terias ao menos capacidade suficiente para articular um gemido.

Sabes quem eu sou?

Tua consciência, meu amigo!