segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Não torço porque... parte 1




Recentemente me mudei de cidade pra fazer faculdade, e acabei conhecendo um monte de gente nova. Como sempre acontece, as pessoas que não se conhecem fazem perguntas umas às outras, buscando determinadas afinidades. Estando no Brasil, uma das perguntas mais comuns de se ouvir é "Pra que time você torce?". Há muitos anos eu não torço pra time algum, e me vi respondendo, ante olhares surpresos e preconceituosos: "Eu não torço." As pessoas acham estranho, mas eu tenho boas razões pra não torcer pra time algum:

1 - Eu sou medroso: 
Um vez, quando mais novo, estava andando de bicicleta pelas ruas de Resende, ostentando uma belíssima camiseta da TJB (Torcida Jovem Botafoguense... é eu torcia pelo Botafogo) quando parei num semáforo vermelho. Próximo ao semáforo havia um bar-reduto de flamenguistas, cheio de torcedores a assistir uma partida. Quando me viram, logo correram em minha direção e me cercaram. Eu não tive escolha a não ser esperar ser abordado, já que o tráfico de veículos automotores impedia uma fuga deses perada. Um dos meliantes rubro-negros chegou mais perto de mim e disse: "Tira essa camiseta que a gente vai pôr fogo nela!" Eu  fiquei estarrecido. Mal tinha 11 anos naquela época, e estava sendo brutalmente assediado e obrigado a me livrar da camiseta que eu tanto adorava. Tentei argumentar, mas logo senti os primeiros contatos físicos de punhos junto à minha nuca. Caí da bicicleta e, surpreendentemente uma mão veio à minha ajuda: era um antigo colega de escola que me disse: "Cara, pega a camiseta, enfia na cueca e se manda, que eu seguro o pessoal aqui." Foi o que eu fiz. Depois disso nunca mais usei minha tão adorada camiseta: tinha medo de que não pudesse ser salvo numa outra ocasião. Continuei dizendo ser botagfoguense a quem perguntasse, mas não ostentava mais o escudo do meu amado time, por medo.
Anos depois estava eu, já com 18 anos, em São Paulo, prestando vestibular pela primeira vez. Eu usava um cabelo azul-cor-de-orelhão-da-telemar. Com o tempo a tinta azul ia saindo e o cabelo ficando verde. Era final de 2003 e, se não me engano, o Palmeiras estava sendo rebaixado para a segunda divisão, enquanto o Corinthians comemorava alguma coisa. Estava voltando da prova da FUVEST com duas amigas quando nos deparamos com uma Av. Paulista fechada por torcedores do Corinthians, na altura do Pq. Trianon. De repente ouço: "Ei palmerense viado!","Se fodeu porco filho de uma puta". Fiquei pensando quem seria o louco do palmeirense a sair de casa num dia daqueles com a camiseta. Fiquei olhando para os lados, procurando esse ser idiota, quando ouço: "Vâmo pegá a bicha palmeirense do cabelo verde!". A pressão baixou e a visão enturveceu, num dos maiores momentos FODEU da minha vida. Uma das minhas amigas puxou minha mão e correu em direção à estação de metrô do Trianon. Mal negócio. Era domingo e a estação tava fechada com correntes e tudo mais. Quando olhamos para trás estávamos presos entre uma estação fechada e uma manada de corinthianos, separados apenas por uma leve estrutura de acrílico. Minhas calças começavam a se umedecer, quando, antes do pior, um senhor baixinho (pouco mais de 1,5m) com camiseta listrada de preto e branco entrou correndo, abraçou a gente e só largou depois que não tinha mais nenhum corinthiano à vista. Depois desse episódio eu fiquei paranóico, e pensava duas vezes antes de vestir qualquer tipo de roupa ou usar qualquer tipo de acessório que pudesse remeter a qualquer agremiação futebolística, e parei definitivamente de pintar o cabelo de azul.


eu gostava :(

sábado, 19 de novembro de 2011

Noites Estranhas



As bolhas saem do fundo e vão em direção à superfície. 

É sempre esse o movimento.

Cada bolha é breve. 

Quando chegar ao seu almejado destino ela vai deixar de existir.

Gosto de observá-las.

O líquido amarelo é o cenário ideal para o seu breve movimento.

Cada gole que dou na bebida faz parecer diminuir a quantidade de bolhas. Em contrapartida as que sobram recebem novos significados.

Tornam-se memórias do que vivi até agora. Saem do fundo da minha alma e desaparecem nessa mesa de bar.

Amor. Porque eu ainda acreditava nessas baboseiras hollywoodianas?

Tentei a sorte em São Paulo achando que iria me casar com a Roberta e viveríamos felizes para sempre. O que aconteceu em parte. Pois nos casamos e conseguimos adicionar mais uma definição para inferno no dicionário.

Peço mais uma garrafa.

O garçom não ouve o meu pedido. O bar está mais cheio que o de costume. Conversas casuais infestam as mesas. O riso dos mais exaltados dói em meus ouvidos. Porque será que em todo bar tem sempre uma pessoa capaz de irritar todas as que estão ao redor? Será que em sua busca desesperada por atenção, o pobre cidadão tem que despertar, mesmo que seja o ódio, no próximo, para afirmar sua infeliz existência?

Pensei em sair do bar, mas o surgimento de um personagem novo me fez ficar.

Ele aparenta ter uns cinquenta e cinco anos, cabelo grisalho, usa um blazer preto por cima de uma camiseta cinza. Lembrando o Clint Eastwood quando mais novo, mas sem o chapéu de cowboy e a cigarrilha na boca.

Acena de forma discreta para algumas pessoas e recebe acenos igualmente discretos e posso dizer até que um tanto quanto assustados, como se conhecessem o homem, mas não soubessem como nem de onde.

Ele senta ao meu lado no balcão do bar e olha para mim.

- A próxima é por minha conta. Ambos tivemos um dia duro. – Ele não poderia estar mais certo.

O garçom que ainda não havia atendido o meu pedido chega com dois copos e uma cerveja.

- Essa é por conta do amigo... -  Coloco a mão nas costas do novo companheiro de copo na expectativa que ele dissesse seu nome.

- Vicente – Ele responde com naturalidade – e você é?

- Pablo.

- Conheci um Pablo certa vez. Vendedor de marionetes espanhol. ”Nunca confie em um espanhol”, devia ter acreditado nisso na primeira vez que ouvi, mas tenho um péssimo hábito de dar chances a todos que me procuram. Você parece boa gente e certamente não é espanhol, pelo sotaque. Rio de Janeiro? Acertei?

- Quase. Itatiaia. A primeira cidade do Rio, vindo de São Paulo.

- O que te fez vir para as minhas bandas?

- Trabalho. – Estava mentindo e acho que ele percebeu.

- Compreendo... Quase todo mundo que chega aqui é pra trabalho mesmo... – Somente agora, no meio dessa frase vacilante, pude notar que os olhos desse senhor eram profundamente negros, do tipo que parece que vai devorar a sua alma a qualquer instante.

Confesso que fiquei um pouco assustado, talvez as garrafas que haviam sido esvaziadas antes de sua chegada colaborassem com isso, e desviei o meu olhar para o copo que antes havia prendido tanto a minha atenção.

Após esse breve incidente a conversa fluiu com a mesma facilidade com que muitos outros copos foram tomados.

Em certa altura da conversa ele me perguntou algo estranho, mas o rumo que o papo seguia ia por um caminho tão insólito que a pergunta mais absurda pareceria absolutamente normal.

- Você prefere motoristas de ônibus ou taxistas?

- Como? – Foi minha resposta instintiva.

- É, pra conversar, trocar uma ideia, qualquer coisa que você queria falar com eles... Motoristas de ônibus ou taxistas?

- Taxistas. – Disse com uma admirável certeza.

- Por quê? – Perguntou isso como se inquirisse uma pergunta filosófica.

- Sei lá. Porque da mais tempo para conversar com eles. No caminho que fazemos estamos sempre sozinhos e parece até uma regra de etiqueta conversar com ele enquanto ele está nos levando.

- Hum... – Disse pressionando os lábios – Eu já prefiro os motoristas de ônibus.

- Por quê? – Agora era eu que estava com a posse do olhar filosófico.

- Eles parecem conhecer mais a cidade. Por mais que os taxistas façam mais caminhos, eles, os motoristas de ônibus, fazem um mesmo caminho dezenas de vezes durante o dia, o que lhe dá uma intimidade sem igual sobre a cidade. Além disso, eles têm um contato muito maior com pessoas e em situações muitas vezes desconfortáveis. Tudo isso colabora para que ele seja uma pessoa mais interessante.

Noto que quando ele fala sobre essa intimidade com a cidade seus olhos brilham. Acho curioso.

- Você mora em São Paulo há muito tempo? - Ele ri como se a minha pergunta fosse tola.

- Desde antes do Pinheiros ser retificado, quando ele tinha mais curvas que qualquer outra coisa que você possa imaginar e o Centro ser um grande matagal.

Balanço a cabeça, fingindo entender sobre o que ele falava.

- Antigamente a Rua da Quitanda realmente tinha quitandas e o Largo do Café cheirava a café torrado. Bons tempos, mas hoje em dia é muito mais divertido.

- Concordo. – Quem não concordaria?

- Fico imaginando daqui a mais cem ou duzentos anos, vai ser fantástico!

A conversa estava interessante, mas não via muito sentido no que ele continuava a falar com a sua peculiar empolgação.

- Bom... Acho que vou nessa... Estou cansado e ainda tenho muito o que andar até chegar em casa. São quase cinco da manhã, os metrôs já devem estar funcionando.

- É, já está tarde. Vou tomar meu rumo também.

- Quanto te devo? – Fala isso enquanto tiro a carteira do bolso.

- Que nada. Essa noite fica por minha conta, afinal de contas já estou te devendo uma.

Não entendo bem o motivo dessa “bondade” mas aceito sem mais perguntas. Ele conversa com o garçom e saímos do bar tranquilamente, já que éramos os últimos clientes, tirando aquele infeliz risonho que agora se encontrava dormindo em uma mesa de canto.

A garoa faz despencar a sensação térmica. Esfrego as mãos e as coloco no bolso, na tentativa de diminuir o frio.

Vicente parece não se importar. Talvez seja por causa do blazer.

- Boa noite, ou melhor bom dia já, se cuida. – Após falar isso ele caminha no sentindo oposto ao meu.

- Boa dia...

Caminho em direção a Estação Vila Madalena, tentando remontar todos os fragmentos da conversa que tive durante a noite.

Uma estranha sensação me toma, como se eu conhecesse aquele sujeito a muito mais tempo do que uma noite.  Tento ignorar esse sentimento, atribuindo isso ao álcool.

Essa foi uma noite estranha.

sábado, 12 de novembro de 2011

Matemática



- É fácil, você que fica complicando.

- Não é nada. Fico desesperado toda vez que olho para essa folha.

- Vou dizer de novo então. Usa a regra do tombo, depois multiplica, corta aqui e aqui, ai é só fazer L’hôpital. Simples.

Ele não prestou atenção em nenhuma palavra do que ela havia dito. O movimento hipnótico dos seus lábios não deixava que o pobre rapaz conseguisse entender um único som que ela fizesse.

- Mas pode dar esse número esquisito? O resultado não tinha que ser só dos naturais nesse tipo de problema? - A incerteza era clara.

- Não, não. Pode ser assim mesmo. - Já a certeza dela era quase tangível.

- Será que tem sub dessa matéria? - Falou com pouca esperança.

- Tem sim, mas o professor disse que vai ser a “Sub do Mal”. E não é hora de pensar nisso, você ainda pode aprender a matéria até a prova, que é só semana que vem.

Ele não estava realmente preocupado, só tinha marcado de estudar naquela tarde porque queria passar mais tempo com ela. O resultado do teste que aconteceria na semana seguinte já era sabido por ele e por todos os outros alunos da sala. Todos iriam mal. Com exceção, é claro, das pessoas como Tatiana, que adoravam cálculo.

Quando Francisco, o Chico, entrou para cursar economia, pensava que iria fazer complexas análises da situação econômica do país, entender como o pensamento econômico moldou a história da humanidade e conseguir, com um pouco de sorte, prever o que aconteceria nos próximos anos.

E de certa forma ele acertou. Seu pensamento ficou muito mais refinado nas questões que tocavam a economia, mas existia algo que iria ser um grande problema no caminho para o diploma. E não estou falando dos lábios hipinóticos daquela loirinha com quem estava estudando. É da velha matemática que estamos tratando aqui colegas.

Mas se estamos tentando ser verdadeiros, temos que admitir que o tempo que deveria ser gasto para tentar entender a arte dos números que vinha sendo lecionada por um russo que dava aulas em espanhol para um grupo de jovens adultos que nada entendiam daquilo, vinha sendo gasto de forma no mínimo “mal administrada” com aquela garota que mencionamos anteriormente.

Qualquer oportunidade de ficar perto dela era uma boa ideia, mesmo que fosse para estudar cálculo. O caso deles era óbvio para toda faculdade. O pessoal do Taekwondo já havia sacaniado o Chico com a demora para tomar alguma atitude, eles brincavam com isso em todos os treinos e ele sempre dava repostas evasivas como “Somos só amigos!” ou “A Tati? Ah! Nós só estávamos estudando de novo”. A pior de todas as desculpas somente os amigos mais próximos ouviam “Ela acabou de terminar com o Pedrão, não tem como termos nada”.

Quem olhasse os dois pelos corredores diria que formariam um belo casal, mas o fato dela ter acabo de terminar o namoro com o Pedro era um problema. Chico não falava mais com Pedro como falava no primeiro ano de faculdade, mas os dois ainda eram amigos , certo?

Certo.

Ele afirmava isso para si mesmo constantemente, mas a vontade de ficar com ela, no sentido clássico e moderno da palavra, ia aumentando. Por isso as tardes, como a que está acontecendo agora, vinham se tornando cada vez mais frequentes.

- Você tem estudado tanto. Aposto que você vai bem no teste. Conseguiu pegar aquele livro do Stwart que tinha comentado?

- Consegui sim, foi o último da biblioteca. - Pode parecer pouco, mas conseguir o livro de cálculo mais cobiçado pelos secundanistas na semana anterior a uma prova é uma vitória digna de nota.

- Que bom! Agora é só fazer aqueles exercícios lá da página 114 que vai ser o suficiente.

Eles sorriram e se olharam e ficaram com vergonha, por rir e se olhar.

Era a hora certa. A hora que o Chico estava esperando há muito tempo. É engraçado como a emoção sabota a razão, nos fazendo criar situações nas quais possamos dar vazão ao sentimento, mesmo que isso vá contra todos os estratagemas racionalistas e as possíveis, quando não terríveis, consequências dos nossos atos.

Mas não vamos criar maquinações trágicas quando elas não são necessárias.

Chico juntou coragem e falou com um ímpeto que fez a frase parecer mais importante do que normalmente seria.

- Já que a matéria acabou, que tal irmos ao cinema ou coisa parecida? - O “coisa parecida” soou de uma forma que faria a alegria do pessoal do Taekwondo.

- Nossa, pensei que nunca ia largar esses livros. Topo sim, mas já vi todos os filmes que estão em cartaz, o que seria o “coisa parecida”?

- Isso você deixa comigo.

Terminou a última frase com um sorriso maroto, daqueles que não dizem nada, mas respondem todas as perguntas.

Talvez para esse problema, Chico tivesse um resultado possível e natural.

Conto para se ler antes de dormir...


Está muito tarde, já é quase meia-noite. Definitivamente não é a hora em que eu deveria estar voltando para casa. A Rebeca vai me matar!

Com esses pensamentos Alberto descia do ônibus próximo a sua casa na região do ABC paulista. Ele apreciava morar em São Bernardo, mas às vezes vinha a mente a ideia de arranjar um apartamento qualquer em São Paulo. Conseguiria chegar em casa bem mais rápido.

Entretanto essa ideia era rechaçada pela bela imagem de Rebeca. Eles já estavam juntos há três anos, desde o começo da faculdade dele, quando ela foi acompanhar uma amiga que estava organizando as atividades do trote de Publicidade e Propaganda da USP, curso para o qual ele havia passado. Ele não gostava de acreditar em coincidências, mas quais as chances de uma estudante da UFABC de Santo André ir ao trote da USP? Claro que as coincidências pararam por aí, a partir do momento que se conheceram Alberto e Rebeca não conseguiram se desgrudar e em três meses já estavam namorando. Agora eles moravam juntos, na casa dela em São Bernardo, o que saía mais em conta financeiramente do que alugar um apartamento, e obviamente era mais cômodo por questões afetivo-sexuais.

Ela já havia avisado que caso Alberto se mudasse, se mudaria sozinho. Até o término da faculdade ela ficaria ali. E ele acatava essa decisão com muita felicidade. A simples lembrança do corpo de Rebeca fazia com que ele desejasse chegar mais rapidamente em casa.

Um ar gélido passa por Alberto. Ele olha em volta enquanto esfrega as mãos em seu próprio corpo na tentativa de se aquecer.

- Ufa! Não deveria fazer um frio desses em pleno dezembro, mas já desisti de tentar entender o clima dessa região estranha. Como sempre, às vésperas do fim de semana o tempo tem que virar, que saco!

Não há mais nenhum transeunte. A rua está estranhamente deserta. Rebeca mora no centro da cidade, a algumas quadaras apenas da Prefeitura. Estranho não ter ninguém. Por sorte a lua cheia está iluminando os pontos onde não há postes o que tornaria o passeio até agradável, não fosse aquele frio dos infernos!

Nesse momento outra lufada de vento, seguida de um odor suave que ele não conseguia distinguir. Enquanto Alberto pensava de onde conhecia aquele cheiro levemente desagradável todos os cães da vizinhança se encontravam em um estado de perturbação descomunal. Latidos, uivos, rosnados...

- Isso não está legal.

Alberto apertou o passo, aquela noite estava muito estranha. Ele detestava lugares ou dias frios. Sempre o lembravam das histórias que a noite sua avó contava quando, ainda criança, ele e seus irmãos a visitavam nas férias. Na pequena casa a alguns quilômetros de Porto Alegre ela desfiava contos assustadores sobre criaturas medonhas. Espiritos vingativos, lobisomens e demônios indigenas. Dona Nisa, sua avó, dizia que cada cultura é responsável por seus demônios, e que por lá ainda rondavam vestigios dos antigos seres indigenas, mas que em breve estes sucumbiriam e seriam sunbstituídos pelas criaturas das cidades grandes, por que cada cultura tem seus medos, e o medo alimenta esses seres. Ao ouvir isso o pequeno Alberto sentia um frio na espinha, que nada tinha a ver com as frias terras do Rio Grande do Sul. Era um frio de medo, e quanto mais medo sentia, mais se imaginava alimentando criaturas aterradoras e maior seu desespero ficava.

- Chega de idiotices! Sou um homem ou um rato? Já passei da idade de ter medo dessas coisas.

Um baque forte sacode um portão de ferro. Do outro lado deste, latindo furiosamente na direção de Alberto, um pastor alemão salta repetidamente de encontro ao portão.

Pálido de susto o rapaz pragueja enquanto se recompõe do susto. - Puto de uma figa! Quase desmaio aqui!

Mas, ao mesmo tempo, se sente aliviado. Não havia por que temer um cão preso. Mais alguns passos e já estaria em frente a sua casa, e sua maior preocupação seria qual desculpa dar para Rebeca por seu atraso. Mesmo assim ele deixa de caminhar e começa a correr em direção a casa.

O vento prossegue, e parece cada vez mais gelado, quase sobrenatural. Junto com ele um odor incômodo. O rapaz pega as chaves do portão. Entra tentando fazer a menor quantidade de ruído possível. Todas as luzes estão apagadas, dessa vez Rebeca não ficou em frente a TV o esperando. Estranho, amanhã sendo sábado ela não precisa acordar cedo. Alberto tenta se lembrar de uma piada que lera sobre a sexta-feira, provavelmente no facebook, caso ela esteja acordada na cama seria um bom modo de desviar do assunto atraso.

Dentro da casa ele segue tateando pelas paredes. Ora, ele não precisava de desculpas ou de histórias, apenas pode dizer a verdade. Abraçá-la e dizer que o dia fica muito longo sem ela ao seu lado, que se pudesse já estaria ali há muito tempo.

Enquanto esses pensamentos se desenhavam em sua mente o rapaz sorria e calmamente se aproximava do quarto. Fora da casa os cães não mais latiam. O vento não soprava. A noite ficou muito silenciosa.

Alberto abre a porta do quarto. A janela aberta permite que a luz da lua ilumine o aposento e o rapaz consegue vislumbrar a silhueta de sua amada sobre a cama. Ao mesmo tempo o odor incômodo emerge com mais força.

Agora ele se lembra de onde conhece esse cheiro. Ainda no Ensino Fundamental um professor de ciências levou um pouco de um material para que a turma descobrisse do que se tratava, Alberto aspirou o material e ficou com aquele mesmo odor incômodo impregnado por algumas horas. Nesse dia o professor lhes explicou que o enxofre, diferentemente do que se pensa no cotidiano, não cheira a ovo podre ou coisa do gênero, isso é a mistura com hidrogênio que produz, em estado puro ele possui aquele odor suave, mas desagradável.

Se aproximando da cama o rapaz treme. Já não sabe se por medo ou por frio. Cada passo como uma eternidade, e seus ouvidos preenchidos por um silêncio mortal, até que ele sente uma mudança inesperada no solo sobre seus pés. Algo viscoso. Líquido.

Ele se abaixa, toca o chão com os dedos e sente um líquido espesso e morno. Assustado se levanta, clica o interruptor e quando a luz invade seus olhos uma imagem aterradora vem junto com ela. O líquido é uma mancha de sangue que vai para o chão através de pingos grossos que escorrem pela lateral do colchão, sobre o mesmo está Rebeca. Alberto se aproxima de sua amada e toca sua face na tentativa vã de acordá-la. Em seu pescoço jaz a marca da brutalidade, quatro cortes profundos de onde já não mais sai gota alguma de sangue.

O garoto se desespera. Isso não faz sentido algum! Que tipo de monstro faria isso? Por quê?

- Vem aqui filho da puta! Desgraçado! Entre soluços e lágrimas o rapaz esmurra o chão ameaçando céus e terra. - Quem cometeu essa atrocidade não sairá impune... Irei caçá-lo aonde for, irei...

A luz se apaga. O cheiro fica mais forte e o frio parece emanar do interior do quarto, bem das costas de Alberto que agora sente náuseas de medo. Em um movimento brusco ele se vira e dá de encontro com um par de olhos vermelhos que parecem arder em chamas, simultaneamente seu pescoço é segurado firmemente por uma mão grande e forte que o aperta impedindo-o de respirar.

Uma voz rouca e baixa praticamente sussura enquanto o cheiro empesteia o ambiente.
- Me chamaste rapaz, pois aqui estou para lhe ensinar uma pequena lição. Pessoas morrem todos os dias, uma de forma rápida e indolor... outras lenta e dolorosamente.

Então Alberto sentiu sua garganta ser apertada de forma que seu grito de dor e agonia foi incapaz de escapar enquanto cinco garras, como facas, perfuravam seu pescoço. De forma lenta... Muito lenta.