quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A ditadura do normal

Você sabe que deu mole, por isso foi assaltado. Você sabe que não deveria andar desse jeito perto da PM, por isso que levou uns tapas. Você sabe que fez um pergunta ruim, por isso que o professor te sacaneou na frente da sala toda. Você sabe que fizeram um prova impossível, por isso colaram e tiram notas melhores que as suas. Você sabe que o pessoal não respeita horário de almoço, por isso não tinha ninguém no Posto de Saúde. Você sabe...

Sim, eu sei, mas deveria?

A culpa é sempre muito clara em todos os casos, o agredido deveria ter o dever moral de saber que foi o único culpado pelas coisas ruins que aconteceram com ele, pois como já diz o ditado popular "não está fácil para ninguém" e é totalmente aceitável desrespeitar um direito aqui outro ali para conseguir o que se precisa, porque afinal de contas, o seu próprio direito foi desrespeitado uma vez aqui e outra vez ali.

Essa normalidade na atrocidade já contaminou todos os extratos sociais, sendo ainda mais sofrida pela parte da população com menor renda e em minorias, mas tanto agredidos quanto agressores parecem anestesiados com essa normalidade e veem a realidade nublada, como se fosse esse o Estado Natural das coisas. 

O ideal seria uma revolução, não no sentido que foi empossado pelos grupos de esquerda, mas sim repensarmos a evolução de nossa sociedade, para que rompamos que esse ciclo vicioso que nos diminui como seres humanos e empoem essa ditadura da normalidade distorcida.

É só um desabafo, quis expressar em algumas palavras que não vou aceitar essa normalidade e que continuarei contra esse oceano impossível que vejo em todo lugar, para quem quiser ver um texto muito melhor que esse sobre a "normalidade imposta" segue uma recitação incrível feita pelo Abujamra no Provocações da TV Cultura.


domingo, 31 de agosto de 2014

O Alquimista


Por dentre frascos empoeirados e cheiros exóticos, sob o olhar atento de uma coruja e o ronronar de um gato o Alquimista vive.

Pelo menos no imaginário do povo.

A realidade é bem menos romântica. A antiga Arte é feita com bem menos fantasia e até hoje continua sendo praticada por seus adeptos nos mais improváveis lugares, ainda sob a égide dos mesmos pilares - Saber, Querer, Ousar e Calar - mas este último está cada vez mais difícil de ser mantido nesses tempos modernos.


No entanto, a razão que me motivou a escrever esse texto não foi falar sobre os pilares da magia, mas algo muito anterior, tão antigo que virou até uma "piada" entre os leigos, chego a apostar com você, caro leitor, que já ouviu essa frase quando o seus professores falaram sobre os alquimistas no colégio,  em aulas de química ou história, fazendo-os parecer tolos e buscadores do impossível.

"Transformar chumbo em ouro"

Essas palavras quando vistas por um observador desatento poderiam passar batido e apenas reforçar o preconceito existente acerca do tema, mas vos convido a ter um olhar mais demorado sobre essas palavras e tentar entende por que homens ilustres dedicaram sua vida ao tema.

O real objetivo dessa frase não é algo físico, mas sim psicológico e interior a cada pessoa, é transformar o chumbo da alma -  ignorância, medo, orgulho, etc - no ouro da Alma - conhecimento, coragem, humildade - este processo de transformação alquímica é demorado e requer muito esforço por parte do neófito, pois cada ação, palavra e pensamento conta e não pode ser negligenciada sob a desculpa que a situação ou momento o forçou a fazer algo que sabia que era errado.

Se você sobreviveu até essa parte do texto, vou poupá-lo de continuar com essa embromação teórica e trazê-los um exemplo que gostaria de compartilhar.

Durante muitas noites tive um pesadelo sobre uma situação que há muito vinha me correndo por dentro, era como se tal qual Loki, eu estivesse acorrentado em uma pedra e de tempos em tempos o veneno de remorso pingasse em meus olhos fazendo-me praguejar contra o mundo, mas diferente do Deus trickster, a cada nova gota, também refletia sobre o que me levou aquela situação e como estava no momento.


Curiosamente, as gotas foram ficando cada vez mais raras e nessa noite, quando o veneno veio reclamar seu efeito, não praguejei e acordei diferente, mais maduro talvez, ainda não sei, mas acredito que nesse processo de transformação alquímica eu não seja mais tão chumbo quanto era.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Calor, né?



Meus pais moram em um prédio de 11 andares desde que se mudaram pra lá em 1991. Conta rápida, fazem 23 anos que eles se mudaram pra lá. Assim como meus pais, tem 23 anos que o Sr. Pereira (nome fictício), um oriental vindo do interior do Estado de São Paulo, casado e pai de um casal, mora neste edifício de 11 andares. Sr. Pereira foi um dos primeiros adultos que conheci no prédio, que ainda era pouco habitado no início de 1991. Sempre muito sorridente, era comum encontrar com o Sr. Pereira no elevador ou no saguão do prédio, a levar seu cachorro para fazer necessidades na rua. Infelizmente, apesar de seu belo e cativante sorriso, Sr. Pereira não era detentor de outras habilidades sociais. Toda vez que nos encontrávamos era sempre o mesmo tipo de comentário sobre o tempo: "Que calor, hein! Tá demais esse ano. Assim ninguém aguenta." ou "Nossa, nesse frio fica difícil levar o cachorro na rua. Odeio esse frio." 

Como meus pais e o Sr. Pereira ainda residem por lá, é comum que eu o encontre quando vou visitar meus pais. Hoje o Sr. Pereira sorri menos, com dentes amarelados, os filhos do Sr. Pereira se mudaram do prédio, a mulher do Sr. Pereira se mudou do prédio, o cabelo do Sr. Pereira se mudou de sua cabeça, o elevador do prédio mudou, os porteiros mudaram, a cor do prédio mudou, o cachorro do Sr. Pereira mudou (o primeiro morreu), mas tem uma coisa que não muda nunca: o assunto do Sr. Pereira ao me encontrar no elevador, e seu ódio constante tanto pelo frio quanto pelo calor. 

Ei, Sr. Pereira, vai tomar no meio do seu cú! Nossa, que vontade mórbida eu tenho de segurar a cabeça dele contra a porta corrediça do elevador quando ele começa a falar do tempo. Infelizmente o Sr. Pereira não é o único. 7 a cada 5 pessoas que puxam assunto falando do tempo o fazem reclamando. Bom, deixa eu falar uma coisa pra vocês, Srs. Pereiras: todo ano vai ter verão, vai chover um monte e vai fazer calor pra carelho, vai ter inverno e vai fazer um frio da porra e você vai ter que aguentar isso, querendo ou não, porque não há nada que se possa fazer para evitar as estações do ano. Toquem a vida, sejam felizes, reclamem de algo em que possamos trabalhar pra melhorar. Enquanto isso não acontece, vão se foderem e não me incomodem com esse mimimi sobre o clima. Obrigado