terça-feira, 2 de março de 2010

Caminhando....


Caminho através da multidão. Não sou capaz de precisar que horas são ou a quanto tempo estou caminhando. A chuva fina que cai desde o amanhecer com pequenas oscilações faz com que o belo dia de verão se metamorfoseie em uma longa e triste tarde de inverno. Sinto as gotículas de água em meu rosto e lembro-me das lágrimas de Cibele ao ver sua filha Perséfone retornando com Hades para o submundo. E isto é sinal que a estação quente e frutífera realmente se aproxima de seu fim.

Estranhamente estou triste. Não costumo apresentar esse tipo de emoção. Sou indiferente a maioria das coisas, e não tenho ideia do que exatamente me entristece. Talvez seja o conjunto da obra, e não um mero detalhe.

Paro, mediante uma banca de jornais. Dou uma rápida olhada nas manchetes regionais. As quais parecem se preocupar exclusivamente com aberrações sensacionalistas. "Pastor garante ter ressuscitado bebê com música gospel que compôs", "Reencarnação é comprovada através de imagem de ultrassom de alma de avô reencarnando em bebê", "Jardineiro descobre que é corno e mata mulher a tesouradas". Por incrível que pareça um jornal ainda se salva deste funesto prognóstico. Uma das manchetes é: "Direitos humanos, somente para humanos direitos?". Esse tipo de leitura que a sociedade precisa. Mesmo que parte dela, provavelmente, não entenda.

Relanceio o olhar para a calçada. As pessoas passam, em seus rostos não a nada. Não são alegres, nem são tristes. Não são nada, apenas estão. Estão vivendo. Ou sobrevivendo. Volto a atenção para a banca.

Uma notícia de rodapé, de outro jornal, me chama a atenção. "Pintor afirma ter visto jovem cometendo suicídio pulando no rio". Pego o jornal e passo os olhos por sobre a notícia. Não encontraram um corpo, sequer há outras testemunhas além do pintor, o qual estava distante demais para ajudar.

Então, havia um pintor. Saí para que não houvessem testemunhas, para que aquele homem ficasse entregue ao seu destino, e apenas a ele. Entregue as decisões irrevogáveis das Parcas implacáveis. E que o mundo ficasse entregue as dúvidas.

Bem, ele pulou afinal. Entretanto, não há como saber qual destino realmente teve. Pode ter se arrependido e buscado escapar com vida. Assim como já pode ter atravessado o Aqueronte na jornada para o submundo.

Continuo minha caminhada vendo que perdi uma oportunidade única. Deveria ter lhe perguntado o que ele esperava do inferno. A ideia de alguém que está prestes a retirar a própria vida sobre o que espera que aconteça, deve ser algo único. Muito diferente do que qualquer outro que eu pergunte agora, aqui. Qualquer um que eu pare terá uma resposta pronta. "O inferno é quente moço.", "É o lugar onde mora o capeta!" entre outras coisas. Se a pessoa pensasse um pouco, e fosse sincera, responderia com algo que teme, afinal, se é pra imaginar o pior castigo possível, será algo que teme-se que aconteça.

Viro a esquina, um forte vento ameaça transmutar a leve garoa em uma tempestade. Olho para o céu enquanto as pequenas gotas passam rápido diante da minha vista.

Para mim o inferno é um lugar frio e silencioso, onde não há nada nem ninguém para se observar, a não ser suas próprias decepções e arrependimentos.

4 comentários:

Ludmilla disse...

http://1.bp.blogspot.com/_S4cFR5FTQ4w/S4-4wsoZH1I/AAAAAAAAAJo/DzwTOx4yQXU/s400/keep_walking_black-751972.jpg

Tarso "Carioca" Santana disse...

O inferno é uma coisa muito pessoal.
hehehe

Para variar, ótimo texto Pika!

Stéfs disse...

Eu acho que viver aqui já é um inferno...
E talvez esse inferno que todo mundo teme,nada mais é do que as profundezas do inconsciente.

E para mim, conhecer a si mesmo, é um inferno!

Excelente Pika!!

-E vamos conversar mais pessoalmente,pq por msn fica difícil!-

Wolv disse...

Vei... adorei sua definição e inferno!