quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sentimento




O jovem caminhava apressado para sua casa. Não havia mais o que fazer. Mesmo assim ele se mantinha confuso, ecoavam em sua mente as palavras de ternura da mulher pela qual vinha gradualmente se apaixonando, misturadas ao som áspero do adeus.

Ele se sentia culpado, não por se ter findado o romance, com essa idéia ela já se acostumara. O que o atormentava era a indefinição do que sentia. Não sentia raiva, tudo ocorrera com total coerência, não havia porque se enraivecer. Não estava triste, por mais que previsse as torturas da saudade, aceitara essa condição. Tampouco estava satisfeito, lhe parecia que as estruturas simplesmente se encaixavam formando um novo padrão de forma que o tornava um mero espectador.

O jovem estremece ao girar a chave na porta. Ele ainda não havia entendido por completo tudo o que se passara, sequer se via capaz de sentir algo definível.


O jovem de olhos negros desiludido

caminhava levando ao muro sua mão

como se houvesse um coração empedernido

capaz de frios atos, sem nenhuma paixão.


E lembrou-se do toque suave

dos lábios dela nos dele a roçar.

E refletiu sobre o entrave

que os impedira de continuar.


Viu que racional era sua reposta

bem pensada, há de se convir.

Mas qualquer razão se prostra,

ao sentimento do agora e do porvir.


Sentimento que mescla a paixão nascente,

prematura ainda para domar dois corpos em furor,

com a ternura crescente,

impossível de sozinha se tornar amor...


É, ele não sabia o que fazer. Lembrou-se de uma passagem do Mito de Éros:


Psiquê, a mais bela entre as princesas acordou no que parecia ser o salão de um castelo. Nisso, ao lado dela uma voz suave disse: "- Me acompanhe bela Psiquê, é uma honra recebê-la em meu lar, como esposa".

Inicialmente ela não sabia como agir diante de seu marido invisível, mas gostava do modo como ele a tratava. Um dia saiu do castelo e foi visitar suas irmãs, ao narrar-lhes a história de seu marido que nunca permitia que ela se aproximasse para vê-lo. As irmãs então aconselharam Psiquê a se aproximar do marido a noite com uma vela para enxergar seu rosto, pois, afinal de contas, ele poderia ser um monstro horrendo!

Psiquê assim o fez, durante a noite acendeu sua vela e se aproximou de seu marido que ressonava. Ao Iluminar sua face Psiquê ficou extasiada, diante dela se encontrava Éros, o belo deus do amor. Entretanto ela se distraiu e uma gota de cera caiu sobre o peito da divindade, a qual levantou de sobressalto e sentindo-se traído abandonou Psiquê.


O jovem se sentiu um pouco como carregando uma vela da qual um simples respingo poderia alterar o rumo de sua vida. Mais ainda, sentiu que esse mísero respingo de vela não havia o atingido apenas, mas também aqueles que estavam próximos, mais precisamente ela.


O garoto senta a mesa e afunda em devaneios, em uma miscelânea de paixão, conformismo, afastamento e magnetismo. Respira fundo e olha pro nada, assim enxerga aquilo que precisa, tempo, para mostrar as feridas que ele precisa curar.




3 comentários:

Stéfs disse...

Belíssimo texto Pikachu!
Genial!

Aliás, quase não há mais novidade nisso, afinal de contas vc SEMPRE escreve muito bem!

Parabéns - mais uma vez!-

Beijos!

Oliveira disse...

lindo de todas as formas que poderia ser... Você sempre consegue deixar as palavras mais doces e mias bonitas, irei sentir mt falta disso! :/

Wolv disse...

Velho, me amarrei demais no poema inserido, tanto na idéia de misturar as coisas - já que a vida é assim mesmo, um mesclar de razão e sentimento - como no próprio poema em si.

Sempre bom ler você po aqui.