quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A morte


Faz tempo, não me lembro direito quando,  mas o que lembro é que foi em uma manhã. Meu sono foi perturbado por um delicado chacoalhar que foi aumentando de intensidade até me arrancar do reino de Morpheu, ainda atordoado, com a vista recuperando o foco e se adaptando aos poucos raios da luz matinal que entravam pela janela vi minha morte ao lado da cama.

Nunca a tinha visto antes, mas ao fitar seu semblante soube instantaneamente que era a minha morte, só tive tempo de uma breve oração antes dela começar a falar.

- Pode parar com isso, não vim para te levar agora, vim apenas te falar que hoje eu posso te levar, então é bom começar a arrumar as coisas.

Tentei argumentar,  mas antes que as palavras saíssem ela já não estava mais no quarto. Corri feito um louco, tomei o melhor banho da minha vida, pois tinha a certeza que era o último,  tomei o café com a mesma certeza, falei com todos que quis, escondendo a mesma certeza, pois achei melhor evitar prantos desnecessários antes da hora.

O dia voou e nem sinal da minha morte, fui dormir com a certeza que seria durante o sono que ira passar dessa pra melhor.

De repente sinto o agora conhecido chacoalhar e ao abrir os olhos vejo novamente minha morte.

- Estou pronto - digo com a mais digna certeza - pode me levar para onde for.

- Levar?

Acho que escuto uma risada, se é que a Morte pode rir.

- Não vou te levar, só vim dizer que posso te levar hoje.

Fico atônito.

- Não foi isso que você me disse ontem?

- Sim e direi isso todos os dias pelo resto da sua vida para que nunca se esqueça que estou a um passo de distância,  todas as suas ações devem ser guiadas com a convicção que posso te levar a qualquer momento.

- Devo viver como se não houvesse amanhã?

- Não vim te dizer como deve viver. Vim apenas dizer que estou sempre por perto.

E assim ela desapareceu novamente.

Nos primeiros dias corri para fazer tudo que me desse vontade,  sempre sendo acordado nas manhãs pelo meu insólito despertador, mas os dias foram passando e meu único encontro com a ceifadora era no despertar.

Isso foi me dando confiança para tentar coisas de mais longo prazo,  buscar a ocupação que queria, o relacionamento que desejava, fazer os exercícios que achava interessante, tudo isso sabendo que podia ser a minha última ação,  pensava "se morrer agora, morrerei tendo feito o que quis ".

Teve vezes que tentei barganhar, por motivos mais e menos nobres, as vezes quis negociar alguns minutinhos mais na cama e em outros implorei que ela me desse a garantia que não me levaria pelo menos enquanto os meu filhos fossem pequenos,  mas independente da nobreza dos meus pedidos,  ela apenas falava que poderia me levar a qualquer momento e desaparecia.

Os anos se passaram e a quantidade de sacolejos necessários para me despertar iam aumentando. Foi então que um dia a minha Morte ao entrar no quarto ponderou se deveria me conceder os tão pleiteados cinco minutos, mas ao ver meu sorriso enquanto dormia, sorriu também e me deu muito mais do que cinco minutos,  me deu a eternidade.