terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Titanomaquia: Prólogo


O horizonte se enegrece. Por mais uma noite Urano vem deitar-se sobre Gaia a fim de suprir sua sede inesgotável de desejo. A espreita, mantenho os olhos fixos no ser de proporções colossais que se aproxima. Meu entorno é iluminado de forma salpicada pelo reflexo da gadanha diamantina que mantenho firme em minhas mãos. Forjada das entranhas de Gaia, minha mãe, com o mais resistente dos materiais será a arma para o ocaso do império deste ser bestial que aprisionou por ódio e temor seus próprios filhos no ventre da criatura da qual abusa todas as noites.

Todos os outros tiveram medo, todos os demais Filhos da Terra tremeram ao cogitar enfrentar o senhor dos céus... Mas cá estou! Cronos, de arma em punho a fitar meu pai, meu inimigo. Hei de mostrar que quem manda aqui sou eu, e mais ninguém.

Urano se aproxima do leito, mal sabe que nunca mais o fará da mesma forma, pois em sua distração avanço e de um só golpe decepo sua genitália lançando-a ao mar. O urro do Deus veio acompanhado de uma torrente de sangue sobre a Terra, um urro gutural que fez tremer a todos os titãs, exceto a mim. Eu me mantenho de pé, sobre uma rocha e contemplo o tom rubro do qual o céu está tingido e o comparo ao líquido avermelhado que marca o fio de diamante de minha gadanha. Olho a volta e vejo minha mãe, Gaia, satisfeita com o fim de seu martírio e meus irmãos se mostrando timidamente ao mundo.

Eis que dos céus sopra um vento medonho, as nuvens se retorcem em um vórtice cinza-avermelhado e o rosto de Urano brota ameaçador e sentencia: “Filho traiçoeiro, semente malograda, expurgo maldito de minhas entranhas! Cronos, assim como me destituíste do trono do Universo um de tua linhagem o destronará!”.

Então o vórtice se intensifica e desce sobre mim, juntamente com um riso aterrador que mistura crueldade e dor e o mundo se contorce a minha volta... cada vez... mais... rápido...

Cronos acorda de olhos esbugalhados. Novamente as mesmas lembranças atormentam seu sono. É preciso encontrar um meio de inutilizar a prole que advirá de sua união com Réia, a Titânide que escolhera para reinar sobre o universo como sua esposa. Sendo descendente dele esta prole seria certamente imortal, logo aprisionar a todos viria a ser o mais plausível dos planos.

Mas que prisão neste mundo guardaria tão forte descendência?

Enquanto o Rei dos Titãs maquinava a defesa de seu império universal sua esposa Réia dava a luz a sua primeira filha. Uma menina de beleza embevecedora, a quem deu o nome de Hera. Após o parto Réia correu a mostrar a suas cinco irmãs Titânides sua maravilhosa cria. De pele tão sedosa, de olhos tão vívidos, de sorriso tão franco...

Quando considerou que a jovem Hera já havia sido mimada em demasia por suas tias a levou para que Cronos a visse. Réia presenciara a profecia de Urano, e sabia mais do que qualquer outro ser do incomodo que sua gravidez trouxera a Cronos, entretanto era certo que ao ver tão bela criaturinha o coração do Titã se enterneceria.

Sentado em seu trono Cronos vê sua esposa se aproximar com uma pequena criatura envolta em panos. Réia entrega Hera nas mãos de seu pai.

- Veja Cronos, como ela é linda! Olhe para ela e me diga, tal mimo de criatura pode fazer mal a algum ser?

Cronos com o bebê em mãos estava pasmado, com o pensamento longe.

- Olhe para ela! Insistiu a desavisada Réia. – Veja como é fofa, como seu corpinho é delicado. Ela não é uma delícia?

Neste momento um brilho de vivacidade passou pelos olhos de Cronos, Urano errara ao entravar seus filhos dentro de Gaia gerando a ira desta. Ele faria diferente, carregaria ele mesmo sua prole aprisionada, assim olhou para a pequena Hera e concordou:

- Realmente, uma delícia, dá até vontade de morder.

E escancarando a boca engoliu a pequena Hera ignorando os gritos de agonia de Réia. E antes que esta apresentasse uma queixa emendou:

- E que cada um que nasça me seja trazido imediatamente. Isso é para que todos saibam, aqui mando eu, e ninguém mais!


7 comentários:

Wolv disse...

Belo início Pika. Me deixou com muita vontade de ler o restante.

André M. Oliveira disse...

Agradeço o elogio. Farei o possível para que toda terça a partir de hoje a série Titanomaquia tenha um novo texto.
Aguardo a impressão dos leitores.

Unknown disse...

uooow foda foda...
me amarro em contos mitológicos...
ótima releitura, principalmente o inicio, o sonho...

André M. Oliveira disse...

Que bom que gostou Igor. A propósito, estou começando a anunciar a postagem dos textos também pelo twitter @andrem_oliveira, afim de ampiar nossa divulgação.

Wolv disse...

Como te disse por telefone Pika, minha expectativa para esse texto inicial era diferente: esperava que você fosse contar bem do início, do surgimento de Urano e Gaia, que é a parte da estória que eu não conheço.

André M. Oliveira disse...

Bem, e como eu lhe respondi, darei um jeito de resolver isso. Tudo no seu tempo...

Tarso "Carioca" Santana disse...

Mt bom o texto, e acredite se quiser a última parte do "Canções e Silêncio" está em fase de finalização.