segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Parque conectivo

 Há um quê de paz na mesmice urbana. Bancos, padarias, semáforos, pedestres, nuvens, faixas, sacolas e loterias. Cópias estáticas que o tempo apenas parece endurecer, em sua grandeza, em sua simplicidade ou perspicácia.


Mesmo nas músicas antigas, repetidas exaustivamente ao longo da fé e do escrutínio básico em self-assessment. Pequenas oportunidades de admirar desde aquilo que perdura, ao que se modifica.


Outras convicções, outro eu. Outras pessoas, outras estradas. Novas mesmices. Velhas novidades.


A boa e velha antítese que se manifesta entre cordéis e poemas infiéis. Ironia do passado. Escárnio espelhado em Narciso sonhado. Só o presente, ineditamente repetitivo.


Carros cinza, pretos ou brancos. Exatamente como a corrente do céu inspirando tratamentos bucólicos. O barraco mantendo o barroco sucedendo a saltitante arcadia. Take me down to the paradise city, where the sky is grey and my thoughts are petty.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Mudanças

Ouvia dizer que rir da própria desgraça demonstrava força mental. O fazia então, pois ainda procurava meu lugar no mundo. Adolescente, 18, 19 anos, mal sabia o que me esperava pela frente.
Ouvia dizer que política e religião não se discute. Mal sabia aquele menino que hoje política tá se discutindo até demais, e Deus tá sendo um constante processo de desconstrução e reconstrução.
Ouvia dizer que só vivemos um grande amor na vida. Descobri então, nos lugares menos esperados, que o amor é oceano, e emana de dentro pra fora.
Ouvia dizer que vegetarianismo era negação da espécie. Hoje, um ato político.
Ouvia dizer, ouvia dizer...

Ainda bem que as coisas mudam. Não mudassem, não seriam coisas, seria outra palavra.
O que antes era só música eletrônica, hoje virou disco, house, lo-fi, deep, prog e etc.
O que antes era "só piada", hoje virou cultura do estupro.
Ainda bem que as coisas mudam.
E o que é hoje, mudará também. Os ciclos se renovam, e praticamente nada na vida remanesce o mesmo.

Ainda bem que as coisas mudam...
Até quando se repetem, elas mudam.

domingo, 19 de julho de 2020

Baile da imoralidade



Amo-te em vestes intocadas
Idolatro-te ao desnudo imaculada
Ondula-se em sinais e frequências
Gês incendeiam meu atento espírito
Rogando ar em tuas palavras doces
Misticismo inafiançável do imaginário lúdico

São,
Reveste-se pois da indomada narcísica
Sorri à relenta ternura
Suspiros aguçados, compassados: um baile!
Um brinde à conversa afrodisíaca
Que emana, encanta e fortifica
Pressurização venosa que se expõe em polvorosa
Na ejaculação da alegria maliciosa

Pureza. Antítese pois se não as ondas existentes apenas por terem base e crina
Há frente, e há por trás
Onde guarda os segredos
Que nem a ferina língua lhe salvará
Terra explorada por bandeirantes
Desbravadores imbuídos de coragem, ternura e paixão
Atormentando superfícies nervosas,
Eclodindo, pulsando, sentindo, emanando, emaranhando, buscando o único e resoluto dueto que todo homem sonha ouvir:
Que. Tesão.

Embeba-se pois de minha virilidade
Através dela que sacio sua umidade
De teu seio a lateral
Com a boca lhe deito todo véu da moral
Conecta-te aos olhos pois os dois sentidos possíveis já lhe fazem ser o que pleiteias ao acordar
Imoral.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Dia dos namoradxs

No meu teclado falta a letra x.

Me perguntei algumas vezes, quantos vocábulos e parálises pretenderia imputar nos escritos que continham esta letra. Alerto, por observação prática, que a maioria destas vem acompanhada previamente de um E. Excessos de explicações e expressões extenuantes.

O paralelo que faço com aquela que é a matéria-prima daquele que escreve. Que deve ou não deve ser expresso, tendo ou não o gabarito, a abertura, o composto. Conto com a possibilidade, através das palavras, palavras, palavras, palavras, como diria Cássia Eller, de exprimir o que bem entender. Bonito suficiente é a tua infinitude interpretativa. Não conto com esta, uma vez que não constitui o meu sonho.

Um dia que supostamente seria aleatório, não fosse o significado capitalista dado. 12 de Junho. Interpelado pelas mesmices anuais. Fotos de casal, rolês no shopping, cinema, jantares, motéis. Ironicamente assassinado pela crise epidêmica. E eis o x da questão.

Me encontro na cruzada entre expressar o que não preciso e viver o que quero. Como se deseja algo por alguém que não se sabe a reação. Como voar se não se sabe onde pousar. Como atirar sabendo que o alvo está se movendo. Incógnito, estranho, incerto. É como pedir um aumento. É como viver. E que diabos a vida quer da gente?

Ironicamente confortável a expressão aqui contida. Desdenhosa de tristezas ou morbidez, afaga com carinho um coração cheio que adora um significado, se entorpece da admiração gigante e mais, compreende. Compreende que amar definha o medo. Amar é coragem. É se estrepar, mas também é conquistar os mais altos castelos, os mais protegidos dragões, ter as maiores e mais belas borboletas a girar em seu sistema digestivo e, finalmente se DESAPAIxONAR. E ri de si pelo x que cá não se capitaliza. Ri de si pela alusão aos contos-de-fada. Ri da própria porcaria literária. Falta de repertório, gorda referência. Referência!

E entende, talvez noutro equívoco, a solidez.
No seio de nossa coisinha, reside o x.
Agradeço, a quem não é mais, por ser mais.

xxxxx xxx xxx xxxxxxxxx.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Irrisória conclusão

Habita em minhas entranhas um duende. Colorido, pequeno, barbudo e gaiato. Parece um gnomo. Ou seria um anão. Uma criatura. Que se desdobra em mil pra denunciar a comédia. Que se encolhe e abraça os joelhos quando a tragédia grita em seus olhos.

Não questiona, apenas reage. O questionamento fica pro que acham que tem que ficar. Tão ricos quanto infindáveis. Traveste-se de ciência, saúde, mas não passa do exercício clássico de dinamizar pensamentos em existência. Tão sem nexo quanto humano.

O pequenino ser se ajusta como pode, mas atira-se ao chão na tentativa de fazer-se atendido. Infantil, quer o que quer, na hora que quer. Faz o que quer. E quando não é atendido, irrita-se, faz manha, tem "tantrums". Surpreende. Me encanto ainda com sua capacidade inata de, ao mesmo tempo que tem de prostrar-se como um pedinte esfomeado, trazer o mundo aos seus pés. E o mundo o responde com amor.

Diria que sábio, sabe que recebe o que promove. E se cansa, chora em seu canto engolindo a dor de estar dado desequilíbrio no dar e receber. Senta-se e contempla a comédia com lágrimas, achando bonito as estranhas formas que o universo pertina nas sinapses aleatórias de que há sim, equilíbrio entre todas as coisas. É como crer na sabedoria milenar, sacra, é como crer em Deus.

Se Deus é como concebido, é inclusive um duende desalmado que habita estômagos vazios.
"Fez o homem à sua imagem e semelhança".
Deus então, hoje
Usa máscara.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Autoignorância

A fumaça daqui não é de fumo,
Mas de incenso

E não tem vinil,
Mas live

Os livros variam entre digitais 
E impressos

Há um charme nas coisas de tempos anteriores
Eu enxergo

Faz tempo
Que não passo mais de uma hora em silêncio

Ouvindo o silêncio
Curtindo o silêncio

Parece urgência ouvir porque posso ouvir
Mesmo podendo escolher se ouço ou não

Faz tempo também que ignoro minha tristeza
Talvez por isso nunca me boto em silêncio

Com outros estímulos, jamais pensarei no que me tomaria tempo
Quando nada mais toma

Talvez por isso eu passe o dia ouvindo tudo,
Sentindo o cheiro

Ouvindo e vendo
Ouvindo e lendo
Ouvindo e teclando

Só faltou ouvir e falar 
E só não falo porque não tem com quem

(O século 21 é assim: tudo chega muito o tempo todo em mim, e nada sai).

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Se eu te visse hoje

Se eu te visse hoje
Te roubaria um beijo
Te leria mais um poema
E falaria qualquer bobeira dele
Só pra te impressionar

Também inventaria um
E te pediria pra cantar as canções 
Perdidas no tempo
Em que não te vi

Se eu te visse hoje
Eu provavelmente faria tudo aquilo
Que eu sei que você quer que eu faça
E te diria
Eu também quero

Eu naturalmente te faria rir
E riria mais ainda
Porque é o que eu faço
Quando mato saudade

Se eu te visse hoje
Talvez não encontrasse motivos pra te escrever
Estaria ocupada demais vivendo
E não sei se isso é bom ou ruim

Se vivo enquanto escrevo
Ou morro cada vez mais
Porque vivo
Só sei que o hoje não te tem 
E eu espero que o amanhã sim.