domingo, 28 de março de 2010

Confissão


É uma noite chuvosa de verão, a tempestade da um tom amarronzado as nuvens noturnas ocasionalmente iluminas por trovões, mas dentro da casa nada disso parece estar acontecendo do lado de fora devido às paredes e vidros reforçados.

Leonardo ainda ofegante retira o seu colarinho romano e manda a pequena Lilian colocar as suas roupas. Normalmente todos o chamam de Padre Léo, mas quando está muito agitado ele costuma requisitar os serviços de uma certa agencia especializada em suprir as necessidades clericais com a máxima eficiência e sigilo.

Lilian não tem mais que 9 anos, mas a muito já não pode ser mais considerada criança. Seus cabelos castanhos cacheados emolduram um rosto de beleza angelical, mas seus olhos negros como a mais profunda noite não tem mais brilho por causa do serviço ao qual é submetida a fazer.

“Como sempre, você se comportou maravilhosamente bem, está de parabéns Lili. Gorgo já deve estar esperando lá fora para levá-la de volta para a agencia.”

Ela apenas assente com a cabeça e vai em direção a porta.

“Espere! Não está se esquecendo de nada?”

“Desculpe... A benção padre.”

“Que o Senhor te abençoe minha pequena.”

Gorgo está aguardando dentro do carro como sempre fazia. O cheiro de cigarro barato empesteia o veículo, tornando a viagem ainda mais angustiante.

O padre retira o resto de sua roupa e se dirige ao banheiro de roupão, quando escuta a campainha tocar. Não faz mais que alguns minutos que Gorgo saiu daqui - pensou o padre – o endereço desta casa é conhecido por poucas pessoas, e a elas sabem que hoje é o meu dia de usar o lugar. Quem será que veio fazer um visita a essa hora da noite?

A campainha continuava incessante. Ao olhar pelo olho-mágico da porta Leonardo vê um homem jovem, com um agasalho de moleton preto e calça jeans completamente ensopado pela chuva.

“Quem é?”

Uma voz rouca e levemente acelerada respondeu.

“É urgente padre! Abra logo, não tenho muito tempo!”

Um tanto perplexo pela resposta o padre abre a porta.

O homem entra sem cerimônia pela sala, deixando um rastro de lama pelo luxuoso tapete que adorna o local.

“Sou Izrail, e preciso me confessar.”

“Você não poderia esperar até amanha para a sua confissão?”.

Parecendo não ter escutado, o estranho continuou.

“Padre, eu pequei. Há poucos minutos eu matei duas pessoas, ou melhor, uma. Pois a outra o senhor já havia matado há alguns anos.”

Izrail retira do bolso uma pequena bola e joga em direção ao Padre.

“Você sabe de quem é, não é?”

Por reflexo Leonardo pega a bola e descobre que aquilo na verdade é um globo ocular, e ainda em choque reconhece que a dona do mesmo havia saido a instantes de sua casa.

“O que você fez com a minha pequena Lilian!?”

“Apenas dei para ela o seu merecido descanso. E aquele senhor que a acompanhava, deve estar tentando barganhar com o Capeta a essa hora.”

“O que você vai fazer comigo? Eu nunca fiz nada contra você... eu nem te conheço! Se você for embora agora eu juro que finjo que não sei o que aconteceu caso a polícia apareça aqui... pessoas morrem todos os dias, nem vão ligar para ele. Eles não eram importantes mesmo. Não passavam de uma prostituta e um delinqüente.”

O estranho assassino olha longamente nos olhos do padre e este sentiu um frio na espinha e uma súbita tremedeira começou a atacá-lo.

“Fingir... você sabe muito bem fazer isso, fingi ser santo quando na verdade é um demônio... mas não se preocupe, você não irá morrer. Pelo menos não agora. Nós temos uma noite inteira para brincar.”
...

Na manha seguinte os noticiários informavam que a famosa romaria da Santa Cabeça em Cachoeira Paulista, foi cancelada devido a profanação do Santuário da Santa Cabeça. O local foi transformado em uma pequena porção do inferno. Foi encontrada em cima do altar a cabeça do carismático Padre Leonardo Silveira de Melo, conhecido como “Padre Léo” com um globo ocular, de uma pessoa ainda não identificada, dentro da boca, além de fotos que mostram o possível envolvimento do padre com atos de pedofilia por todo o santuário.
...
No terminal rodoviário de Cachoeira Paulista, ainda deserto, Izrail saia do banheiro com roupas limpas e na mão uma mochila.

Tenho que sair logo dessa cidade, mas qual será o próximo destino? Vou deixar a sorte me guiar, vou comprar uma passagem para o próximo ônibus que estiver saindo.

Após uma rápida olhada pelos guichês ele vai até o terminal da viação Cometa e fala:
“Uma passagem para o Rio de Janeiro, por favor.”

5 comentários:

André M. Oliveira disse...

Caraca ein!
Senhor Tarso mostrando que também entende de maldade!
Parabéns, ótimo texto.

Stéfs disse...

E não é que ele tem um lado mau?!

Tinha que ir pro Rio de Janeiro!
Qual será a próxima vítima?!

Excelente texto!
Beijos!

Unknown disse...

você quis dizer“Uma passagem para o ABC paulista, por favor.”

Google sobre "plantações de kiwi"

Wolv disse...

ié ié
Brutal, vei!!

Unknown disse...

você quis dizer“Uma passagem para o ABC paulista, por favor.”

Google sobre "plantações de kiwi" [2]

Meu comentário: o.O