quarta-feira, 30 de junho de 2010

Canções e Silêncio – Parte II – O Poeta e o Balseiro


A caminhada se inicia.

Por quarenta dias e quarenta noites ando pelo caminho que o Senhor das Viagens me mostrou, passo por campos floridos onde as flores não mais morrem como anteriormente, mas apenas se protegem da tristeza da minha viagem. Encontro campos verdejantes nos quais Zephiro costuma passear, mas sua presença não pode ser percebida. Não o culpo.

Um bosque denso se ergue entre mim e meu destino. Medo é um sentimento que meu coração está ocupado demais para sentir. Pisar nas folhas mortas faz um ruído tenebroso neste lugar, parece que tudo ao meu redor me rejeita.

Neve começa a cair. O vento frio ao passar por mim se torna ainda mais frio e a paisagem que anteriormente tinha carvalhos e figueiras, agora tem pedregulhos e um tipo de areia cinza. Tenho certeza que estou chegando ao encontro de meu atravessador.

Um pequeno caminho leva até a entrada da caverna que leva às margens do Rio Estige.

Não demoro muito até encontrar o tão famoso rio, possuidor de mistérios insondáveis e seu balseiro, que compartilha da mesma fama.

Caronte é um homem magro, com as marcas do tempo escritas em seu rosto e corpo coberto por farrapos. Está agarrado ao remo que utiliza para guiar a balsa, esperando por almas recém chegadas ao pós-vida. Pelo menos foi esta a forma que escolheu se mostrar para este pobre poeta.

“Quem vem lá?”

Branda Caronte com uma voz sombria que lembra um coro de aflitos.

“Sou Orpheu, filho de Morpheu, poeta e sofredor, preciso que me leve até o Hades ó atravessador do Rio dos Mortos.”

“Por uma moeda levo-te até as sombras mais profundas do Hades, filho de Morpheu”

Aproximo-me dele e retiro uma moeda de minha bolsa e lhe entrego.

Ele não esboça reação alguma a minha presença, não sente dor ou frio. Nada.

“Essa moeda não serve.”

“Como não?”

“Ela me foi entregue pela mão de um homem vivo. E somente o pagamento dos mortos são aceitos aqui.”

“Acredite ó Senhor do Caminho das Trevas, se fosse possível eu já estaria morto agora mesmo para poder estar em companhia de minha amada. Mas por ser filho de um Deus, a dádiva da morte não me foi concedida”

“Sinto muito Orpheu mas não posso permitir que entre no Hades. E não entendo porque alguém em sã consciência desejaria ir até aquele lugar. Sem querer ofender fossa divindade, mas este caminho só foi trilhado até hoje por mortos, loucos e heróis em busca de glórias. E o senhor aparenta não se encaixar em nenhuma dessas categorias.”

“Você está certo Barqueiro, não me encaixo em nenhuma dessas classes. A classe que me encaixo mistura as três que me apresentou mas não é realmente nenhuma delas.”

“E qual seria então?”

“Amante.”

“Amante!?”

“É, ao encontrar o amor de Eurídice, morri para o mundo profano e a nova realidade que provei seria classificada por loucura por qualquer um que nunca tivesse bebido das águas do amor, e agora, sou apenas um semi-deus, que busca reencontrar a glória perdida. Visto que minha amada me foi tirada de forma prematura e ignorante.”

“Suas palavras são belas Rei dos Poetas, mas desconheço o assunto do qual elas tratam. Estou confinado a fazer este trajeto desde que a primeira criatura foi moldada do Caos na criação e estarei ainda aqui para levar a última quando tudo retornar ao Caos. Como posso compreender o “Amor” se nunca poderei sair daqui? Como posso me condoer por sua sina se este tipo de dor nunca me será afligida?”

“Estas palavras que acaba de proferir estão repletas de sentimentos diversos, posso ver dúvida, rancor e inveja no que diz. Mas percebo mais coisas do que o que me foi dito. Vejo que por não ter recebido uma explicação do que sente, acredita não sentir. O sentimento que o Senhor afirma tão categoricamente desconhecer é o que o faz continuar com o seu trabalho todos os dias. Se não amasse o que faz, se não amasse cada um dos mortos que carrega, você não continuaria fazendo o que faz a tanto tempo, porque por mais que você relute em aceitar, sabe que és livre para parar. Suplico para que me deixe atravessar, pois meu sentido de existir se encontra aprisionado nas profundezas do Hades e somente você pode me ajudar neste momento.”

“Jovem poeta, o que acabou de dizer me deixa profundamente irritado. Por sua insolência... e principalmente por fazer sentido... Permitirei que atravesse o Rio dos Imortais, mas não espere que os outros habitantes do Hades sejam tão misericordiosos com você...”

Entro na balsa e navegamos lentamente pelas águas turvas do Rio Estige, após pouco mais de uma hora de travessia sinto um cheiro forte de sangue velho e podridão. Um uivo aterrorizante corta o silêncio das trevas. Deve ser o guardião do Hades. Estou chegando próximo de meu destino.

Fim da Parte II

3 comentários:

Wolv disse...

aeeeeeeeeeee
Ficou bonito vei!!

André M. Oliveira disse...

Parabéns Tarso, mais um ótimo texto.
Aguardamos a próxima parte.

Stéfs disse...

Concordo com o Pikachu...

Cadê a parte três?!

Excelente texto!