terça-feira, 26 de outubro de 2010

Desejo



Arrasto a bagagem preguiçosamente terminal a dentro, estou adiantado. Gostaria de ter algo para ler, a fim de aproveitar o tempo. Todos a minha volta parecem sonolentos. Suponho que a maioria das pessoas não se anime ao acordar cedo para viajar de ônibus. Eu não me animo, se houvesse outros horários certamente escolheria o mais tardio.
Sigo para a plataforma de embarque. Melhor esperar no local onde a condução irá parar. No caminho passo em frente à lanchonete da rodoviária. Olho de relance, entre o amontoado de pessoas que tentam ser atendidas há uma garota, a qual me parece muito bela, por sinal.
Continuo andando, me arrependo por não ter parado por um momento, não consegui olhar bem para o rosto da garota. Agora é tarde, paciência.
Sento-me em frente a plataforma de embarque ao lado de uma das pilastras da rodoviária, olho no relógio. Ainda restam quinze minutos para o horário do ônibus chegar.
Começo a acreditar que será uma viajem extremamente chata. Olho em direção ao saguão e para minha surpresa a garota da lanchonete reaparece portando um salgado e um refrigerante, agora vejo que é realmente bela. Se ela se sentar próxima de mim falarei algo, tentarei manter uma conversa... Mas, ela passa direto e vai se sentar um pouco mais adiante. Do outro lado da pilastra de concreto.
Unn... Eu poderia ir me sentar ao lado dela, mas considero que abordar uma pessoa para um diálogo enquanto a mesma está se alimentando é uma atitude deveras mal educada. Também não posso ficar me esticando para frente da pilastra. Seria uma atitude muito evidente, além do que, todos em volta perceberiam.
Enquanto decido o que fazer meu ônibus entra na plataforma e estaciona. Arrasto minhas malas para serem guardadas no bagageiro. Após este procedimento entro no ônibus. Olho o canhoto da passagem em minhas mãos, ”Nº 25” é a minha poltrona.
Enquanto busco meu lugar uma surpresa. A jovem está no ônibus, provavelmente entrou enquanto eu enfrentava a fila do bagageiro. Ela está na poltrona de número vinte e um. Precisamente em frente a minha. Enquanto coloco minha bagagem de mão no compartimento acima de minha cabeça consigo contemplá-la com certa calma. Ela olha pela janela, seu cabelo é castanho e liso, está cortado na altura dos ombros, o que dificulta minha visão de sua face. Mesmo assim posso perceber o contorno suave das maçãs de seu rosto, assim como o volume sutil de seus lábios.
Não há ninguém sentado ao lado dela ainda. Restam muitas pessoas para entrar. Posso me sentar ao lado dela e começar a conversar, quando o dono deste lugar chegar ofereço o meu. Não há problema algum nisso, imagino.
Mesmo assim, sento-me no lugar demarcado pela minha passagem. Também na janela, só que atrás dela. Outra pessoa ocupa o lugar ao lado da jovem.
A viagem começa, ela contempla a avenida através do vidro com um olhar triste. Melancólico.
Gostaria de falar com ela, mas não me agrada a idéia de ser uma “Voz do banco de trás”. Seria incômodo a ela ter de ficar retorcida no banco apenas para falar comigo.
Pelo reflexo do espelho consigo ver seus olhos. São castanhos. Fascinantes. Distantes.
Vai ser uma longa viagem... Se ao menos eu estivesse ao lado dela, e não atrás.
Durante todo o percurso presto atenção aos menores gestos, na esperança de que ela tenha percebido minha presença. Mas não consigo sequer um sorriso.
Desço no terminal de destino. Ela saiu na minha frente. Enquanto recolho minha bagagem penso que nunca mais a verei. Foi uma pena não ter falado com ela, agora preciso ir ao guichê comprar minha passagem de volta.
Surpreendentemente não há fila para a compra de passagens, há apenas a bela jovem que contemplei por toda a viagem comprando sua passagem de volta. Me aproximo, ela já com a passagem em mãos abre espaço para mim sorrindo educadamente e depois segue seu caminho.
Peço minha passagem. A atendente pede para que eu escolha a poltrona indicando uma tela de computador com a numeração das mesmas. A única que já está marcada é a poltrona de número vinte e um. A dela. Posso escolher qualquer outra.
Penso um pouco e não resisto:
- Poltrona número vinte e cinco, por favor.

3 comentários:

Unknown disse...

mano... já comecei me identificando muito... melhor que música, pra distrair numa viagem é ficar imaginando possibilidades, coisas que poderia ou poderá fazer...
e quando o texto ia acabar caindo numa monotonia vem esse final... pqp... curti muito ele, bem ultra-romantico, do caralho... juro que fiquei sorrindo quando acabei de ler imaginando porque nunca pensei nisso...
muito bom mesmo...

Wolv disse...

PUTAQUEOPAIRIU, PRA FORAAAAAAAAAAAA!!!!
O texto ficou bacana. Não gosto da atitude do personagem, mas a entendo perfeitamente.

Stéfs disse...

PUTA MERDA MANO! hahahaah

Que texto bom André!
Impossível vc querer se aposentar como poeta/escritor!

Amei o texto! Simplesmente envolvente, cativante e surpreendente!

Tive a mesma reação do Igor ao final do texto, um belo sorriso no rosto!

Não sei como dizer o quanto eu curti o texto!
Parabéns como sempre!