terça-feira, 30 de março de 2010

Gosto muito de te ver...

Olá caros leitores e blogueiros de plantão. Hoje, após ler os últimos textos de nosso blog resolvi fazer algo diferente. Ao invés de fazer mais um conto, como tenho feito de forma repetida, e espero que não enfastiante, nos últimos meses. Vou contar sobre um fato que ocorreu e que me levou a olhar para mim e refletir um pouco.



Caminhando por Resende, em direção ao Espaço do Saber, cruzei com uma cena deveras chocante. Um homem retirava ração de cachorro de um saco e comia, enquanto um cão, sentado ao seu lado, apenas o olhava, como se estivesse dividindo o almoço com aquele senhor.

Passei cabisbaixo por ambos. Tentava fazer como a maioria das pessoas e apenas ignorá-los. Mas mesmo meu corpo se afastando, minha mente se fixou ali por um tempo. Pensei em como era injusta a sociedade. Como deveríamos agir perante isso! Como é que alguém podia ignorar... Nessa hora uma bela jovem passou a minha frente e eu pensei: "O que eu estava pensando mesmo?"

Entrei no Espaço do Saber, conversei com algumas pessoas e resolvi aguardar o intervalo entre aulas, para falar com outras. Fiquei sentado em uma mesa conversando com duas moças e azucrinando a vendedora da cantina, reclamando da inflação dos preços.

No meio da conversa vejo o mesmo senhor de antes entrando pelo portão. Desvio parte de minha atenção para ele. Ele traja roupas maltrapilhas e está acompanhado do cão, grande e amarelo, que agora percebo ser "aleijado" de uma orelha.

Me assusto com a sua entrada. Imagino uma triste cena de exclusão. Meninas fazendo cara de nojo. Garotos dizendo palavrões. Homens expulsando o pobre mendigo.

Mas nada disso acontece. O cão senta-se no portão. O mendigo se aproxima e cumprimenta o zelador e a vendedora. As pessoas sorriem. Ele pára e observa deliciado o cão. "Olha como ele é bonito. Forte! Parece um leão. Um cachorro-leão! Gosto muito dele. Posso falar que nem o Caetano Veloso, não?" E dá uma leve risada enquanto vai até uma torneira para pegar um pouco de água.

Neste momento alguns alunos também passam a olhar para o cão. Uma garota se enoja por ele ter apenas uma orelha, enquanto um rapaz afaga a orelha restante dizendo: "Que que tem?"

O mendigo sorri levemente. Toma um ar sério e sai. Já tinha sido muito notado, isso não parecia agradá-lo. O simples movimento do dono faz com que o cão se desvencilhe dos afagos e o siga. O homem sai, pega diversos sacos e vai embora pela rua.

Ele se foi e ninguém disse nada. Ninguém reclamou por permitirem a entrada de um indigente em um ambiente de estudos. Nem pelo cão. Ele passou desapercebido. Isso me deixou muito feliz, pois todos o viram, muitos falaram com ele, mas ninguém agiu como se ele fosse um ser diferente, inferior. Naquele momento ele era mais um ser humano entre outros. Entretanto, isso também me deixou muito triste. Por dois motivos. 1°) É possível que isso tenha ocorrido porque muitos dos presentes estão acostumados com a ideia de desigualdade, e não por não possuirem preconceitos. 2°) Acho que fui o mais preconceituoso dos presentes, pelo menos, fui o que percebeu as diferenças de forma mais evidente. E o mais irônico é que quando esperei ouvir um pedido de esmolas, ouvi uma citação a Caetano Veloso ao mesmo tempo rústica e comedida, mas tão sincera que envergonhou minhas antigas concepções de "ideal poético".

Um comentário:

Stéfs disse...

Como sempre textos interessantes né Pika?!

E acho que estou longe de ser uma boa contista, apenas vou "errando" pra um dia tentar acertar!

Isso que vc narrou em seu texto acontece com praticamente todos nós, o fato de algo que normalmente "incomoda" a sociedade, nos chama a atenção, e aí por um momento passamos a pensar...mas oq podemos fazer para melhorar?! Aí de repente a gente meio que se acostuma com a idéia e deixa tudo como está...será que é o mais certo a ser feito?!
Enfim,bom para refletir!

Beijos!