quarta-feira, 31 de março de 2010

O que justificam os meios



quando você sente necessidade de alguma coisa
e tem a sensação da maior satisfação
sabe que entre elas fez algo que nunca seria capaz
de fazer parado, aceitando o mundo

quando o suor lhe corre frio pela face e
ao piscar foi trocado por um sorriso alheio
percebe que conseguiu superar um medo do desconhecido
de se aproximar de um coração amado

quando decide-se por uma meta
e ao final sente no peito um alivio
compreende que entre eles alguém importante
te disse que tem orgulho de fazer parte da sua vida

quando você dá o último abraço
e olha para trás e não ve ninguém
lembra que entre eles havia alguém acenando
esperando você sair de seu campo de visão

quando se incomoda com a situação
e consegue descançar em paz
alguém lhe deseja boa viagem e conta
que a mudança veio de você


"Um homem é um sucesso quando pula da cama de manhã e vai dormir à noite, e nesse meio tempo faz o que gosta." Bob Dylan

terça-feira, 30 de março de 2010

Gosto muito de te ver...

Olá caros leitores e blogueiros de plantão. Hoje, após ler os últimos textos de nosso blog resolvi fazer algo diferente. Ao invés de fazer mais um conto, como tenho feito de forma repetida, e espero que não enfastiante, nos últimos meses. Vou contar sobre um fato que ocorreu e que me levou a olhar para mim e refletir um pouco.



Caminhando por Resende, em direção ao Espaço do Saber, cruzei com uma cena deveras chocante. Um homem retirava ração de cachorro de um saco e comia, enquanto um cão, sentado ao seu lado, apenas o olhava, como se estivesse dividindo o almoço com aquele senhor.

Passei cabisbaixo por ambos. Tentava fazer como a maioria das pessoas e apenas ignorá-los. Mas mesmo meu corpo se afastando, minha mente se fixou ali por um tempo. Pensei em como era injusta a sociedade. Como deveríamos agir perante isso! Como é que alguém podia ignorar... Nessa hora uma bela jovem passou a minha frente e eu pensei: "O que eu estava pensando mesmo?"

Entrei no Espaço do Saber, conversei com algumas pessoas e resolvi aguardar o intervalo entre aulas, para falar com outras. Fiquei sentado em uma mesa conversando com duas moças e azucrinando a vendedora da cantina, reclamando da inflação dos preços.

No meio da conversa vejo o mesmo senhor de antes entrando pelo portão. Desvio parte de minha atenção para ele. Ele traja roupas maltrapilhas e está acompanhado do cão, grande e amarelo, que agora percebo ser "aleijado" de uma orelha.

Me assusto com a sua entrada. Imagino uma triste cena de exclusão. Meninas fazendo cara de nojo. Garotos dizendo palavrões. Homens expulsando o pobre mendigo.

Mas nada disso acontece. O cão senta-se no portão. O mendigo se aproxima e cumprimenta o zelador e a vendedora. As pessoas sorriem. Ele pára e observa deliciado o cão. "Olha como ele é bonito. Forte! Parece um leão. Um cachorro-leão! Gosto muito dele. Posso falar que nem o Caetano Veloso, não?" E dá uma leve risada enquanto vai até uma torneira para pegar um pouco de água.

Neste momento alguns alunos também passam a olhar para o cão. Uma garota se enoja por ele ter apenas uma orelha, enquanto um rapaz afaga a orelha restante dizendo: "Que que tem?"

O mendigo sorri levemente. Toma um ar sério e sai. Já tinha sido muito notado, isso não parecia agradá-lo. O simples movimento do dono faz com que o cão se desvencilhe dos afagos e o siga. O homem sai, pega diversos sacos e vai embora pela rua.

Ele se foi e ninguém disse nada. Ninguém reclamou por permitirem a entrada de um indigente em um ambiente de estudos. Nem pelo cão. Ele passou desapercebido. Isso me deixou muito feliz, pois todos o viram, muitos falaram com ele, mas ninguém agiu como se ele fosse um ser diferente, inferior. Naquele momento ele era mais um ser humano entre outros. Entretanto, isso também me deixou muito triste. Por dois motivos. 1°) É possível que isso tenha ocorrido porque muitos dos presentes estão acostumados com a ideia de desigualdade, e não por não possuirem preconceitos. 2°) Acho que fui o mais preconceituoso dos presentes, pelo menos, fui o que percebeu as diferenças de forma mais evidente. E o mais irônico é que quando esperei ouvir um pedido de esmolas, ouvi uma citação a Caetano Veloso ao mesmo tempo rústica e comedida, mas tão sincera que envergonhou minhas antigas concepções de "ideal poético".

Pátria Amada Brasil


Cristiano era um rapaz diferente dos garotos de sua idade. Era um jovem de classe média alta, estudante de medicina em uma renomada universidade pública de sua cidade. Era o sonho de seu falecido pai que seu querido filho fosse médico. Sua mãe havia morrido logo após o parto, deixando toda a responsabilidade ao amado marido e pai de primeira viagem.


Bruno havia conhecido Lúcia nos tempos de colégio. Foi amor à primeira vista, sabiam que tinham sido feitos um para o outro, e no término da faculdade o "eu vos declaro marido e mulher" foi ouvido, enfim.

A vida do casal era muito tranquila, e o sonho do primogênito foi concretizado após 5 anos de casamento.

Nascia Cristiano e com ele juntava-se à amargura do pai com a esperança de realizar um sonho.

Bruno queria ter sido médico, mas seu pai havia obrigado-o a cursar direito. Sentia uma certa infelicidade, mas com a chegada de Cristiano tudo seria diferente.


Criado somente pelo pai, Cristiano acatou com o desejo de seu tutor e ingressou na tão concorrida faculdade de medicina (mesmo sendo contra sua vontade).

Sim, ele não queria ajudar as pessoas, pelo menos não dessa maneira, de ter nas mãos a responsabilidade da vida de outro ser humano.

Ele queria mesmo era fazer a diferença e se possível transformar o mundo... e motivado por isso, Cristiano largou a faculdade no penúltimo ano, já fazendo residência.

Ah, se seu pai soubesse que ele havia feito isso, quanto desgosto!!

Mas agora Cristiano era livre para fazer o que bem entendesse, o mundo era seu e ele era do mundo.


Sua alma clamava por um desejo de revolução. Cristiano tinha muitos sonhos...já tinha pensado em ser jogador de futebol, astronauta, piloto de fórmula 1, policial...enfim, coisas de garoto.

Agora o tempo havia passado e como não havia máquina de voltar no tempo a única solução seria pensar no futuro próximo. Foi quando decidiu que queria ser político.

Presidente do Brasil, quanta audácia e pretensão ex-futuro doutor!

Não havia mais limites, a não ser os que sua própria consciência lhe impunha, e foi assim que ele começou a sua jornada.


Antes de ingressar em uma faculdade para ter a base fundamental-teórica, Cristiano optou por conhecer o povo brasileiro. Queria entender como a sociedade brasileira pensava, como agia e o que a motivava a eleger governantes que só prometiam mas nada cumpriam.


Viajou pelo País afora e conheceu cada cultura, costume e religião.

Aprendeu a ser um líder carismático como todos àqueles que conquistaram o coração dos brasileiros.

Como Chico Mendes entendeu a importância da floresta Amazônica e por ela quis morrer; delirando sobre o sol escaldante do sertão nordestino "beijou" Maria Bonita e entregou seu coração; sob a proteção do Cristo Redentor prometeu que seria o salvador desse povo sofrido e cheio de miséria, mas que ainda assim mantém o brilho no olhar com esperança no dia de amanhã; em meio aos pampas gaúchos sentiu inveja de não ter feito parte da revolução farroupilha; por fim quis ser como Lúcio Costa e controlar o nascer do sol por entre os edifícios do palácio do planalto.


Assim Cristiano foi vivendo, permeando-se cordialmente por entre as raízes do povo brasileiro, encorajando todos aqueles que, clementes e suplicantes, esperam ser reconhecidos como verdadeiros "filhos deste solo és mãe gentil, Pátria Amada, Brasil!"

domingo, 28 de março de 2010

Confissão


É uma noite chuvosa de verão, a tempestade da um tom amarronzado as nuvens noturnas ocasionalmente iluminas por trovões, mas dentro da casa nada disso parece estar acontecendo do lado de fora devido às paredes e vidros reforçados.

Leonardo ainda ofegante retira o seu colarinho romano e manda a pequena Lilian colocar as suas roupas. Normalmente todos o chamam de Padre Léo, mas quando está muito agitado ele costuma requisitar os serviços de uma certa agencia especializada em suprir as necessidades clericais com a máxima eficiência e sigilo.

Lilian não tem mais que 9 anos, mas a muito já não pode ser mais considerada criança. Seus cabelos castanhos cacheados emolduram um rosto de beleza angelical, mas seus olhos negros como a mais profunda noite não tem mais brilho por causa do serviço ao qual é submetida a fazer.

“Como sempre, você se comportou maravilhosamente bem, está de parabéns Lili. Gorgo já deve estar esperando lá fora para levá-la de volta para a agencia.”

Ela apenas assente com a cabeça e vai em direção a porta.

“Espere! Não está se esquecendo de nada?”

“Desculpe... A benção padre.”

“Que o Senhor te abençoe minha pequena.”

Gorgo está aguardando dentro do carro como sempre fazia. O cheiro de cigarro barato empesteia o veículo, tornando a viagem ainda mais angustiante.

O padre retira o resto de sua roupa e se dirige ao banheiro de roupão, quando escuta a campainha tocar. Não faz mais que alguns minutos que Gorgo saiu daqui - pensou o padre – o endereço desta casa é conhecido por poucas pessoas, e a elas sabem que hoje é o meu dia de usar o lugar. Quem será que veio fazer um visita a essa hora da noite?

A campainha continuava incessante. Ao olhar pelo olho-mágico da porta Leonardo vê um homem jovem, com um agasalho de moleton preto e calça jeans completamente ensopado pela chuva.

“Quem é?”

Uma voz rouca e levemente acelerada respondeu.

“É urgente padre! Abra logo, não tenho muito tempo!”

Um tanto perplexo pela resposta o padre abre a porta.

O homem entra sem cerimônia pela sala, deixando um rastro de lama pelo luxuoso tapete que adorna o local.

“Sou Izrail, e preciso me confessar.”

“Você não poderia esperar até amanha para a sua confissão?”.

Parecendo não ter escutado, o estranho continuou.

“Padre, eu pequei. Há poucos minutos eu matei duas pessoas, ou melhor, uma. Pois a outra o senhor já havia matado há alguns anos.”

Izrail retira do bolso uma pequena bola e joga em direção ao Padre.

“Você sabe de quem é, não é?”

Por reflexo Leonardo pega a bola e descobre que aquilo na verdade é um globo ocular, e ainda em choque reconhece que a dona do mesmo havia saido a instantes de sua casa.

“O que você fez com a minha pequena Lilian!?”

“Apenas dei para ela o seu merecido descanso. E aquele senhor que a acompanhava, deve estar tentando barganhar com o Capeta a essa hora.”

“O que você vai fazer comigo? Eu nunca fiz nada contra você... eu nem te conheço! Se você for embora agora eu juro que finjo que não sei o que aconteceu caso a polícia apareça aqui... pessoas morrem todos os dias, nem vão ligar para ele. Eles não eram importantes mesmo. Não passavam de uma prostituta e um delinqüente.”

O estranho assassino olha longamente nos olhos do padre e este sentiu um frio na espinha e uma súbita tremedeira começou a atacá-lo.

“Fingir... você sabe muito bem fazer isso, fingi ser santo quando na verdade é um demônio... mas não se preocupe, você não irá morrer. Pelo menos não agora. Nós temos uma noite inteira para brincar.”
...

Na manha seguinte os noticiários informavam que a famosa romaria da Santa Cabeça em Cachoeira Paulista, foi cancelada devido a profanação do Santuário da Santa Cabeça. O local foi transformado em uma pequena porção do inferno. Foi encontrada em cima do altar a cabeça do carismático Padre Leonardo Silveira de Melo, conhecido como “Padre Léo” com um globo ocular, de uma pessoa ainda não identificada, dentro da boca, além de fotos que mostram o possível envolvimento do padre com atos de pedofilia por todo o santuário.
...
No terminal rodoviário de Cachoeira Paulista, ainda deserto, Izrail saia do banheiro com roupas limpas e na mão uma mochila.

Tenho que sair logo dessa cidade, mas qual será o próximo destino? Vou deixar a sorte me guiar, vou comprar uma passagem para o próximo ônibus que estiver saindo.

Após uma rápida olhada pelos guichês ele vai até o terminal da viação Cometa e fala:
“Uma passagem para o Rio de Janeiro, por favor.”

segunda-feira, 22 de março de 2010

Cheiro de Pólvora




Um cômodo pequeno, uma mesa e três cadeiras em um madeiramento rústico, trincas nas paredes partindo das janelas que denunciam um céu tranquilo. Dois homens jovens conversam, um de pé, próximo a janela, o outro caminhando lentamente por entre a mobília. Há papéis desorganizados sobre a mesa.
O caminhante para e remexe os papéis. Suas expressões são tensas, não condizendo com a camiseta Ecko e o bermudão floral que, a primeira vista, poderiam fazer com que o confundissem com um turista. Ele encara a figura de calças jeans e camiseta preta a qual sustem o seu olhar com um rosto tranquilo e enérgico. Nosso psudo-turista força um sorriso e exprime um mal disfarçado ar de tranquilidade jocosa quando se dirige ao homem a sua frente.
- E aí, como foram as férias?
- Boas. É a resposta do sujeito que parece absorto em contemplações. Ele mantém seu olhar tranquilo. Não há raiva ou tristeza, intrepidez ou, tão pouco medo em seu semblante. Apenas as mesmas feições tranquilas e inalteradas. Ele está pensando.
- Encontrou o que procurava?
- Foi uma estadia extremamente frutífera. Consegui mais dados do que esperava. E os negócios? Qual o problema para que me chamem aqui tão depressa?
- Algo grande está rolando...
- Guarde esse cigarro, aqui no Rio é contra a lei fumar em locais de trabalho fechados.
- Tá de brincadeira, né?
- Não, considero este meu lugar de trabalho, por favor, prossiga.
Jonas guardou o cigarro meio que a contra gosto. - Bem, como eu dizia, algo grande está rolando. Algo além dos pacificadores nos morros. Muitas comunidades estão se atracando.
- Esses conflitos sempre ocorreram e nunca precisaram de meus serviços para resolvê-los.
Jonas olhou-o nos olhos. Respirou fundo. E em um tom de voz afetado disse:
- Armaram para o chefe!
Para o desapontamento de Jonas seu interlocutor permaneceu impassível. Que droga, ele havia até ensaiado aquele momento para que surtisse algum impacto! E aquele infeliz não moveu um músculo. E isso porque o "chefe" era o homem que "comandava" os traficantes que "comandavam" três complexos de favelas no Rio. Sem contar os assuntos fora das "comunidades".
- Estranho, você parece estar surpreso por eu não me surpreender. Espero que não, pois é necessário pouco raciocínio para perceber que um homem como ele possui muitos inimigos. Mas o que fizeram afinal?
- Uma verdadeira guerra! Várias comunidades menores formaram coalisões que se lançaram em diversos ataques suicídas conrtra os pontos estrategicamente mais fracos de nossas bases.
- Ataques suicídas?
- É um modo de dizer. Eles atacaram os pontos certos, mas com o tipo de soldado errado, um bando de idiotas, foram massacrados.
- E suas defesas?
- Sofremos muitas baixas, mas acho que amanhã tudo já estará de volta ao normal.
- Quando foi isso?
- Na última madrugada, mas demos um jeito de confundir os noticiários. Ninguém está sabendo de nossa fraqueza momentânea.
- Nas áreas menos protegidas... Apenas nestas?
- Sim, por isso temos certeza de que houveram delatores, seu trabalho será nos dar seus nomes.
- Ter certeza de que sabe de algo é o primeiro passo para desconhecê-lo. Foi a resposta distraída.
Jonas olhou-o fixamente. Foi apenas uma expressão droga! Para que todo este perfeccionismo, até com as palavras? - Que seja, o que nos importa é que capturaram um dos cabeças do grupo. Entretanto, tiraram pouca coisa dele, mesmo sob ameaça de morte. Ele só está vivo, na verdade, porque o Chefe acredita que você pode conseguir algo.
Ainda com seu ar pensativo ele se afasta das janelas e vai em direção a Jonas. Em sua face está desenhado um pequeno sorriso de satisfação.
- Eu sempre consigo.
Batidas apressadas na porta, Jonas a abre. De pé dois homens. Um de camisa cinza e bermuda jeans com uma pistola 45 na mão, ao seu lado um outro de roupa surrada com um capuz cobrindo o rosto. O de camisa cinza diz:
- Ô Jonas, ELE já tá aí?
- Claro, responde uma voz gélida no interior do cômodo, desde quando a morte se atrasa?
Um calafrio subiu pela nuca do homem de capuz quando este foi retirado e ele fitou os dois olhos castanhos dELE.
Amarraram o preso em uma cadeira e o homem de preto se aproximou. Pegou uma cadeira e se sentou em frente ao outro. - Como devo lhe chamar? Disse em um tom extremamente educado.
- Bilé. Respondeu um pouco mais confiante o aprisionado. Talvez aquele homem não fosse pior que os outros. Aquele jovem a sua frente sequer parecia perigoso.
Passaram-se em torno de 15 minutos sem ser dita nenhuma palavra. Bilé se perguntava o que ele estaria esperando? O que ele iria fazer? Que saco... já haviam lhe quebrado uma costela naquela manhã e estava doendo bastante, ele teria que fazer melhor do que isso pra tentar tirar alg...
- Trinta minutos.
- O quê? Bilé se sobressaltou... do que ele estava falando?
- Você tem trinta minutos, ele acionou um cronômetro no relógio de pulso, daqui a trinta minutos você morre.
- Ah sim. Se eu não disser o que você quer você me mata.
- Você não entendeu rapaz... pense um pouco Bilé... já ouviu falar de mim? Não. Mas eu sou o principal... Vamos dizer garimpador de informações, certo? Sou o principal garimpador de informações do "manda-chuva" da área. Conheci muitas pessoas desta e de outras comunidades. Então, por que você não conhece ninguém que já tenha me encontrado?
O traficante suava... esse cara deve ser louco... como assim trinta minutos? - Mas...
- Mas nada, meu amigo. Foram as palavras calmas que lhe saíram da boca. Você já está morto, morreu quando cruzou aquela porta. Ele se vira para o homem de cinza. - O que ele disse a vocês?
- Um cabo da PM forneceu as informações para o ataque. Ele prometeu auxiliar com um batalhão.
- Porra! A PM tá se aliando a bandidos dessa forma agora! Que merda!
Jonas esbraveja e dá murros no ar enquanto fala.
- Mas eu não pos... não sei nada!! Porra!! Eu não sei de mais nada! Quem vocês pensam que eu sou?
O homem de preto se levanta balançando a cabeça e vai em direção a uma pequena valise em um canto do aposento. Pega-a e a leva para cima da mesa. Sorrindo olha para Bilé e diz: Acho que você está com medo de falar... é compreensível. Tem medo de falar e ser castigado, possivelmente com a morte... Acho que vou ter que lhe ministrar uma pequena lição sobre a psiquê humana. A lição é sobre a forma de encarar a morte. Tentarei ser breve. Quando esta é certa costumamos passar por alguns estágios, sendo que o último é a aceitação, pois no fim das contas, todos estão cientes da morte e todo cérebro está preparado para morrer. Entretanto, nunca presenciei a aceitação da dor. Vamos ver se com você será diferente.
Este homem só pode estar blefando. Espere...Ele parece... Nao, ele está.... Está feliz...?!? Como alguém pode se portar com tamanha tranquilidade sorridente numa situação dessas?? - O que você acha que vai arrancar de mim? Não sei mais nada!
- Ótimo. Se você diz não saber de nada eu acredito. Mais uma vez as palavras fluiam sem emoção alguma. De forma irritantemente compreensível.
- E já que você não sabe de nada...
Ele retira da valise um grande alicate de corte.
... irei primeiro "arrancar", veja que irônico, sua língua e seus dedos, para que não possa falar, escrever ou fazer jestos simples afim de comunicar qualquer coisa, pois você não sabe de nada mesmo.
Ah, já ia me esquecendo. Gostaria que soubesse quão vã será sua morte e seu sofrimento...
Estive de viajem recrutando informações. Tenho informantes muito bem qualificados em diversas áreas, inclusive na Academia Militar das Agulhas Negras, e estes me contaram sobre um estranho acontecimento. Oficialmente, um batalhão do contingente fronteiriço do exército brasileiro foi massacrado por integrantes da ASFARC, há dois meses.
Extra-oficialmente, na verdade, o exército brasileiro desenvolveu nessa data uma nova tática de combate. Eu a apelidei de "Barril de pólvora", consiste em se aliar a facções criminosas com a promessa de benefícios mútuos duradouros, armar os integrantes desta facção, arquitetar um ataque traiçoeiro em pontos ou momentos estratégicamente oportunos e lançá-los em um ataque solitário, com a desculpa de que os soldados do exército não podem aparecer de imediato. Mas isto é pensado de uma forma que a imperícia dos atacantes os faça sucumbir. Assim, os criminosos são aniquilados pelos atacados, que, no entanto, se enfraquecem o suficientes para serem massacrados pelo exército, que deixará como responsável pela ação aquele que melhor lhe convir. Na experiência com homens do próprio exército, os integrantes da ASFARC foram os responsáveis, nas invasões em favelas, intuito principal desta tática, o "Glorioso Exército Brasileiro" o será. Então Bilé, viu como é feio falar mentiras? A propósito, perdi algum detalhe? Ou já falei mais do que é do seu conhecimento?
O traficante não podia acreditar... O fracasso do ataque era parte de um plano? Quem era aquele infeliz afinal??!? Como ele podia saber dessas coisas?
- Bem, chega de conversas Bilé. Temos dezoito minutos ainda. Não quero desperdiçá-los. Você poderia abrir a boca, por favor? Alguém que visse aquela cena isolada do contexto o tomaria por um simpático dentista fazendo seu trabalho, tão triviais lhe sairam as palavras.
- Abra a boca, vamos lá. Se não abrir irei quebrar seus dentes até sua língua aparecer.
- Eu não sei! Para!!! Eu não sei!!
- Bilé... não sei se você percebeu... mas, não perguntei nada.
Ele não havia perguntado nada. Ele não queria respostas. O traficante sentia mais medo do que jamais imaginara ser possível sentir.
- Eu ouvi que eles vão atacar amanhã! Três da tarde!! É tudo que se... Sua boca fora tampada. O homem de trajes negros com a mão direita firme sobre sua boca o olhava atentamente. Percebia em seu rosto sulcado pelas drogas os traços do pânico. Percebia também as profundas olheiras em sua face...
- Quando o capturaram? Pergunta a Celão, o homem de cinza.
- Hoje, por volta das três da manhã. Faz diferença?
Ele olha no relógio e muda do cronômetro para o horário normal. 14:59. -Bem... então... será que o amanhã que ele ouviu é hoje? Ei, Jonas, sai dessa jan...
Um estampido e o cérebro de Jonas se espalhou pelo cômodo. Uma saraivada de balas ricocheteava em volta. Era agora. Iriam acabar com aquele império do crime e ficar com os louros da vitória. O homem de preto pensa mais rápido do que nunca. Pega a arma de Jonas e se posiciona atrás da porta. Celão tenta se levantar e é atingido. Não dá pra contra-atacar. Duas pistolas contra o exército. Contra um batalhão de soldados! A morte é certa. Mas ele odeia certezas, prefere o inebriante sabor das dúvidas. Na linha de frente, apenas soldados... Nada dos comandantes que conhecem os rostos de seus agentes.
O homem se levanta e começa a desamarar o prisioneiro. Bilé, ainda atordoado, não compreende o que ele pretende fazer. Ambos estão fora do campo de visão oferecido pela janela. Ele coloca Bilé de pé, próximo a porta, apontando as armas o obriga a se despir, se afasta um pouco com cuidado e tira sua prórpia roupa. Veste as roupas do bandido e passa as suas para serem vestidas. Atinge com uma das pistolas o próprio nariz e entrega as duas armas desengatilhadas para Bilé. Enquanto o traficante tenta engatilhá-las afim de reverter a situação o homem o empurra para fora do aposento. O que é para fora da casa que possui um único cômodo. Assim que cambaleia para a rua com duas pistolas nas mãos Bilé é atingido e cai agonizante. Lá dentro o homem coloca o capuz e amarra os próprios pulsos na cadeira.
Passaram alguns minutos. O ataque deve ter sido simultâneo em diversas localidades. O Chefe está morto. Os tiros cessaram. Ele ouve passos se aproximando e os gemidos agonizantes do morimbundo à porta de casa. Cessam os pasos. Um gemido. Um tiro. Um bip do relógio, indicando que a contagem regressiva zerou.
Os soldados entram e tiram o capuz.
- Bom trabalho rapaz! Hoje pegamos todos os peixes grandes daqui! O coronel Moura quer falar com você, vamos lá. Ele desamarra os pulsos do homem. - Ih cara... acho que quebraram seu nariz.
Eles colocam-no no furgão. Ele sabe que ali está indo para a morte. Fecha os olhos e o balançar do carro o lembra o movimento de um rio. Sim, aquele é o seu Aqueronte. Ele remexe os bolsos e encontra uma moeda. Será que aquele jovem suicida ainda estaria na margem? Não... sua viajem já fora paga, o próprio homem de preto, agora em roupas maltrapilhas e ensanguentadas havia pago sua ida.
Ele olha pela janela em busca de algum pintor escondido por entre os prédios. Mas ele não vê pintores, e sim um grande prédio, um hospital. Nada de morte certa! O homem cambaleia e sussura que precisa de um analgésico, pergunta se não pode parar pra fazer um curativo simples. Ou apenas para pegar um remédio. O soldado reclama, diz que estão com pressa, mas dá a ordem de parada. O homem sai se arrastando, parece tonto, é a perda de sangue. Uma enfermeira oferece ajuda. O põe em uma maca e o leva para o interior do hospital. No corredor principal um médico o examina rapidamente.
- Façam uma radiografia. Você é alérgico a algum medicamento?
- Há outra saída do hospital?
- Você é alérgico? Responda, rápido!
- Há outra saída?
- Enfermeira, acho que o paciente está delirando...
- Não sou alérgico a nada, vamos conversar doutor. Por onde as ambulâncias saem?
- Pela garagem, do subsolo para a rua. Agora se acalme e...
Para a surpresa do médico seu paciente tonto e disperso se levantou totalmente reestabelecido. Fez um gesto de agradecimento com a cabeça, pegou uma gaze, começou a limpar o sangue no rosto e entrou no elevador. Saiu no subsolo e partiu para a rua. Não precisava de médicos. Seu nariz não estava quebrado, ele sabia muito bem como quebrar um nariz ou apenas o fazer sangrar. Agora ele pasava por entre os prédios, parou um táxi, ainda com a gaze no rosto, e pediu para ser levado até o terminal rodoviário. Iria viajar. Não tinham um nome, sequer viram um rosto intacto para seguirem. Parece que Átropos não se animava a cortar-lhe o fio da vida hoje. Seu nariz o incomodava, mas ele sabia que estava bom, mesmo sangrando, ele ainda era capaz de sentir o cheiro de pólvora...

sábado, 20 de março de 2010

Sobre a globalização...




Ao pensar no tema proposto pelo colega de postagem, resolvi debater sobre o assunto.
Há algum tempo a globalização vem sendo tratada por muitos de uma forma positiva, já que o que se prega é uma maior interação dos atores sociais.
Prega-se uma facilidade na troca de informações, custos mais baixos nas transações comerciais, e principalmente o conceito de distância zero.
Ao analisarmos tudo isso, podemos ver que, de fato a tendência maior é a da homogeinização, e também vale ressaltar que isso é de grande valia para "o mundo como um todo".
Digo isso porque acredito que aqueles que governam as potências almejam que as massas pensem cada vez menos, pois assim se terá menos contrariedades perante as decisões políticas.
Sim, ter uma população alienada é vantagem. Alguns podem até me condenar, mas incrível como alguns conceitos viram fundamentais na vida das pessoas de uma hora para outra e na maioria das vezes acontece sem que ninguém perceba. Esses tais "conceitos" vão desde músicas inúteis-que viram hit nacional- até "filosofias de vida" by Big Brother entre outros.
É a famosa lei do Pão e Circo, que permeia nossa sociedade até os dias de hoje.
Com o advento do conceito "mundo Globalizado" nos tornamos escravos de modismos impostos por aqueles que acham que estão fazendo o melhor para todos, mas que em realidade nos oprimem cada vez mais fazendo com que fiquemos trancafiados em nossas jaulas de ferro.
Aquele que pretende ser simplesmente diferente da maioria é tido como o mais ANORMAL de todos e consequentemente excluído pela sociedade.
Sabe-se que ninguém vive sozinho, e aí deixo a minha pergunta...

O que podemos fazer para que as pessoas percebam o real valor do Ser Diferente no mundo do Ser Igual?






quarta-feira, 17 de março de 2010

Globalizando....


A intenção deste tópico é inaugurar uma nova modalidade de post em nosso blog, a modalidade de debates interativos. Para começar escolhi um tema que todos já ouvimos falar, mas que tentarei abordar de uma forma diferenciada. Espero que todos participem com o máximo de ideias possíveis. O assunto de hoje será a globalização.
Vivemos em um mundo globalizado. Cotidianamente nos deparamos com os efeitos desse fato. Todos já ouvimos diversas críticas a respeito da globalização. Uma que gosto particularmente é a fala do pensador Gobneau, em seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1853 - 1855), manifestou o temor de ver a multiplicidade cintilante das civilizações fundir-se em uma pálida monotonia.

Por outro lado, podemos perceber uma nova tendência global, a da produção da individualidade através da homogeinização da sociedade, o que torna a diversidade social algo raro, e simultaneamente, caro. Assim, chegamos à parte principal de nosso tópico, a questão que movimentará este post:


A globalização realmente possui a capacidade de utilizar a diversidade como mercadoria, ou apenas a homogeinização lhe interessa?

segunda-feira, 15 de março de 2010

Crônicas de Arximo - 5

Talvez o mais necessário dos erros fora cometido. A meia-volta firme do homem o fez traçar um novo caminho. Não exatamente ele o traçou. Parecia que agora, mais do que nunca, o destino se punha à sua frente, sem titubear, sem ponderar. Não sentia que tinha total controle sobre suas ações.

O botão, que agora ocupava o bolso frontal de suas vestes, trouxe imagens à sua cabeça. Tudo que poderia considerar-se subconsciente tornou-se altamente consciente, real e natural. As imagens criadas lhe davam a impressão de reproduções do que um dia acontecera. Via, constantemente, na cidade abandonada em que estava, fatos de seu passado. Não sabia se esta dádiva era digna de aprovação ou de preocupação. A voz que o advertiu da ultima vez ainda rebatia em seu crânio como uma bola de gude.

Eram duas horas da tarde. Seu relógio de sol era preciso. Repudiava o relógio digital. Caminhava pela cidade, como se fosse sua, até porque, não sabia para onde deveria ir. Estava desnorteado, sem direção, sem radar.

Repentinamente, uma nova imagem surge ao seu redor. Vê a cidade cheia, suas construções de pé. Humanos, muitos humanos. Em suma maioria, homens. Guerreando! Exército de branco... exército de vermelho. Se vira, um machado o acerta... não, apenas o atravessa... é como se fosse um fantasma. Sua presença não é notada em tais reproduções. Homens caem, sangue, brutalidade... pensou: - Primitivos.

Assistindo à luta, repara que o farol agora é um trono. Céus! O indígena ou alguém muito parecido com ele, talvez seu ancestral estava majestosamente posto naquele trono. O “pele-vermelha” desce de seu trono para dar assistência estratégica aos seus defensores. Neste momento, o homem percebe o botão, aquele que no momento está em seu poder, um dia este já esteve nas mãos daquele indígena.

- Interessante - pensou o homem de cabelos negros, muito mal cortados e secos.

Parecia que pela primeira vez nos últimos meses sentia apreço por alguém. Ficou curioso para saber mais sobre o nativo que o assistira nos últimos dias. Era ele, tinha de ser... seu próximo marco.

Estranhamente, após chegar a tal conclusão, sentia a presença de alguém novamente.

- Eu disse que não era tarde para voltar atrás – disse sua consciência, a velha e conhecida voz... reconfortante.
- Então, nem preciso perguntar meu próximo marco, certo? – perguntou inabalável o homem.
- Ainda acredito em você, Arximo. Teve a capacidade para tomar a atitude correta em um momento sem apoio algum. Este é o presságio do reconhecimento e isto o levará ao conhecimento. Neste momento, tens total controle sobre onde se levará e onde deve ser levado. – replica a voz, em tom materno.

E avista o leste. Lá, a residência do nativo, calma e serena. Era ele, seu próximo marco. E caminhou confiante, agora se reconhecendo. Arximo era seu nome e era um homem único, como qualquer outro.

Hint: Dizem por aí que as “atitudes é que provam quem é quem”.

-Seria Afrodite uma Deusa negra?

sexta-feira, 12 de março de 2010

Confissão


Como esse lugar é quente e apertado...

Me sinto sufocado, acho que vou morrer, está cada vez mais difícil para respirar...não entendo, antes eu flutuava, conseguia mover-me facilmente...agora tudo está assim, tão escuro, úmido e abafado.


Espera aí, o que vão fazer comigo? Não não, o que é tudo isso? Que luz é essa? Para onde estou indo? Aí como é difícil, acho que estou saindo desse lugar horrível... ei ei,quem é você?!?!?!

Por favor alguém me ajude!!!


Sim, agora eu entendo tudo o que passei.

Hoje depois de 30 anos descobri que o meu maior sofrimento foi ter nascido.

O que foi a minha vida? O que eu fiz de bom esse tempo todo?

Esse lugar é muito estranho, sempre foi...nunca gostei de nada nem de ninguém.

Senti muito nojo de mim mesmo e de minha genitora quando descobri que aquela desgraçada me colocou no mundo.

Infeliz! Eu era livre, não precisava ficar me moldando a esses comportamentos inúteis que a sociedade prega! Nunca consegui ser eu mesmo, sempre tive de mostrar meu lado bom, ser uma pessoa educada e agradável para que todos gostassem de mim.

Eu não sou assim, nunca fui e nem vou ser...

A minha diferença provém da inconsciência dos seres humanos...e eles jamais conseguirão compreender minha essência.


Estou neste calabouço chamado corpo, que atualmente virou instrumento para seduzir, coibir, maltratar e aprisionar cada vez mais "narcisos" inocentes que pensam que essa é a solução para todos os problemas.

Não, a sua mocidade fulgaz de hoje não fará com que você seja uma velha feliz amanhã.

Não, o mundo não é cor de rosa, e o "eu te amo" de outrora foi só mais uma ilusão.


Estou cansado de tudo isso...sim sou fraco(como todos pensam) e quero tirar minha própria vida....

Eu tenho esse direito, já que os meus pais tiraram aquilo que eu possuía de mais precioso.

Nenhum conselho é válido agora.


Vou caminhando...paro em frente ao mar e começo a contemplar o pôr do sol...

Vejo pessoas felizes. Gostaria de saber o que é a felicidade.

Minha vida inteira passa em um segundo...que merda de vida...fui só mais um nego torto que nenhum anjo quis proteger...


O que é isso? Uma moeda...hum...pela primeira vez vou acreditar na "sorte".

É chegada a hora, vou lançá-la e aí será dito o meu destino....

Agora tudo faz sentido....


Faz frio... mas agora estou em paz...



quarta-feira, 10 de março de 2010

Canções e silêncio - Parte I - A canção mais fria já cantada


Por que? Tenho me perguntado isso desde que encontrei teu corpo inerte no chão. Meu lamento ao te ver neste estado foi tão triste que todas as árvores ao redor perderam suas folhas, a grama ficou amarelada, os insetos se silenciaram e todas as aves pararam de cantar, algumas até fugiram na tentativa de não escutar meu choro.

Examino-te. Ainda tens o corpo suado. Nos teus pés encontro as marcas da picada que tirou lhe a vida, e junto com ela toda a beleza da minha existência.

Tuas pegadas indicam que antes de chegar a este teu último cenário estava a fugir. Mas fugindo de quem? Alguma fera teria coragem de atacar a musa pela qual canto?
Algum monstro poderia pensar em destruir tua alva beleza? Ou será que fugia de algum homem sem alma?

Estas perguntas agora são inúteis.

Tu que transformava todos os dias em espetáculos de inigualável beleza, agora me deixaste apenas as trevas mais soturnas como herança. Este buraco em minha alma, este lugar onde jamais nenhuma outra flor nascerá.

E então ele pegou novamente sua lira e começou a cantar a música mais fria que já foi criada, de tão triste, tudo ao seu redor começou a se tornar cinza.

Seu canto ecoou por todo o mundo, não existia ser, mortal ou imortal que não houvesse sentido um aperto indescritível no peito e uma súbita vontade de chorar.

As ninfas que sabiam o que havia ocorrido ficaram incapazes de contar-lhe a verdade e começaram a chorar.

Ares que estava tendo uma discussão acalorada com Athena, parou seu conflito com a Deusa e, por um momento, pensou em abraçá-la para sentir um pouco de calor, pois aquela canção estava corroendo os corações até dos excelsos deuses olímpicos.

Zeus, que o observando tudo de seu áureo trono no topo do Olimpo resolveu interceder e mandou Hermes ao encontro do poeta.

Chegando ao encontro do artista o deus mensageiro viu a imagem tétrica que havia se formado ao redor do poeta e segurando as lágrimas se pronunciou.

“Grande são as glórias de ti, Orpheu, o poeta, filho de Morpheus¹, senhor dos sonhos, honrado estou por estar em tua presença, mas o assunto o qual venho tratar em nome do todo poderoso Zeus, não é dos mais auspiciosos. Venho lhe ordenar que pare com esse canto ou todo o mundo se afundará em trevas mais sombrias que o Hades².”

Orpheu já havia parado de cantar, mas a aura lúgubre continuava; e se voltando para Hermes disse.

“Ó, mensageiro dos deuses, compreendo tua ordem, mas sou incapaz de cumpri-la. O frio que toma o mundo é proveniente do sentimento que agora habita em meu coração.

Quando os deuses resolveram afastar de mim Eurídice deveriam ter previsto o que aconteceria, já que ela era o único motivo pelo qual meu coração batia.”

Hermes, o Deus da eloqüência, estava sem palavras.

Ele sabia que nem o poder de todo o Olimpo reunido seria capaz de impedir o que estava acontecendo, pois o que havia se formado naquele local era feito de um sentimento que fora maculado e nenhum Deus em toda a criação tem poder contra um sentimento tão forte.

Não vendo outra alternativa resolveu oferecer ao poeta uma alternativa, que mesmo perigosa, poderia resolver seu problema.

“Maior entre os poetas, mesmo sendo o Deus dos viajantes e conhecedor de caminhos que vão muito alem da compreensão dos mortais, observo tua dor e não a consigo entender, não creio que o que sentes esteja dentro do domínio de Aphrodite ou de seu filho Eros. Teu coração seguiu por um caminho que nem mesmo os Deuses são capazes de trilhar. Mas mesmo assim, como preposto de Zeus, lhe ofereço a única alternativa capaz de acabar com tua desgraça.”

“E qual seria, ó conhecedor dos mistérios deste e dos outros mundos?”

“Lhe mostrarei o caminho que leva até o Rio Estige, lá encontrará Caronte, o barqueiro das almas, e com ele terá acesso aos domínios de Hades, o soberano do submundo. Hades tem em seu poder a alma de sua amada e somente ele poderá devolve-la a você.”

“Tuas palavras fazem meu coração voltar a vida tal qual a fênix das histórias, antes mesmo de que minha jornada comece, já sou grato a ti. Por piedade me mostre logo o caminho que me levará até a senhora do meu destino.”

Então Hermes com um movimento de seu caduceu apontou o caminho para o qual Orpheu tanto desejava.

Fim da Parte I

¹Em algumas versões do mito Orpheu é filho de Apolo, mas acho mais interessante a versão em que é filho de Morpheu, pois todos os artistas tem sua gênese no reino dos sonhos...
²Hades é o nome tanto do Deus quanto do domínio.

terça-feira, 9 de março de 2010

Ei irmão, vai um produto aí?


Relendo os tópicos iniciais do blog me deparei com os textos do marcador "Coisas que me irritam", e resolvi discorrer um pouco sobre o tema. Obviamente há varias coisas que me irritam, entretanto, escolhi como tópico de hoje uma situação um tanto quanto corriqueira: Vendedores ambulantes.
Todos já fomos abordados por estes indivíduos, muitos sentem um verdadeiro ódio por eles, mas o que me irrita em particular não são os vendedores no geral, mas, especificamente dois tipos: 1) aqueles que pensam que somos um bando de idiotas dispostos a aceitar qualquer coisa que nos oferecerem, 2) aqueles que se irritam quando não aceitamos a "maravilhosa oferta".
Já me deparei com diversas situações envolvendo vendedores, vou narrar uma que ilustra bem o fato.
Há duas semanas eu estava em Resende, atravessando a ponte de aço distraidamente quando um rapaz com seus 20 anos, bermuda e camiseta, me abordou.
-"Ô irmãozinho, tudo bom?"
-Tudo.
-"Pow, tenho uma parada legal aqui pra você, ó!" Disse o estranho depositando em minha mão um frasco verde circular. "Isso aqui é uma pomada de "ervas naturais" (imagina se fossem ervas industrializadas??) que cura resfriado e reumatismo, tô vendendo aqui por 20,00 R$, mas faço de graça pra tu, é só você fazer a propaganda pros seus amigos"
Antes que eu pudesse abrir a boca ele completou:
"Melhor, vou te dar essa outra aqui, que ajuda no desempenho sexual, pro sexo durar mais tempo, tá ligado?"
Olhei bem para o meu bondoso vendedor com vontade de perguntar: Afinal, eu tenho cara de reumático ou impotente? Mas segurei a língua, afinal ele estava me dando as pomadas e como dizia vovó, "cavalo dado não se olha os dentes". Tentei apenas ignorar os detalhes da teatral explicação de como se usa uma pomada para o aumento do desempenho sexual para que meu dia não fosse um fiasco total. Já desesperado para sumir dali agradeci e fiz menção de me retirar, neste momento meu bom amigo lançou sua jogada. "Ô tio, te arranjei umas paradas que custam uns 40,00 reais, descola um qualquer pra eu almoçar"
Eu deveria ter respondido algo como: Se enxerga... eu lá sóu irmão de gato pra ter sobrinho de bigode! Mas apenas meneei a cabeça enquanto dizia que só tinha o dinheiro do ônibus, que eu realmente tava duro! Nesse momento começaram as lamúrias, que ele precisava comer algo, era só um dinheiro pro pastel, que falta me ia fazer um dinheiro pro pastel?
Por mais que minha mente racional o mandasse as favas senti pena daquele infeliz, tirei 2,00 R$ da carteira e dei pra ele, assim ele me deixaria em paz.
"Pô, só isso? Já que você vai pagar o almoço, podia bem pagar um guaraná!"
...
......
.........
A sorte do infeliz é que ele disse esse despautério sem olhar nos meus olhos. Provavelmente imaginava o ódio estampado na minha cara. Agradeci o "presente" e sai.
Dois segundos depois, ainda na ponte, passei por outro vendedor que entregava um frasco verde e circular a um senhor de cabelos grisalhos e dizia: "... custa 20,00 R$, mas faço de graça pro senhor, só pela propaganda com os seus amigos..."

Às vezes a sociedade me irrita.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Poema Fetiche


Essa noit'eu tive um sonho
Comer Deise com azeite
Ah! Azeite...

O que fazer no dia internacional da mulher?



Bem, eu tenho o meu palpite do que deve ser feito nesse dia, mas só falarei ao final do texto, de início gostaria de me curvar diante destes belos e enigmáticos seres.

Os que me conhecem dizem que sou misterioso, mas nada se compara ao mistério e graciosidade que as mulheres carregam. Por mais que mergulhe, procure, sinta, nada consigo ter de concreto.

Outros homens têm a mesma opinião que eu, para falar a verdade, somente quando se torna homem é que se percebe que nada somos diante delas. E por isso, cito agora um dos meus mestres:

“É sempre um grande mistério a alma feminina. Eu tenho uma grande curiosidade com relação à mulher, como ela pensa, como ela age. Eu sou um espectador, um vouyer, um vedor de mulher. Gosto de ver como elas se movem, como elas raciocinam, como elas reagem diante das coisas. É sempre uma surpresa pra mim. Não acaba. Conversa não resolve nada, você fala, fala, fala, mas há coisas que permanecem numa zona de mistério.

Eu me considero um grande desconhecedor da alma feminina. Ao contrário do que se fala, virou um lugar-comum por causa das canções e tal… Mas eu sou um sujeito muito curioso exatamente por desconhecer, por querer saber, querer entender e não entender nunca.” - Chico Buarque


Ciente disso, paro e reflito sobre as mulheres que passaram e que ainda bailam pela minha vida.

A sabedoria transmitida por quem já muito viveu e aprendeu que a vida não foi feita para ser levada tão a serio assim que aprendi com as minhas avós.

O desespero, aflição e carinho que somente uma mãe pode demonstrar ao ver que sua cria está crescendo e cedo ou tarde irá partir.

E a capacidade de dividir o infinito, no amor inocente que uma certa garota me dá sem pedir nada em troca. Estas coisas, somente as mulheres conseguem entender, talvez por que mesmo sendo racional, muito mais racional que a maioria dos homens, as mulheres tem em sua composição bruta – ou melhor, sutil – o sentimento puro e sem explicação, o mesmo material do qual são feitos os sonhos e os deuses.

Por isso, neste dia, o que posso fazer é somente agradecer pela suas existências e pela inspiração que vocês nos transmitem.

Obrigado.

A.A.A.

Crônicas de Arximo - 4

Era o fim da madrugada. O calor do farol flamejante o fazia suar. O que seria aquilo? Seu marco haveria de falhar como nunca antes o tinha? Seria bom ou mau presságio? Tantas perguntas invadiram sua cabeça que não percebeu a estrutura desabando a poucos metros de si.

- Por quê?! – gritou o homem
Não houve resposta.

Afastou-se dos destroços. Já era manhã. 3 meses de sua saída se completavam naquele dia. O dia, nublado, mostrava-lhe sua cabeça ao céu... Embaralhada, obscura e mesclada de dúvidas. Esperou que o fogo se dissipasse. Os animais domésticos que ontem lhe incomodavam pareciam estar quietos hoje. Sentou, meditou... o fogo se dissipara.

Ereto, o homem de nariz arrebitado, pôs-se a vasculhar as ruínas do que outrora foi um farol. Um farol sem utilidade, marcado como uma espécie de obelisco, destruído no chão. Foi uma busca árdua. Até o fim do dia, apenas conseguiu averiguar que a estrutura do farol era de pedra o quê, torna o alastramento do incêndio muito estranho. Movera uma boa parte de entulho mas, sentia que ainda não era o suficiente. Aquele tinha que ser o seu marco.

No fim do dia, saiu em busca de comida e bebida. Encontrou, em um bar abandonado, um engradado de rum. Era mais do que podia desejar. Descobriu que dentre os animais domésticos haviam coelhos e porcos. Resolveu assar uns coelhos para saciar a fome.

1, 2 dias de escavações e buscas nos destroços. Seus suprimentos já eram escassos. Resolveu dormir e, no dia seguinte, faria o que jamais havia feito nos últimos 3 meses. Voltar atrás.

E voltou. Porém, não muito. Foi até a cabana do indígena em que se alimentara no dia em que chegara ao farol.

- Dia. – falou o homem, à janela do nativo.
- Ora, quem vejo. Então, esteve presente na destruição do farol ontem? – respondeu o nativo, calmamente.
- Sim. Você o viu e nada fez, não foi averiguar? – perguntou incrédulo o homem.
- A cada ano, no último dia do solstício de verão, o farol queima. E minha missão é reconstruí-lo, todas as vezes, em prol de meus antepassados. – respondeu superficialmente o indígena. – A propósito, os animais da cidade, eu os crio. Sinta-se à vontade para alimentar-se. – completou.
- O que não sai da minha cabeça é... quem fez isso, quem incendiou o farol? – indaga impaciente o homem.
- Sinceramente, não sei. Não costumam haver muitos visitantes por estas terras. Na verdade, você é o primeiro em 6 anos que vejo por aqui. – informa o anfitrião.
- Hum. – resmunga o homem.

Após ter se alimentado e garantido um estoque de suprimentos para a viagem, o homem se volta aos destroços do farol. Dorme em uma das casas abandonadas. Engraçado, esqueceu-se de perguntar por que a cidade era abandonada... se bem que agora esta dúvida não o atormentava.

Pela manhã, pôs-se a vasculhar as ruínas novamente. Desta vez, o espaço estava mais vazio, não seria necessário muito para descobrir se encontraria o que buscava ou se ficaria frustrado e sem instruções sobre como seguir, desta vez.

O sol, ao brilho de meio-dia, relutou em alguma coisa no meio das ruínas e, um brilho esbranquiçado veio em sua direção. Era ali. Ouviu um sussurro em sua mente:

- Cuidado.

Hesitou, pensou e enfim, prosseguiu. Não havia mais o que fazer mesmo. Viu um pequeno botão, brilhante e imponente com seus 5 cm de diâmetro. Tocou-o.


Continua...
Hint: Nunca é tarde para voltar atrás.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Lealdade


Então, o seu nome é Darleny Cunha, não é?

É isso mesmo doutor.

É senhora Cunha, o seu caso é complicado. Como vou poder dizer para o Juiz que ele ameaçava a sua família se não tenho nenhuma prova? Você devia ter feito pelo menos um boletim de ocorrência para poder confirmar a sua história.

É como eu disse da última vez que você esteve aqui, Promotor...

Não, já te falei algumas vezes, eu sou Defensor Público, o Promotor é o cara que quer te manter aqui.

Pois bem seu Defensor, o Wanderley, o Wandinho, vinha ameaçando eu e o Douglas já tinha muito tempo, ele queria que nois saísse da casa onde a gente tava pra fazer um boca pra vender crack, mais nois não ia sai não! Ai quando ele falou que ia sumir com as crianças eu não vi outra opção senão acabar com aquele sujeito.

Crianças? A senhora tem filhos?

Sim, tenho 3. Mais não sou eu quem cuida não, é a minha mãe que cria, ela tá morando ali perto de Campo Grande, bem no finalzinho de Bangu, conhece?

Não... Mas vou colocar isso no seu processo, bem, o nosso tempo acabou. Assim que conseguir alguma novidade eu venho te informar. Boa Tarde.

Após terminar de falar o Defensor fecha o processo que tinha nas mãos e sai da sala, quase que no mesmo instante entram duas agentes penitenciárias e me levam de volta a cela. Na Penitenciária Feminina Tavarela Bruce, a TB, tudo é cinza. E essa cor me dá pesadelos, pois me lembram como vim parar aqui.

Tive que mentir para o advogado porque se contasse a verdade iria mofar aqui até as crianças terminarem o colégio e não ia poder ver o Douglas jogando.

O Douglas é uma pessoa boa, é o melhor do bairro na pelada. O Bangu já tinha chamado ele pra jogar e disse que ele tinha potencial, com um pouco de treino ele ia estar logo logo jogando no Flamengo e em seis meses estaria na Europa.

Mas o Wandinho não gosto nada disso e falô que ele tinha que ser um dos guerreiros dele senão ia comer grama pela raiz.

Não podia deixar o Wandinho fazer isso! Por isso fui na casa dele quando ele tava dormindo e virei uma panela de água quente bem no ouvido dele! A casa dele era toda chapiscada de cimento, exatamente a mesma cor que é tudo por aqui.

Eu sei que o que fiz vai servir para alguma coisa no futuro quando o Dodô estiver lá
na Europa ganhando milhões.

Agora é só esperar. Ele ainda não veio aqui nesses dois meses porque deve estar treinando, mas eu sei que ele vai vir aqui me visitar e arranjar um jeito pra me tirar daqui.

Eu só tenho agora é que esperar...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Inferno Verde



Como você imagina que é o inferno? Para mim ele é verde, quente e têm muitos, muitos, mosquitos.

Estou em um destacamento aduaneiro do exército as margens do rio Apapóris faz 8 meses e 13 dias. Quando ainda estava na AMAN todos falavam que as áreas de fronteira são os melhores lugares para se servir, pois cada ano conta como um ano e meio na carreira. O que todos se esqueceram de contar é que cada segundo que você passa nesse inferno verde parece um século e tudo o que vive ao seu redor é bruto e hostil.

Pergunto-me porque alguém abriu uma trilha no meio da floresta para chegar no meio do nada e constatar que ainda existe mais floresta e mosquitos num raio de 300km.

Há exatos 10 meses atrás eu estava tendo um dos dias mais importantes que um homem pode ter na vida. Estava casando. Que coisa idiota para se lembrar aqui. Pensando bem, o sentimento que vive em lembranças como essa é o último oásis de sanidade que tenho.

Gostaria de lembrar mais coisas daquele dia, mas a única coisa que lembro com clareza é um pouco mais antiga que a data do casamento.

Foi quando pedi a mão da Roberta em casamento.

Nossa, como estava com vergonha, tentei não parecer muito clichê, mas quando percebi estava com um buque de rosas apertando a campainha da casa dela. A única frase que consegui pronunciar foi “Quer casar comigo?”

Nunca vou esquecer o brilho daqueles olhos verdes. Podia-se ouvir por todo o firmamento as estrelas cochichando, morrendo de inveja daquele brilho. E o que mais me atordoava, era que aquele brilho era para mim.

!?

Espere. Que barulho é esse? Isso foi um tiro? Desde quando mosquitos dão tiros? Definitivamente não são mosquitos. Sempre soube que a ASFARC tinha uma base na região, mas daí para atacar um posto de Exército Brasileiro. Tem alguma coisa errada.

Corro para o galpão improvisado que fizemos para guardar as armas, noto que muitas já não estão aqui, devem estar sendo usadas no combate. Pego o velho FAL M-964 que tem disponível, olho rapidamente para o cartucho e vejo que tenho munição para apenas 12 tiros.

Vou ter que colocar em prática tudo que aprendi e fazer por merecer as medalhas que carrego na farda.

Ao sair do galpão escuto um barulho ensurdecedor a minha direita e vários corpos de colegas pelo chão. Me protejo do fogo cruzado atrás de um blindado, o Cascavel, e tento me concentrar, não posso errar.

Na fumaça a minha frente vejo um vulto, calma, pode ser um colega. Não é, dou dois tiros, acerto o ombro e o peito, mais vultos vem em minha direção. Merda.
Continua atirando até ouvir o som que temia.

Tick, Tick, Tick.

Estou sem balas.

Vejo minhas opções. Faca e uma pistola HK USP. A vida real não é CS, ou um filme holywoodiano, não tenho chances contra armas automáticas.
Continuo tentando mantê-los afastados com a pistola, mas as 13 balas não vão durar muito mais. Neste momento passa ao meu lado um soldado carregando um MK-46, ele pensa que é o Rambo e corre de peito aberto para os invasores.



10 Segundos depois ele está conversando com São Pedro, contando como foi corajoso.
Pelo menos agora tenho uma arma de verdade.

Do lugar onde estou continuo atirando. A fumaça está sumindo, e os invasores também.
Após o combate caminho sobre os escombros do que antes era o alojamento e percebo que os “inimigos” na verdade não passam de crianças imberbes com armas na mão, seus rostos, ou o que sobrou deles, tem dentes podres e seus são olhos vermelhos.

Então estes são os demônios do inferno verde? Crianças sem esperanças que buscaram uma vida melhor pelo caminho errado e agora vão servir de adubo para que este lugar gerar mais seres como eles?



Junto todos os companheiros feridos que encontro e começo a fazer os primeiros-socorros.

Alguns minutos depois encontro o major Moura chegando em um helicóptero acompanhado por mais dois soldados fortemente armados, ele é o responsável pelo posto. Aonde será que este infeliz estava?

Ele me pergunta o que aconteceu e como sobrevivido ao ataque.

Informo o que aconteceu e mostro que ainda existem feridos pelo local e que vamos precisar de médicos, talvez os da base de São Gabriel da Cachoeira.
Ele fala que não é para me preocupar, que tudo já está resolvido.
Como assim?

Ele me pergunta onde estão os feridos e quantos são. Digo o número de sobreviventes que encontrei e caminho em direção ao local onde estão os feridos.

Escuto dois tiros.

Não me lembro de estar com sono. Porque a minha vista está ficando turva?

Mais um tiro.

Caio de joelhos.

As últimas palavras que escuto são ordens dele para os soldados que o acompanhavam ligarem para o Fuentes e dizer que a missão foi um sucesso.

NÃO! Eu não quero terminar assim! Se conseguisse pronunciar alguma coisa mandaria o infeliz do major para um lugar pior do que aqui, mas não quero terminar esta vida pensando em vingança, quero me lembrar de um lugar além dessa dor, um lugar tranqüilo, aonde o verde dos olhos da Roberta irão me fazer esquecer o verde deste lugar.



Eu posso vê-la, por entre lençóis brancos...

terça-feira, 2 de março de 2010

A arte de comunicar


Já parou para pensar se tudo o que você diz ou escreve é compreendido?

Na maioria das vezes simplesmente começamos a falar ou argumentar e nem ao menos nos preocupamos se nossos receptores estão entendendo a nossa mensagem.


Sim caro leitor, porque comunicação consiste na transmissão da mensagem do emissor ao receptor e na compreensão da mesma (isto é, quando ocorre o feedback).


Na era da informação somos constantemente bombardeados com mensagens de todos os tipos, e envoltas por todos os tipos de ruídos que prejudicam o nosso entendimento acerca do assunto abordado.

Para efeito de curiosidade, os tais ruídos são mais conhecidos como GAP's, e suas causas mais comuns são: ambiente adverso, momento impróprio, linguagem inadequada, exposição descuidada ou exagerada, incoerência na mensagem, conotação preconceituosa e choque de personalidades/culturas diferenciadas.


Pode parecer simples, mas não é.

Por diversas vezes nos comunicamos e nem sequer reparamos nas reações daqueles que nos ouvem.

Para se ter uma idéia, quando nos comunicamos verbalmente, 7% correspondem às palavras, 38% ao tom de voz e 55% à postura corporal.

Sim, nosso corpo fala E MUITO por nós!

Aliás na minha opinião, o corpo é a melhor forma de identificarmos tudo aquilo que queremos saber a respeito daqueles que nos ouvem.


Fica então a dica, da próxima vez que for se comunicar, procure ter o mesmo grau de compreensão daqueles que recebem a sua mensagem, afinal de contas nem todo mundo é igual, e cada um tem o seu tempo e sua maneira de refletir acerca de algum assunto.



Caminhando....


Caminho através da multidão. Não sou capaz de precisar que horas são ou a quanto tempo estou caminhando. A chuva fina que cai desde o amanhecer com pequenas oscilações faz com que o belo dia de verão se metamorfoseie em uma longa e triste tarde de inverno. Sinto as gotículas de água em meu rosto e lembro-me das lágrimas de Cibele ao ver sua filha Perséfone retornando com Hades para o submundo. E isto é sinal que a estação quente e frutífera realmente se aproxima de seu fim.

Estranhamente estou triste. Não costumo apresentar esse tipo de emoção. Sou indiferente a maioria das coisas, e não tenho ideia do que exatamente me entristece. Talvez seja o conjunto da obra, e não um mero detalhe.

Paro, mediante uma banca de jornais. Dou uma rápida olhada nas manchetes regionais. As quais parecem se preocupar exclusivamente com aberrações sensacionalistas. "Pastor garante ter ressuscitado bebê com música gospel que compôs", "Reencarnação é comprovada através de imagem de ultrassom de alma de avô reencarnando em bebê", "Jardineiro descobre que é corno e mata mulher a tesouradas". Por incrível que pareça um jornal ainda se salva deste funesto prognóstico. Uma das manchetes é: "Direitos humanos, somente para humanos direitos?". Esse tipo de leitura que a sociedade precisa. Mesmo que parte dela, provavelmente, não entenda.

Relanceio o olhar para a calçada. As pessoas passam, em seus rostos não a nada. Não são alegres, nem são tristes. Não são nada, apenas estão. Estão vivendo. Ou sobrevivendo. Volto a atenção para a banca.

Uma notícia de rodapé, de outro jornal, me chama a atenção. "Pintor afirma ter visto jovem cometendo suicídio pulando no rio". Pego o jornal e passo os olhos por sobre a notícia. Não encontraram um corpo, sequer há outras testemunhas além do pintor, o qual estava distante demais para ajudar.

Então, havia um pintor. Saí para que não houvessem testemunhas, para que aquele homem ficasse entregue ao seu destino, e apenas a ele. Entregue as decisões irrevogáveis das Parcas implacáveis. E que o mundo ficasse entregue as dúvidas.

Bem, ele pulou afinal. Entretanto, não há como saber qual destino realmente teve. Pode ter se arrependido e buscado escapar com vida. Assim como já pode ter atravessado o Aqueronte na jornada para o submundo.

Continuo minha caminhada vendo que perdi uma oportunidade única. Deveria ter lhe perguntado o que ele esperava do inferno. A ideia de alguém que está prestes a retirar a própria vida sobre o que espera que aconteça, deve ser algo único. Muito diferente do que qualquer outro que eu pergunte agora, aqui. Qualquer um que eu pare terá uma resposta pronta. "O inferno é quente moço.", "É o lugar onde mora o capeta!" entre outras coisas. Se a pessoa pensasse um pouco, e fosse sincera, responderia com algo que teme, afinal, se é pra imaginar o pior castigo possível, será algo que teme-se que aconteça.

Viro a esquina, um forte vento ameaça transmutar a leve garoa em uma tempestade. Olho para o céu enquanto as pequenas gotas passam rápido diante da minha vista.

Para mim o inferno é um lugar frio e silencioso, onde não há nada nem ninguém para se observar, a não ser suas próprias decepções e arrependimentos.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Dimidium


É este o dia que eu tanto esperei! Há anos minhas telas aguardam por esta oportunidade. Desde a chegada das grandes companhias mercantis este cais nunca mais foi o mesmo. Carros e pessoas tumultuam a paisagem, proibindo que os demais apreciem a belíssima paisagem por detrás da amurada. Sunna não se permite observar em sua trajetória vigilante sobre nós. Somente momentos antes de se deitar me permite um breve vislumbre de sua silhueta, como aquela vizinha gostosa que tira as roupas por detrás da cortina. Talvez seja influência de Njörd... FOCO RAPAZ! Esse momento não durará para sempre, e é preciso que você o memorize se quiser pintar direito! Não sei quando terei outra oportunidade igual a essa...
Realmente... muitas pessoas atrapalha a paisagem, mas estas poucas aqui presentes a deixam ainda mais bela.
Armo o cavalete, disponho as tintas e os pincéis... dei sorte mesmo! Mas o que vejo me deixa ao mesmo tempo animado e nervoso. Estes dois jovens parados na amurada... como são belos. Devem estar em seus trinta anos, portanto, são jovens para mim. Serei o responsável por eternizar sua beleza e juventude em minha obra. Quanta honra e quanta responsabilidade. Não sei se sou merecedor de tanto, se tampouco se sou capaz, mas... não posso esperar mais. Devo começar. Mas que saudades de minha juventude! Já estive no lugar destes rapazes, olhando o horizonte apoiado na amurada. Foi ali que conheci minha esposa. Como éramos diferentes de hoje, ela... ANTENÇÃO HOMEM!! A vizinha já apagou a luz e prepara para se deitar. Preciso ser ligeiro.
Rapidamente dou os primeiros traços a lápis, traço limites, sombras e contrastes. É exatamente como eu sonhara. Daqui posso ver os rostos dos belos rapazes, e assim como as curvas da paisagem, consigo retratá-los com exatidão. Enquanto desenho, um deles me chama a atenção, por seu olhar triste e vacilante. Acho que compreendo o que sente. Já tive essa idade, já me senti assim. Imagino como ele ficaria surpreso se contasse a ele que até mesmo já pensei em pular, do mesmo ponto onde ele se encontra agora.
O segundo rapaz vai embora, junto com Sunna que se despede lançando seus últimos encantos no horizonte. Não importa. Eu já consegui o que queria. O poste sobre mim garantirá o término da tela, onde já está gravado o rosto daquele rapaz. Será que um dia ele se reconhecerá neste quadro? Será que ficará feliz ao ver eu trabalho? Não acho que terei essa resposta.
Deixo de lado o lápis e torno vivos os pincéis, que pintam sozinhos... me sinto mero instrumento das cores. Ah! Queria que fosse sempre assim. O garoto triste também muda de posição. Que seja. Ele estava bem melhor antes, e é assim que foi eternizado. Sinto os pincéis pararem mas... ainda não terminei o quadro... será que a mágica acabou? Droga! Olho novamente para o rapaz, a fim de tentar retomar minha inpispiração... PUTAQUEOPARIU, OFILADAPUTA VAI PULÁMERMO!! -"Alguém ajuda!! Socorro!!"
Corro desesperadamente para a beira do cais, mas já é tarde. Nótt abriu suas asas, e a escuridão já toma conta. Um pequeno aglomerado de pessoas se forma à minha volta. Todos dizem não ter visto nada. É como se ele jamais tivesse existido. Observo o leito do rio, à procura de algum sinal, mas não há nada. Nenhum bilhete ou nota. Nem mesmo o rio parece ter notado sua presença. De tão calmo as águas parecem estáticas.
Volto para os pincéis. Eles não me respondem mais. Acho que era para ser assim. O quadro ficará inacabado, pela metade, como a vida deste que acaba de partir.

Crônicas de Arximo - 3

O homem corta um pequeno trecho de floresta. Já desceu a montanha. Se é que um dia ela de fato, existiu. Logo ao fim da floresta, uma cabana.
- Dia, companheiro. O que o traz a tão longínquas e solitárias terras? – pergunta o nativo, com jeito de descendente indígena.
- Apenas aprecio uma caminhada. O senhor poderia me oferecer algo para comer? – dispara sem relutância o homem.
- Sim, companheiro. Queira me acompanhar.
E entram na cabana, os dois homens, conversam sobre nada e comem o necessário para as próximas horas.
- Agradeço a hospitalidade. – diz o homem.
- Sinta-se à vontade para voltar – retruca o indígena.
Mas ele nunca volta. Não olha para trás. Apenas prossegue rumo ao farol.

Andando, saca sua flauta de bambu do bolso. Cinco canos, portátil e corta o silêncio como navalha. O homem, com semblante firme, toca sua flauta, pára, ouve o vento na copa das árvores. Sente o nada ficando, como um retardatário. Será que chegaria à uma resposta. Quase 3 meses. Não estava cansado. Por verdade, queria mais, através do nada, via-se ao fundo, o tudo. Sentia o sangue fluir ao longo de seus quase 1,80m de altura.
Em um riacho próximo, se lavou, trocou suas roupas e tirou um cochilo.

Era tarde quando chegou à cidade abandonada. Sentia enfim, o nada novamente. Acostou-se e soltou um grito:
- Alô! – e sentiu o eco ressoar pelos cantos.
Prosseguiu então, em frente. Cruzou 1... 2 km de ruas e alamedas de terra. Barracos de madeira vazios, sons de animais domésticos que não pareciam à vontade com sua presença. Chegara ao pé do farol.

Sentiu um calafrio. Um arrepio percorreu seu corpo. Era momento para uma boa noite de sono. Sabia que talvez... ou não. Sentia algo fugindo de si. Não se importou, era a sensação que mais lhe visitava. Abriu o saco de dormir e fez uso de sua primordial função. Dormiu.
Sonhos, pesadelos se intercalaram. Via uma batalha, gladiadores. Uma armadura vazia e um espadachim metido duelavam por uma rosa branca. Em seguida, viu um campo. Novo duelo, desta vez, duas mulheres, há tempos não via mulheres, mesmo em sonhos. Este duelo representava a vitória uma rosa vermelha. Sua visão mudou novamente. Viu uma cidade, uma família, brasões. Duas famílias. Duas dinastias. Acordou em meio ao fogo. O farol se dissipava em chamas.


Continua...

Hint: referência histórica, as rosas já duelaram, guerrearam.