terça-feira, 20 de novembro de 2012

Divagar devagar


Diariamente, somos capazes de, através dos sentidos, absorver uma série de informações das quais tratamos como inúteis na maior parte do tempo. É possível notar, que muitas vezes, algo que tratamos como pífio ou indigno de uma atenção maior, é tido com ar de admiração/conquista por outrem. Nesse cerne, exponho meu prazer interno em lembrar o quanto somos diferentes.
Diferenças físicas, psicológicas, espirituais, tradicionais, culturais... todo e qualquer ínfimo detalhe capaz de denotar quem é quem, me traz um contente sentimento de ser único. A unidade faz o ser humano ser magnífico, podendo contar com infinitas variáveis de caráter e, derivando, características. Quando se destaca essa unidade, temos... bom, antes de continuar essa frase, me sinto obrigado a citar um trecho de Tyrion Lannister de Game of Thrones, que, basicamente me inspirou nos últimos dias e, ainda foi repetido por um grande amigo em seu facebook recentemente: “Deixe-me lhe dar um conselho, Bastardo. Nunca se esqueça de quem é, porque é certo que o mundo não se lembrará. Faça disso sua força. Assim, não poderá ser nunca a sua fraqueza. Arme-se com essa lembrança, e ela nunca poderá ser usada para magoá-lo".
Continuando... temos o que gosto de pensar como nossa principal força, enquanto terráqueos; o reconhecimento de nossa diferença e o quanto esta pode ser externada para que criemos nossa identidade própria. Tal identificação é o que nos torna mais confiantes, com mais foco nos objetivos e menos suscetíveis às ações do meio externo. Esse reconhecimento é capaz de criar seu escudo, suas armas, servir como meio de admiração, respeito e que talvez trilhará um caminho de conquistas nobres. Sabendo exatamente como se intitular, a probabilidade de se deixar uma marca é maior. Agir tendo para si que o mundo projeta-se em favor das diferenças pode levar-nos a experiências inenarráveis. Qual legado seria deixado se o mundo fosse perfeitamente idêntico?
Claro que há de se preocupar com o “rei na barriga”. Conhecer-se e ter a certeza de que é único e, que é esta unidade que (agora estranha inspiração no modismo) “makes you beautiful”, não deve nos tornar superiores, ou maiores. Apenas, como se diz no jargão, diferentes.
Em qualquer mínimo movimento de vida, ou criado por uma, somos capazes de ver o quanto o mundo é assimétrico, e o quanto essa confusão também nos é característica. Lembrar disso não é pensar que somos errados, somos errados é por não lembrar disso. Procurar a perfeição pode ser uma busca sem sentido, uma vez que o que é perfeição para mim, pode não ser para você, como pode não ser para o Joãozinho e a Mariazinha. E justamente essa divagação é que fascina. A arte de discordar faz a diferença ser discutida, entendida e amplificada.
Em méritos de conclusão, gosto de deixar minha reflexão diária, de que o diferente é bonito e é justamente a diferença que faz o mundo ser tão interessante quanto realmente é. Abrace a diferença, sinta a diferença, respeite a diferença... seja a diferença.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Felicidade Taxativa


Felicidade e liberdade não são apenas palavras que rimam. São remetentes, combinatórias, dependentes e co-relacionadas. Essa afirmação me faz pensar no quanto somos reclusos.

Dado momento de rara beleza, de contemplação, de conquista, de algo inesperado que nos afeta positivamente, sempre dá-se um jeito, de no meio dessa alegria temporária, ‘cornetar’ de alguma maneira. Reclamar. Procurar o erro. Ninguém tem a mente dos ursinhos carinhosos.

Estive pensando no quanto taxamos nossa própria felicidade. Já temos tanto domínio na arte de rotular qualquer coisa, que até os bons momentos somos capazes de parar pra definir, e não meramente aproveitá-los. Seja o fim-de-tarde olhando o mar, ou “Ahh, a felicidade está nos pequenos detalhes”, ou no gol do seu time, no beijo da namorada... os momentos de deleite, aí, todos taxados. Muitas vezes, daí o meu incômodo, deixando de ser sentido para ser pensado, ser definido.

Na esperança de que possa-se repetir a sensação, recobrar o sinestésico momento, há uma paralisação para a racionalização. Um construto mental que possa, a partir do decoro, permitir a repetição até se atingirem todos os níveis possíveis de satisfação de dado momento ou causa. Pensa-se, pensa-se, matuta-se, guarda-se... mal podemos lembrar que isso pode levar à saturação e não à maturação.

E o que isso tem a ver com a introdução? Tudo. Na minha constante luta por liberdade, penso tanto em memorizar o por quê de dada felicidade instantânea que, deixo de aproveitá-la, ou não maximizo o deleite. Acredita-se tanto que a felicidade se encontra na liberdade, que algumas vezes tornamo-nos escravos do próprio pensamento na busca do “momento perfeito” ou “ideal”. De plena alegria, de alma leve, solta e quase saltitante.

Vou lhes contar um segredo... isso aí só pode ser sentido. Nunca poderá ser pensado, nem refeito. Apenas pode ser degustado por nossos 5 sentidos. O cérebro proporciona muitas coisas, mas felicidade mesmo, quem leva é o que, de certa forma abstratamente, definimos como coração.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Pátria que pariu!




Acompanhei calado o fenômeno do linchamento dos atletas brasileiros que rolou no Facebook ao final das Olimpíadas regulares de Londres. Assisti a inúmeros colegas criticando grosseiramente o desempenho da delegação brasileira no quadro de medalhas, dizendo que faltou empenho, que faltou garra, vontade, e todas essas coisas que supostamente levam à chamada vitória. O resultado foi chamado de vergonhoso, como se fosse obrigação de nossos compatriotas ganhar todas as medalhas.
Quase ninguém se lembra, nesses momentos, que grande parte desses nossos compatriotas não têm patrocínio, não têm equipamentos, não têm locais para treinar, não têm treinadores. É claro que esse raciocínio não é válido pra seleção de futebol: eles têm tudo do bom e do melhor e não fazem melhor porque seus fígados já estão fibrosados de tanta cachaça, e os antibióticos contra gonorreia dão um mal-estar infinito. Os demais atletas carecem de boa estrutura, e muitos deles precisam caçar condições melhores no exterior, haja vista o exemplo do César Cielo, que precisou treinar nos EUA, já que o Brasil não oferecia boas condições. Olhem isso... outro país deu condições pra um atleta adversário se sair melhor! Tem também o caso das duplas Jorge e Renato e Cristiane e Andrezza, jogadores de vôlei de areia que atualmente jogam pela Geórgia, um país do Leste Europeu, que certamente ofereceu melhores condições que as brasileiras pra esses jogadores.
Mas bem, alguns deles têm patrocínio né? Legal. Ganham tênis, casacos, sapatilhas, locais de treinamento e suporte geral, como hospedagem e passagens para os campeonatos. E dinheiro? Só uns poucos, e mesmo assim, sem direito a férias, 13º nem porra nenhuma. E se ocorrer de se aposentar, tão fudidos! Patrocínio não é salário, não é fixo, e não tem previdência. 
Agora, os para-atletas são especiais né? "Que lindo... ele venceu... e sem as mãos!" De fato, os para-atletas merecem nosso respeito. Eles passam pelos mesmos perrengues que os atletas ordinários, e conseguem vencer no esporte diante das condições oferecidas pelo Brasil, que acredito serem ainda piores, levando em consideração que há particularidades como documentos em braile, rampas de acesso, tradutores de libras, que são necessárias a muitos desses amigos atletas. Mas, fala sério: a vitória de um deficiente visual sobre outro deficiente  visual é tão vitoriosa quanto qualquer outra vitória! Paparicar os para-atletas por seu desempenho enquanto crucificamos os atletas ordinários é subestimar a capacidade de nossos compatriotas injuriados. 
A verdade é que as condições de ambos são parelhas, e cada classe passa por suas devidas dificuldades, particulares ou partilhadas, e TODOS estão de parabéns por terem conseguido chegar onde chegaram. Quem somos nós pra falar de alguém? Quantos de nós fomos medalha de ouro em alguma coisa? Quantos de nós somos os primeiros colocados em nossos trabalhos? Em nossas faculdades? Até mesmo nos jogos de vídeo-game ou de tabuleiro? Quantos de nós trabalha sem receber nada por isso, sem férias, sem benefícios? QUEM É VOCÊ, SEU FILHO DE UMA PUTA? Aposto que é à favor das políticas de cotas... seu merdinha.

Vergonhoso de fato é o desempenho do Governo brasileiro, em todos os aspectos. Lá fora, além de condições de se tornarem os melhores no que fazem, os atletas ainda tem a oportunidade (e a responsabilidade) de estudar, de ter uma profissão após se aposentar.

PARABÉNS, nobres irmãos! Não escutem essa gentalha...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Monumento

Monumento

mo.nu.men.to
sm (lat monumentu) 1 Obra de arte levantada em honra de alguém, ou para comemorar algum acontecimento notável. 2 Construção ou obra de escultura digna de admiração pela sua antiguidade ou magnificência. 3 Mausoléu. 4 Obra intelectual ou material digna de passar à posteridade. 5 Lembrança, recordação. 

Ao ouvir a palavra monumento, via de regra, nos vem a mente uma grande estrutura, uma escultura em pedra ou metal. Pululam em nossas mentes imagens do Cristo Redentor, Torre Eiffel, Taj Mahal. Ou descrições de grandiosidades perdidas no passado, como o Mausoléu de Halicarnásso, a Biblioteca de Alexandria e a estátua de Palas Athena. Perfeitamente correta essa acepção. Entretanto, pretendo falar hoje de uma compreensão um tanto quanto diferente dessa palavra.
Me incomoda a visão estática que se tem dos monumentos, de que são estruturas fixas, que remetem a um momento, personagem ou sentimento exato.
Me lembro de um fato, durante as guerras na Grécia antiga, quando uma batalha era vencida, um monumento era erguido com os escudos e armas do exército inimigo. No ponto em que este começou a recuar, ponto este denominado tropein, de "dar a volta" e o monumento de tropaion, o qual originou a palavra troféu. Mas qual o intuito disso? Qual o porquê desse tipo de atitude?
Não me satisfaço com a resposta "comemorar um acontecimento notável", ou "lembrar os personagens desse evento". Na minha visão responder desta forma é confundir um mecanismo com um fato.
Digo isso raciocinando que o ato de lembrar, por mais que nos seja caro, ainda é pouco perto do que pode nos suscitar um monumento.
Ao marchar no campo de batalha ao lado de um monumento feito com os espólios do inimigo será que os soldados gregos apenas se lembravam que naquele lugar, em um certo dia, de um certo mês, houve uma vitória? Nada mais agia neles? Não havia algo dinâmico, motor, ativo?

Contemplar, ou melhor, vivenciar um monumento é, ao meu ver, algo mais do que lembrar. Mas sim, através dessa lembrança, suscitar ideias, revoluções, quebras e construções de pensamento.
 Os Lusíadas foram escritos para homenagear a bravura dos portugueses no tempo das navegações. É uma "4 Obra intelectual ou material digna de passar à posteridade", é uma lembrança, a sinalização de um marco na história, mas para além disso, é um marco capaz de tocar profundamente aquele que o olhar atentamente, que vivenciá-lo. Por isso traz em si um caráter monumental.
O Cristo Redentor me aparece como um monumento quando ao fitá-lo me permito um espaço. Um espaço de calar para vivenciar a contemplação, para lembrar que a construção dele foi feita com donativos da população de todo o país, para me indignar com o fato de que o acesso a ele, que deveria ser um bem público, é realizado necessariamente por uma empresa de vans, (ou pagando o mesmo valor da passagem em um "ingresso" caso você suba a pé pela trilha), ou simplesmente, me transformando em sua presença. Monumentos, no meu pensamento, são complexos com os quais entramos em contato e que fazem isso, nos transformam e nos transmutam. Dessa forma, considero que hajam em nosso cotidiano muito mais monumentos do que imaginamos, muito além das armações de concreto e aço, um pouco além do papel e tinta.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Centenário 5/5


Os atos
Arnaldo viu o filho atravessar o salão e se dirigir para as escadas. Não havia prestado atenção se ele havia dito para onde ia, de certo pegar o carro para buscar algo. Com outro copo vazio na mão um aborrecimento cotidiano latejava em sua mente, sua nora. Lá estava ela, pura casta, perfeita... Errada. A simpatia constante, a paciência contínua, o sorriso pronto, não entravam em sua cabeça. Como ela podia se acreditar tão boa? Se fazer tão MELHOR que todas as outras?
Arnaldo a considerava uma blasfêmia encarnada, entre dentes dizia, fitando Clarinha de longe:
- Essa mulher é um desacato ao gênero humano, um desaforo à criação. Conviver com ela é como assistir uma adaptação de Dom Casmurro com uma Capitu anti-machadiana, ou a Engraçadinha Anti-Nelson Rodrigues. Ela é a garota anti-mulher, que ofende as demais com a sua pureza... Como as velhas falam mesmo? “A mulher sem pecado”. Seu sorriso zomba de todas as outras como quem diz: “Seu destino é pecar”
Com isso em mente Arnaldo encheu o copo, bebeu de um trago e se levantou. Se aproximou da noiva e avisou que o Jorge a esperava no apartamento, com urgência.
Na garagem Jorge caminhava atônito pelo espaço mal iluminado entre os carros, não sabia onde Lúcia estava, talvez aquela ordinária só estivesse brincando com ele e nem tivesse ido para a garagem. O lugar é grande, Jorge não tem muito onde procurar até que uma idéia lhe vem a cabeça. Procura pelas chaves do carro no terno mas não as encontra.
- Safadinha...
No 15° andar Clarinha sai do elevador e vai até o apartamento, caminha por ele todo chamando por Jorge, está vazio, na saída encontra Arnaldo na porta.
Ao chegar em seu carro Jorge abre a porta dianteira, como esperado o alarme não dispara, a luz interna acende e Lúcia está deitada no banco de trás com as chaves na mão... O que ele não esperava era encontrá-la nua e sorridente.
Num suspiro suando frio ainda conseguiu imaginar Clarinha flagrando-o nesse ato e de alguma forma se culpando, considerando que ele buscava suprir alguma insuficiência sua e dizendo em prantos: “Jorge, perdoa-me por me traíres”. Esse pensamento deveria ajudá-lo a parar, mas só lhe deu forças para num último lampejo de moralidade arriscar:
- Isso é muito errado...
Ao que ela respondeu entre um tom sexy e infantil.
- Ops... E você vai me castigar?
- Sim... concluiu ele sorrindo - ... Toda essa nudez será castigada.
Com esse comentário ela riu histericamente, ao que ele saltou para dentro do carro e tapou-lhe a boca, gesto que ela respondeu com leves mordidas em seus dedos, antes de um beijo voluptuoso.
No apartamento Clarinha não entendia a situação, assustada interpelava o sogro enquanto buscava se afastar.
- Senhor Arnaldo, o que está acontecendo? Onde está o Jorge?
- Saiu...
- Saiu pra onde? O senhor está me assustando! Se se aproximar mais eu vou ser obrigada a gritar! Soc...
Num movimento rápido Arnaldo aperta a boca da garota abafando qualquer som, pressionando seu tórax contra o corpo mirrado de Clarinha ele fala enchendo suas pequenas narinas com seu hálito de uísque, enquanto a outra mão rasga o vestido espalhando pérolas pipocantes pelo chão escuro.
- Passou da hora de você ver a vida como ela é....



quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Centenário 4/5


A cunhada
Desceram. Jorge acreditava que a presença de seu pai inibiria seus olhares para Lúcia, mas eis que vem a serpente se esgueirando por entre os convidados, aquele anjo negro encarando-o e se aproximando.
- Você sumiu Jorginho, dançou com a minha irmã quando chegaram e foi pra não sei onde! Que graça tem ir em um casamento e não dançar com o noivo? Escuta, essa já é a valsa de n° 6 que toca e eu sem te encontrar.
Puxou-o para a pista. Enquanto dançavam ela mordiscava levemente o lábio inferior retirando um pouco do batom dourado usado para combinar com seu colar. Jorge olhava fixamente para aquela boca de ouro. Ao fim da música Lúcia sussurrou-lhe ao ouvido:
- Te quero agora, vou te esperar na garagem.
-Estás louca. Respondia entre dentes Jorge.
- Se não quiser é só não ir.
Enquanto ela se afastava, ainda fitando-o, Jorge com os olhos no rosto pérfido da cunhada pensava: “- Que garota ordinária...” Então ela se vira e segue caminhando rebolativamente pelo salão, contemplando tal rebolado completa o pensamento: “... Mas bonitinha”.
Voltou para o lado do pai que se mostrava visivelmente incomodado, ficou sem saber se o velho havia notado algo. Soltou meia-dúzia de palavras, volta e meia lançando olhares para a saída de incêndio que dava na garagem.
Por fim disse ao pai que se alguém o procurasse ele estava indo resolver um problema e demoraria um pouco, ergueu a cabeça enquanto caminhava e seguiu decidido a conversar com a cunhada, esclarecer as coisas... Afinal, que mal pode haver em uma conversa?


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Centenário 3/5


Arnaldo
Sentado na sacada do 15° andar Arnaldo folheava o álbum de família. Via com nostalgia a casa em Saquarema, as férias em Angra ainda na velha brasília, Boris o labrador, Felícia  a gatinha... Parou um instante, uma foto de quando a dita gata deu à luz sete gatinhos. Lá estavam eles junto à Felícia, o menorzinho no colo da Rita... A falecida gostava muito de gatos.
Arnaldo não era desses viúvos melancólicos, mas, naquela noite procurava por algumas lembranças que o mantivessem nos eixos. Olhou para o copo de uísque quase vazio na mesa, talvez também precisasse parar com o álcool, talvez, e jogou o que restava na garganta.
Nesse instante Jorge irrompe porta à dentro com estrondo, fazendo o homem saltar de susto se engasgando. Ainda tossindo gritou.
- Nossa Senhora dos Afogados, Jorge, para que essa ignorância toda?
Sorrindo o rapaz emendou: - Está inventando nome de santo agora pai? Ora, vim aqui leva-lo de volta para minha festa de casamento!
- Bebi demais, é melhor ficar por aqui pra não fazer besteira.
- Nada disso, há um monte de bêbados lá em baixo, não é o senhor que vai ficar de fora! Olha só, está andando bem, e conversando perfeitamente! Deixa de conversa.
Recolocando o álbum na estante Arnaldo pensa: “- Não existe perfeição assim... não dá.”

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Centenário 2/5


O noivo
Por fim, chegou o grande dia. E após uma cerimônia com rompantes de emoção de tias e madrinhas suficiente para encher um livro, os convidados foram para a festa no condomínio do noivo, em Laranjeiras.
-Então Jorge, qual a sensação da forca? Caçoava Carlos, seu amigo mais chegado.
-Até agora uma ótima sensação. Não tenho do que reclamar.
- Bem, você tem 30 minutos de casado, voltarei a perguntar quando tiver 30 anos. Dito isso caiu em uma gargalhada ébria,
Jorge poderia tê-lo acompanhado no riso, mas estava atento ao movimento do outro lado do salão, onde Clarinha recebia as felicitações de diversos conhecidos acompanhada de perto por Lúcia, sua irmã. As duas faziam um belo contraste em sua caminhada. Clarinha em seu vestido de noiva sem alças e com botões de pérola, de uma alvura estonteante. Lúcia com um vestidinho preto que lhe mostrava boa parte das pernas e um decote que ressaltava os seios ornados por um colar dourado. Jorge refletia como uma garota de 17 anos podia ostentar aquele corpo.
Jorge respirou fundo, ele acabara de se casar, olhar para a irmã da noiva daquela forma era de um descaramento... Uma traição a seus princípios.
Normalmente a visão de Lúcia não era um problema, afinal ela estava sempre acompanhada e se esfregando em seu namoradinho playboy. Garoto ridículo... Jorge não pode evitar um risinho ao lembrar que o Fulano não veio ao casamento por ter caído de moto naquele dia. Torcia para que ele tivesse dado um tremendo de um beijo no asfalto!
Balançando a cabeça tentando pensar em outra coisa olhou em volta e sentiu falta de um convidado que deveria estar na festa.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Centenário 1/5


A noiva
Quinta-feira quente. O céu de Copacabana doía a vista de tão límpido. Próxima  à janela de um apartamento com vista pro mar D. Dorotéia, uma das mais tradicionais costureiras da cidade, dava os últimos ajustes no Vestido de Noiva.
Fazia um trabalho minucioso, conhecia Clarinha, a noiva, há tempos. Sem dúvidas ela era merecedora de todo esse esmero; uma jovem bonita, simpática, educada, atenciosa e de ótimo coração. Quando se referia a ela para suas amigas D. Dorotéia normalmente empregava o epíteto de “aquela santa mulher”, ou ainda, “A mulher sem pecado”, tamanho era seu carinho pela jovem. Logo, o vestido deveria ficar um mimo.
Na hora marcada para a prova do vestido Clarinha bateu à porta da velha senhora. Apertava a bolsa com as mãos angustiada, pensando nos preparativos para o matrimônio, o grande dia. Esperava que o vestido estivesse pronto.
Foi prontamente atendida pela boa senhora que disse:
- Olá meu anjo, vamos, entre. Fique à vontade.
Já com o vestido Clarinha se extasiava de frente para o espelho. Fazendas, sedas, bordados e botões de pérola se somavam em um conjunto deslumbrante. Na saída parou na porta e interpelou Dorotéia:
- Ficou perfeito Dô. Tem tantos detalhes, tanta beleza! Deve ter dado muito trabalho, estou até sem graça de pagar tão pouco. O preço está bem abaixo do que eu vi nas lojas...
- Não se preocupe minha filha, apenas não extrapolo os preços como umas e outras por aí. Como já dizia minha santa mãe no fim de sua vida, sou viúva, porém honesta, não trabalho extorquindo ninguém, não passo necessidades nem nada, e mesmo que passasse, não justificaria isso, certo?
Com um sorriso angelical Clarinha pagou o combinado e voltou para o carro onde Jorge a esperava.
- Não entendo o porquê de me fazer esperar aqui. Disse ligando o carro.
-Ué, nunca te disseram amor? O noivo ver o vestido antes do casamento dá azar.
Brincou a jovem se ajeitando no banco do carona.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

O passageiro esmeralda



É só respirar fundo, não tem mistério. 

Inspirar. 

Expirar.

Você precisa respirar e logo mais isso já vai passar, é só um funcionamento anômalo do locus ceruleus, todos esses anos lidando com isso serviram para alguma coisa. Isso que está sentindo não é real. 

A sala não está se comprimindo na sua direção.

Inspirar. Expirar.

"Joga essa porra de teclado pela janela e sai correndo antes que essa parede te mate"

Não. 

Estou no laboratório da Universidade de Greenstone, está um dia lindo lá fora e ao meu redor estão os equipamentos mais avançados do país, tenho que orgulho do lugar onde estou, essa crise já está sobre meu total controle, é só respirar.

Viu só? Já estou tranquilo novamente e posso retornar para essa equação.

- trinn trinnn -

- Alô?
- Dr. Robert?
- Nossa, faz muito tempo que não me chamam dessa forma... Pra falar a verdade, faz muito tempo que ninguém fala comigo...
- Não me interessa a forma como você anda sendo chamado. Quero saber sobre a pesquisa, estamos gastando muito dinheiro como o senhor e até agora nenhum dos soros que produziu deu resultado.
- Estou trabalhando na pesquisa... estou desenvolvendo um novo método... se conseguir adaptar as novas descobertas na área de radiação G ao meu novo projeto hadrônico ultra leve kernoniano, vamos avançar significativamente nos estudos... só preciso que me dê um pouco mais de tempo e conseg...
- Esse blábláblá de nerd já está me irritando!

"Esmague esse celular na mesa, não deixe ele falar assim com você"

- Desculpe general Ross... Vou fazer o meu melh...

Ele desligou na minha cara, não que isso seja uma novidade, mas essa pressão toda só faz deixar ainda mais difícil controlar essas crises de pânico.

Inspirar.

Expirar.

Ioga, homeopatia, Valium, nada disso tem adiantado, no entanto, é só eu conseguir terminar esse trabalho e a pressão irá sumir, vou poder tirar umas longas férias em alguma praia paradisíaca do Caribe e relaxar.

Quanto tempo falta? 

"Tempo pra caralho"

Calma não é bem assim, é só desenvolver um composto estável, depois fazer os testes no centro de pesquisas atômicas avançadas do grupo Stark, depois testar em ratos, depois em macacos, depois esperar aprovação do Congresso, depois procurar voluntários, depois fazer novos testes de efeitos colaterais, depois esperar a quarentena, depois pronto.

"É tempo pra caralho"

Tenho certeza que esses pensamentos vão passar e parar de me atrapalhar quando terminar essas tarefas, mas agora sinto como se tivesse mais alguém dentro da minha mente, um passageiro que tenta jogar tudo para o espaço, alguém que não se importa em abandonar a razão para afastar as coisas que o irritam de perto dele, só que eu não sou assim, sou mais forte que esses pensamentos ruins. 

Basta me concentrar na pesquisa e em uns dois ou três anos vou ter terminado tudo, somando esse tempo com os anos que já estou aqui posso dizer, no final disso tudo, que será uma década bem gasta.

Valerá a pena, é por uma nobre causa, vou reproduzir o soro que criou o Capitão América! As possibilidade de aplicação dele são infinitas! Curar doenças degenerativas e motoras, além de poder ser uma esperança de regeneração dos tecidos para pacientes que sofreram ferimentos graves ou queimaduras... Ah! são tantas as alternativas que nem posso imaginar! Aposto que com essa novo método que desenvolvi, combinado com a radiação Gama vou realiz...

- trinn trinn trinn -

- Alô?
- Banner, o seu tempo acabou. Acabei de fazer uma ligação para Casa Branca e finalmente o seu projeto está encerrado. Pegue suas tralhas e saia daí até o fim do dia ou eu mesmo vou chutar a sua bunda desse laboratório.
- Mas general Ross, eu estou tão pert...

Ele desligou na minha cara de novo.

Dane-se, não investi todos estes anos para ser escorraçado dessa forma! Vou mostrar ao mundo que posso trazer um caminho novo com a minha pesquisa, aquele ranzinza do general Ross vai ter que se desculpar! 

- Computador. Iniciar protocolo H.U.L.K.!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Velho Detetive




 - Eu sei Bárbara, pode ficar tranquila... eu sei, eu sei... passo amanhã em casa para pegar umas roupas limpas... uhum... Não, por favor, entenda,... mas o Prefeito... Não!" [CRANK! tu tu tu tu] 

Peço desculpas ao gancho fortemente comprimido junto à base do telefone do outro lado da linha. Bárbara é a única pessoa que conheço capaz de suportar este tipo de situação, mas ela não admite que as crianças sofram devido à minha profissão. Eu também sinto saudades. Comissário... e mais pareço um prisioneiro. Há quatro dias não consigo deixar este lugar... nem dormir direito. Aposto meu bigode que o Batman dorme durante o dia!

O saguão da delegacia está tão cheio de ricaços que mais parece um evento beneficente. Com a diferença que os aqui presentes não vieram doar seu dinheiro, mas reclamá-lo. 
 - Stevenson! Coloque esse pessoal em fila e organize as denúncias. Coloque as ocorrências na minha mesa quando acabar. Sanchez, se perguntarem, diga que já volto. Eu  PRECISO de um pouco de ar.

Saio sorrateiramente para o terraço. Nem preciso ligar o sinal, pois o Cavaleiro já me espera.
 - Sua esposa também trabalha à noite? - pergunto desleixadamente.
 - Minhas atividades não permitem esse tipo de luxo, Gordon. É bom ver que consegue manter seu bom humor intacto. - responde a voz sombria, como se a própria noite falasse comigo.
 - Pelo menos ainda me resta algo de bom. Alguma novidade?
 - Nada concreto, mas acredito que Selina não esteja sozinha.
 - Concordo. Ela é uma ladra... essa exibição toda não combina com ela. Mas quem?
 - Não sei dizer. Robin está... - Eu paro de ouvir o que ele diz quando a imagem de uma pequena coluna de um tablóide me vem à mente: "Médica doidona vai por os malucos na rua - Nova contratada do Arkham afirma que Coringa pode ser curado." - ... e eu vou para residência do Prefeito agora.
Ele parte antes que eu possa dizer alguma coisa. Desço correndo as escadas e vejo que a confusão no saguão não foi resolvida. Atravesso com dificuldades a multidão de magnatas e pulo dentro da primeira viatura que avisto. Penso em como seria bom poder saltar pelos telhados como meu colega de preto, mas penso na reação de Bárbara se soubesse que me arrisco também desta forma, o que afasta o sentimento de frustração.
Dirijo perigosamente pela estrava curvilínea que liga os subúrbios de Gotham ao Asilo Arkham. Aquele Palhaço maldito deve estar com algum tipo de armação. Que irresponsabilidade do Dr. Sharp em deixar o Coringa nas mãos de alguém novo! Não... talvez não seja irresponsabilidade. Desligo a sirene... decido que Sharp não deve saber que estou chegando. Será que esta doutora nova também está envolvida? Não... uma entrevista ao jornal é bandeira demais pra quem está tramando algo. E Selina... onde ela se encaixa? Chego ao sanatório antes de chegar às conclusões, mas certo de que o diretor está envolvido.
Sinto algo de errado no ar no momento em que desligo o motor do carro. Toco o cabo do revólver num movimento involuntário que ajuda aliviar minha tensão. Não sei como o Batman se vira sem uma destas. Avanço cautelosamente através do portão destrancado e dos jardins até a porta do hall do manicômio. Até aqui tudo limpo. A porta está trancada. Bom! A esperança de estar errado começa a tomar conta de meus pensamentos, mas percebo que na parede à minha direita há uma janela aberta. Curioso... não tinha reparado isso. Chego até ela de mansinho e avisto Donnavan Sharp debruçado em sua mesa, a garrafa de uísque aberta. Entro pela janela e me aproximo da mesa. O arrepio já domina cada ínfimo pelo do meu corpo. A cena é perturbadora: em sua mão direita Sharp segura um diamante de origami idêntico ao surrupiado da mansão do prefeito; a mão esquerda aperta, num espasmo grotesco, diversas notas de cem dólares com um Benjamin Franklin maquiado de palhaço, enquanto seu rosto guarda uma expressão que dali jamais sairá... um sorriso demoníaco de prazer e dor... os olhos vidrados. Noto o copo de vidro grosso quebrado no chão... o carpete corroído, e de repente, o som do motor da viatura, e a gargalhada macabra que entra pela janela. 

 - Que Deus nos acuda...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A Cela

Asilo Arkham para criminosos insanos - Cela 0801

 Quatorze dias atrás - 19:00h = A porta da cela acolchoada se abre lentamente, por ela entra a jovem Dr.ª Harleen Quinzel para visitar seu mais intrigante paciente. Ele está, como de costume, acomodado no acento, preso em uma camisa de força, olhando para frente e sorrindo. Mas não qualquer sorriso, um sorriso esgarçado, contínuo, que muitos consideram apavorante... Mas ela sabe que ele é apenas mais um incompreendido, na verdade ela consegue enxergar uma melhora substancial no quadro do paciente.

- Olá. Boa noite.
Ainda fixando a parede ele respondeu
- Boa noite doutora Quinzel. A que devo a visita?
- Me chame de Harleen, por favor. Gosto de ser tratada pelo meu nome, assim como gostaria de poder tratá-lo pelo seu.
Direcionando seus olhos atentamente para a jovem
- Você sabe meu nome.
- Err.. Bem, quero dizer, seu nome real.

Ao ouvir tal afirmação o paciente gargalha, de forma alta, estridente e contínua. Isso desagrada a jovem psiquiatra, haviam passado duas visitas sem esses rompantes e agora uma escolha errada de abordagem e pronto. Ela sentia que estava tão perto de alcançar melhoras, de processar uma cura no maior psicopata de Gotham.
Após o riso ele voltou a olhar atentamente para a parede acolchoada, como se novamente estivesse sozinho. Por cinco minutos a médica falou, buscou reaver a atenção do paciente. Por fim desistiu, ao se levantar para ir embora estancou ao ouvi-lo comentar:

- Há canteiros nos jardins do asilo... eles me lembram canteiros que vi há muito tempo.

Sentando-se novamente ela pede para que ele lhe diga mais, ao que o paciente responde negativamente. Não pode falar de algo que não conhece. Somente durante sua entrada no Arkham ele viu de relance o dito jardim.
Eis a chave, aí está a questão. Os olhos de Harleen se iluminam ao fitar um sorriso já nada aterrador. Ela trabalharia com o Coringa fora da cela!


 Treze dias atrás - 12:00h = A portinhola na porta da solitária 0801 se abre, vê-se a silhueta de Donnavan Sharp, atual diretor geral do Asilo Arkham.

- Olá Donnavan, esperava por você. Não quer entrar? Fique à vontade, afinal, a casa é sua. Hahahahaha, hehehe...
- Muito bem seu maníaco, por algum motivo a Drª Quinzel passou toda a manhã me propondo uma nova experiência de tratamento com você. Não gosto da ideia de fazer experiências com você... E se algo der errado? Vai acabar machucando alguém. Ela insistiu para que eu viesse ver sua melhora, ver como você anseia por ser curado... Para mim você continua o mesmo verme psicótico!

O criminoso ouvia atentamente, cada palavra, cada entonação do afamado diretor, membro da mais alta elite de Gotham, e por entre as sensatas e hipócritas palavras do administrador ele sabia que havia mais coisas.

-Nã-nã-não... Olhe os modos Diretor. Cada um de nós tem suas prioridades, apenas peço que me ajude, e quem sabe, eu possa te ajudar.

Disse o criminoso balançando a cabeça divertidamente.
Se afastando da porta Donnavan se sentiu nauseado por um instante, do que aquela aberração estava falando?

- Me ajudar? Com o que?
-Com coisas que um homem como você deseja, mas só um homem como eu pode fazer. Hahahahahahaha


Oito dias atrás - 20:00h = Um homem alto e forte se esgueira até a entrada da cela. Do lado de dentro o criminoso, já sem suas amarras, está deitado tranquilo, até que ouve uma leve batida na porta.

- Olá, cê tá acordado? Murmurou o homem.
-Sssiiiimmm.... murmurou com escárinio uma voz do interior da cela.
- O meu "contratante" disse que você tinha instruções para um serviço.

O homem olhava para todos os lados e suava frio, já não tinha certeza se era uma boa ideia estar ali.

- Você trouxe papel e lápis? Passe pela portinhola da comida aqui em baixo.Pedi ao seu "contratante", hehehehe, que me conseguisse alguém capaz de invadir uma residência. pois bem, quero que deixe o material que eu vou te indicar no telhado de uma casa, alguém irá deixar uma carga lá dentro, você irá trazer essa carga para o "contratante", o diretor. Certo?
- Bem.. acho que sim.
- Você parece nervoso... Minha voz te incomoda? Hahahahahaha

A gargalhada fez com que o homem olhasse em todas as direções, não queria ser notado ali, mas não tinha coragem de reprender o Coringa.

- É estou um pouco desconfortável, mas o diretor me garantiu que você anseia pela sua liberdade, por isso ia ajudar, então tá tudo certo.

O psicopata parecia não prestar atenção ao que o meliante dizia. - Ahan... aqui estão as instruções e o endereço da casa. Este outro papel contém um recado que você deve deixar neste outro endereço que está aí. Por fim quero saber se você consegue uma quantidade relativamente pequena deste ácido.

- Acho que sim.
- Ótimo.

E nesse momento ecoou pelo Arkham uma risada que fez o homem desejar estar em outro lugar, com todas as suas forças.

Cinco dias atrás - 23:00h = Um som leve de metal sendo arranhado acorda o criminoso.
- Olá Gatinha, que bom que aceitou meu convite...
- Como sabe meu endereço? O que você está tramando? 

 Os grandes olhos castanhos por trás da máscara denotavam uma severa preocupação. Não era nada agradável saber que seu paradeiro era do conhecimento do Coringa. Afinal, mesmo com ele preso naquele cubículo chegou na sua correspondência um papel com os dizeres "Olá Gatinha, preciso que me faça uma visitinha. Coringa". Ela precisava ter certeza de que ao menos ele continuava preso.

- Detalhes que não vem ao caso. Quero apenas que realize algo que será igualmente lucrativo para mim e para você.
- E o que seria?
- Gostaria que apanhasse um pequeno suvenir da mansão do prefeito. O Brilho de Gotham. O que me diz?
- O diamante 111 quilates? Eu adoraria, risonho, mas se fosse tão simples eu já o teria pego. Nada feito, estou com outras prioridades agora...
- Podemos unir o diamante a essas "Prioridades" que você fala.

A jovem se aproxima da pequena portinhola para fitar de mais perto a fileira de dentes que aparece sobre a fraca luz vinda do corredor.

- Como assim?
- Bem, somos seres de gostos diferentes. Eu gosto de coisas que escorrem, sangue, entranhas, viscos dos mais diversos. Você gosta de coisas que brilham, diamantes, rubis, ouro... Eu me pergunto, o que tem brilhado mais que ouro para você Gatinha? Seria essa sua prioridade? Seria ELE a sua prioridade?
- Não sei do que você esta´ falando.

Rindo e batendo a cabeça no estofamento das paredes ele retruca:
- Sua vadia, não se faça.. haha.. de idiota. Vamos lá, você atinge o orgulho dessa cidade pra mim, e é claro que o morcego vai te perseguir. E vai te encontrar. Haha-hahaha-hahahahahahah. Ahh... hehe... No telhado, acima da janela do gabinete do prefeito há um compartimento, um mecanismo camuflado, no qual você poderá guardar o diamante e buscar depois que for presa...
- Eu não quero ser presa!

O Coringa balança a cabeça em um ar de desaprovação. Todo mundo insiste em ter vontades por aqui.

- Bem, ELE vai estar lá, e se te prender com o diamante pronto, mas, se ele te prender sem o diamante... Criamos um espaço para futuros diálogos, não?
- Pelo visto você está avido por vingança, só isso.
- Não é o suficiente? Você está ávida pelo quê? Hehehehe. Venha cá, deixe eu te passar os detalhes da minha ideia... Hahaha...Primeiramente gostaria de dar-lhe as boas vindas ao Arkham, NOSSO lar.
- Seu lar Coringa,  não tenho nada a ver com isso aqui.
- Ora, ora minha cara, todos temos a ver com este lugar. Ele aceita a todos de bom grado, sem preconceitos. Quando não são mais capazes de sustentar suas máscaras cotidianas, é pra cá que todos vem. Trocar uma vida inteira de agonia, por uma cama e injeções duas vezes ao dia. Hahahahahaah-hihihih



Hoje - 8:00h = Donnavan Sharp se recosta em frente a cela. Sua voz está tensa, mas satisfeita.
- Você conseguiu... o diamante foi roubado ontem à noite, o seguro de roubo já foi acionado e eu, como membro da elite de Gotham vou receber parte do que contribui para segurar nosso "tão valioso patrimônio". A Mulher-Gato foi presa e antes de retornar à cena do crime Lúcio já havia resgatado o conteúdo do mecanismo e trocado pela pedra falsa. Ele acabou de me entregar o Brilho de Gotham. Infelizmente, não posso oferecer sua tão almejada liberdade... Mas irei estudar as propostas da Drª Quinzel, ela é uma psiquiatra muito competente.
- É, eu sei... tenho notado Diretor Sharp, ela é muito proeminente aqui no Asilo. Estive pensando quais postos ela pode alcançar se não tiver nenhum... empecilho. Hehehehe-hahahaha-hihi-hahahaha

 O Diretor Donnavan Sharp assiste o criminoso se contorcer em uma gargalhada cheia de espasmos caindo na cela. Ainda ouvindo o riso segue para seu gabinete. Chegando lá se dá conta que Lúcio foi embora, melhor, quanto menos contato tiver com esse mercenário menos chances de algo dar errado. A gargalhada ainda ecoa pelos corredores do Arkham. Mas não importa, ele tem o diamante... o dinheiro do seguro... e nenhum envolvimento direto com a situação. Ninguém pode atingi-lo. Ele pega sua garrafa de uísque e enche um copo generoso. Precisa se acalmar, ainda está ouvindo a maldita risada do lunático!
Vira de um trago o conteúdo do copo, que desce por sua garganta de uma forma ácida, rasgante e dolorosa... Ele ainda ouve risos...








Noturna


Uma noite regular em Gotham, tão sombria quanto comum. Na penumbra do hall da casa do prefeito da cidade, uma felina se encontra a olhar charmosamente o cômodo do canto superior, no alto de um móvel velho e empoeirado.

“Hum, essa posição, essa iluminação me faz sentir como um... morcego!” – Selina Kyle se diverte em seus pensamentos.

Havia passado a primeira horda de seguranças da residência oficial da cidade com facilidade. Adentrar a mansão não foi tarefa das mais exigentes. Agora se encontra a caminhar suavemente sobre o tapete que leva ao home office do chefe político da cidade.

Dois seguranças armados, um a caminhar lentamente à sua frente, de costas e o outro que não consegue notar sua presença, uma vez que sutilmente abaixou-se e usou o corpo do primeiro para esconder-se, ardilosa como o mais terrível dos bichanos.

Com a adrenalina passando por sua corrente sanguínea e fundindo-se com seu collant preto, por entre a máscara seus olhos avaliam rapidamente suas possibilidades e, em fração de segundos, põe sua mão direita nas boleadoras presas em seu cinto.

Ao mesmo tempo em que lança com precisão seu par de boleadoras no pescoço do guarda que se encontra mais próximo à sua frente, pega seu velho e sempre efetivo chicote, já acertando certeiramente a testa do segundo guarda que só teve tempo de arregalar os olhos. Este cai desacordado e o primeiro atingido, no chão e sentindo as delicadas, porém cruéis mãos da Mulher-Gato a tampar sua boca, agora sente a respiração ao pé do ouvido:

- Quero que me aponte com os olhos onde está o cofre, se pensar em gritar ou me atacar, rasgo seu peito aqui e agora – praticamente sibila a Gata, mostrando em sua mão esquerda as afiadas unhas de metal prontas para entrar em ação.

Com o suor frio escorrendo por suas têmporas, o guarda olha para baixo, diretamente para um compartimento inferior da estante de livros do prefeito.

- Muito bem, bonitão – Selina guarda suas garras, passa a mão delicadamente sobre a testa de sua presa e com um forte murro, põe o guarda para um cochilo noturno instantâneo.

Dirige-se ao lugar indicado, passa os dedos pelos livros e ao ver um pequeno bloco verde, que ela percebe não ser um livro e que seu lugar em meio aos Vade Mecums do prefeito não faz sentido algum, ficou fácil para a princesa do crime de Gotham. Desloca o bloco para frente, ouve um ‘click’ e vê a portinhola da estante se abrindo à sua direita.

O cofre, daqueles antigos, não oferece o menor desafio para a srta. Kyle que em uma série de movimentos rápidos e precisos o abre sem maiores dificuldades.

Mais de 100 quilates brilham à sua frente, com aquela lapidação clássica e perfeita, o diamante praticamente traduz-se em Poder da Elite de Gotham.
- E os malditos medrosos são tão ingênuos ao achar que a residência imperial seria o lugar certo pra guardar essa belezinha... hãn hãn – pensa alto consigo, balançando levemente a cabeça.

Pega a pedra e ao deslocar-se à janela mais próxima, um guarda chega correndo à porta:

- Parada! A Mulher-Gato está aqui! – grita o assustado homem, já empunhando sua Sub-Macine Gun.

Em um pulo, a Felina vai à janela e com seu chicote já em mãos, prepara-se para a rápida fuga, ouvindo os primeiros tiros sendo desferidos da veloz arma do sujeito.

Por centímetros não teve seu tornozelo atingido ao sair, e seu chicote, agora levando-a pra cima, faz com que em segundos esteja no telhado da mansão, agachando-se para engatinhar como manda o figurino.

Três, quatro ‘passos’ e olhando para baixo, aquela sombra com aquelas orelhas quase felinas enche seu peito, fazendo o coração pulsar como ainda não havia pulsado aquela noite.

- Eu acho que vi um gatinho... – Dispara a Gata, achando-se totalmente sagaz ao citar o desenho que passava distraidamente na TV de sua sala pela manhã.

- Dessa vez não, Selina. – Com a bat-garra empunhada, o Cavaleiro das Trevas atira em suas mãos e pés, que com um movimento rápido esquivam-se para a direita.

Colocando-se de pé e em posição de combate, com uma charmosa expressão de satisfação, a Felina, com aqueles grandes olhos castanhos focam o olhar atento do Batman:

- Estive esperando por você, Morcegão. Há quanto tempo esteve aí? – indaga a antiga bailarina.
- Tempo suficiente, sabendo que você viria atrás do Brilho de Gotham. – responde o Homem-Morcego.
- Então presumo que também esteve esperando pelo que está por vir, certo? – pergunta curiosa.
- Na verdade, este embate já acabou. – Retruca Bruce e, nesse momento, seu fiel escudeiro surge das sombras e segura os braços da tentadora vilã. – Você está presa Selina, sem mais perguntas, agora você só deve resposta às autoridades.
- Por essa eu não esperava, bonitão. Mas nós dois sabemos que muito em breve nos veremos novamente – diz calmamente Selina, com uma piscada, já sendo algemada por Robin.

E Bruce, com seu olhar misterioso, fita a algoz. Como se não quisesse estar fazendo aquilo, apenas cumprindo uma espécie de dever...

- A pedra não está com ela – diz o garoto prodígio, após revistá-la.

E com a chegada da polícia, um Batman parecendo confuso, em algum tipo de conflito interno, apenas conclui:
- Bom, essa questão já não concerne ao meu departamento. Vamos.

E pelo vidro da viatura policial, Selina vê as duas sombras adentrando a escuridão, e suspira...

“É, acho que agora sim topei com um verdadeiro desafio.” – pensa a anti-heróina.

terça-feira, 31 de julho de 2012

O item mais valioso de Gotham



- Invasão de propriedade, furto qualificado, roubo, formação de quadrilha, receptação, falsidade ideológica, lesão corporal grave, homici...
- Sinto muito Comissário, mas não tem nenhum homicídio nessa lista.
- Não é o que a Interpol diz senhorita Kyle.

A voz de Gordon ressoa alta e firme pela pequena sala esverdeada, enquanto observa profundamente os olhos castanhos da moça que permanece com ares de princesa.

- Você não deveria acreditar em tudo que lê nesses relatórios...
- Esses relatórios poderiam ser lidos durante a noite toda e nós não esgotaríamos a sua lista de crimes Selina. Ambos sabemos quais crimes você cometeu ou não. Por que você não facilita o seu lado e me diz logo onde você escondeu o Brilho de Gotham?
- O brilho de Gotham? Não me lembro de ter feito nada sobre isso. A cidade já estava era cinzenta quando cheguei.

Ela falava isso enquanto mirava com olhar travesso o espelho que ocupava meia parede logo em frente a mesa e a cadeira a qual estava algemada.

- Você não está em posição de fazer piadinhas. Estou falando de um diamante de 111 quilates que foi roubado da moradia oficial do Prefeito durante a noite passada.
- Aquela pedrinha brilhante? Deixe-me pensar... Ela deve estar junto com as outras pedrinhas brilhantes, no meu apartamento no Eastside.
- Já reviramos aquele lugar de cabeça para baixo e não encontramos nada lá! Não brinque conosco Selina! O Prefeito está furioso e o Harvey vai encontrar um jeito de te deixar fora das ruas para sempre.

Ao terminar a frase, o Comissário, jogou uma pasta contendo várias fotos de pedras precisas sobre a mesa à frente da detenta.

- Todos esses roubos foram feitos em um espaço de tempo que só você conseguiria fazer. O quê você planeja Selina? Você já roubou as coisas mais valiosas de Gotham, onde você pretende chegar?
- Cuidado Comissário, você não tem mais idade para poder ficar se exaltando desse jeito. A cidade ainda tem muitas coisas valiosas em seus cofres... E pode ter certeza que nunca mais vai ouvir meu nome quando eu conseguir o item mais valioso de Gotham.

O velho policial estava visivelmente cansado, fazia três noites que não dormia por causa das ocorrências na delegacia. Apesar de não concordar com essa política, Gordon sabe que Departamento de Polícia sempre da uma atenção especial quando algum crime acontece na casa dos ricos da cidade, acontece que nas últimas noites essa atenção foi elevada ao seu nível máximo, pois oito de cada dez ricaços de Gotham haviam tido as suas casas roubadas. Até mesmo o Prefeito teve um dos símbolos da cidade roubado de dentro de sua própria casa, o Brilho de Gotham.

Após limpar com as costas da mão o suor da testa, ele voltou a interrogar Selina Kyle.

- Eu sei que você não irá parar por aqui. Desista do seu plano e assuma a autoria desses roubos Selina, assim, talvez, você possa ver o sol nascer de fora de Blackgate algum dia.
- Pobre Gordon, acha mesmo que vai me manter aqui por muito tempo?
- Conseguirei te manter aqui por tempo suficiente para impedir que você consiga fazer qualquer outro roubo.

Ela olhou com olhar de descrença para o Comissário. 

- Eu gosto de você policial, por isso vou te dar uma dica do próximo item que irá para minha coleção. Você sabe que sou um mulher de gostos raros.
- E qual é o seu próximo grande passo? - Agora era Gordon que estava com o sorriso no rosto.
- Chegue mais perto e conto no seu ouvido.

Antes de se aproximar o tira conferiu se ela estava mesmo presa e após checar duas vezes aproximou-se da senhorita Kyle com o máximo cuidado.

Sua expressão mudou repentinamente após ouvir as poucas palavras ditas pela jovem, era como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir.

Uma campainha toca e ele sai ainda meio atordoado da sala.

Na sala ao lado, por trás do espelho, está o promotor Havey Dent e o Prefeito, que está nervosamente caminhando de um lado para o outro.

- O que o meus eleitores vão pensar... vamos Gordon, me diga que ela deu alguma pista de onde vai atacar ou onde estão os itens roubados!
- Ela fez apenas mais uma piadinha senhor Prefeito.
- Não é possível! Olhe para ela, quem diria que ela é a maior ladra de Gotham? Como pode essa bailarina magricela me dar tanta dor de cabeça.

Todos os presentes se voltaram para observá-la através do espelho enquanto ela, do outro lado, parecia conseguir entender e se divertir com toda a situação.

- Vamos para o meu escritório - sugeriu Dent - já redobramos a segurança na delegacia e ela não irá a lugar algum daqui.

Mesmo consternado, o Prefeito consentiu e os três foram caminhando a passos receosos pelo corredor que levava até o escritório do promotor.

- Tem certeza que não existe meio dela fugir?

O voz do Prefeito não conseguiu esconder o medo.

- Não, como Harvey havia dito, redobramos a segurança aqui e ela ainda está algema... Maldita! Soem o alarme! Ninguém entra e ninguém sai sem a minha autorização.
- O que aconteceu?
- De algum jeito ela conseguiu pegar a chave do meu bolso!

Contra qualquer protocolo de segurança, o Prefeito correu em direção a sala de interrogatório, na esperança de ainda encontrar a gatuna por lá, mas antes mesmo de chegar, em seu coração ele já sabia a triste verdade.

- Ela não está aqui! - Gritou da porta da sala.

Gordon e Harvey se entreolharam sabendo que essa noite ainda estava longe de acabar, mas antes de irem em direção ao local da fuga, o promotor segurou o braço do colega.

- Comissário, ainda estou com curiosidade, o que ela lhe falou? Qual é o item mais valioso de Gotham?
- Você não vai acreditar, Harvey... Ela quer roubar o coração do morcego.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Enquanto não chove



Em um dos meus dias de férias, acordo já cansado, com vontade de ficar mais 3 horas na cama, mesmo se perder o sono. Mas já era tarde, três da tarde, e eu tinha um compromisso, apesar de serem férias, e precisava levantar. Abri a folha da janela do quarto que vetava a luz e minha visão para o mundo lá fora.
 Céu cinzento, chuviscando e um frio que me empurrava de volta para a cama. Mas precisava mesmo ficar acordado.

Enquanto comia algo, tomava banho e arrumava minhas coisas para sair, percebi que o chuvisco ia oscilando sua densidade. Então antes de sair decidi apanhar meu guarda-chuva, já que poderia precisar de seu abrigo, apesar de reconhecer o risco que sempre corro de perdê-lo como o fiz com outros tantos.

Quando saio de casa olho para um poste que ilumina fracamente a rua para conferir a intensidade da chuva. Sim provavelmente irá me molhar a ponto de incomodar. Abro o guarda-chuva e começo minha caminhada. Esbarro com o meu abrigo no de outras pessoas que dividem a calçada comigo e começo a perceber a quantidade de pessoas com suas sombrinhas e afins. Mas, após uns três quarteirões, já avisto pessoas andando calmamente sem proteção para a água que cai do céu.

Olho mais uma vez para a lâmpada de um poste e vejo que a chuva não parou, apenas está mais branda. Também noto que o barulho das gotas que pingam sobre a lona não é tão pesado, na verdade não condenaria alguém se dissesse que não faziam barulho. Recolho a parte aberta do meu escudo e não me incomodo mais com a pouca água que cai, apesar de ainda estar chovendo.

Nesse instante penso em várias coisas que ainda existem, não percebemos quando, ou se, mudam, mas em alguma parte do caminho deixamos apenas de nos importar.

E com o guarda-chuva fechado em mãos sigo meu caminho.