quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Canções e Silêncio – Parte III – O Instrumento de Moros



Reza a lenda que as trevas nascem nas mais profundas cavernas do Hades.

Até agora não estou convencido do contrário.

Após deixar o barqueiro tenho caminhado nas trevas sem fim, o tempo se tornou algo no qual não tenho mais tanta certeza existir por aqui. Até o som dos meus passos se perderam nesse lugar sombrio.

Érebus está me seguindo em minha jornada.

O uivo que a momentos atrás me aterrorizou agora é o meu guia para o encontro com minha amada.

Seis orbes vermelhos flutuam nas trevas, dançando de forma frenética aos pares. Ao me aproximar mais vejo o que eles realmente são...

Cérberus...

O terrível cão tricéfalo, guardião da entrada do Hades, continua com sua missão. Ele se encontra sempre em posição de ataque, sobre uma pilha de ossos e carne em putrefação. Sua coleira é feita de serpentes e a corrente que segura sua fúria é feita de pobres condenados costurados em eterna agonia.

Seu papel aqui é impedir que os vivos entrem no mundo dos mortos e punir eventuais desavenças de Hades.

Argumentos de nada valeriam contra a besta, por isso começo a cantar e tocar com minha lira. No início os latidos e uivos ensurdecedores da criatura parecem abafar o som de minha música, mas devido a distancia que a corrente tem, posso tocar minha musica em segurança.

Com os acordes de minha canção o Hades fica ainda mais sombrio e frio, o terrível Guardião não é mais tão aterrorizante, agora não passa de uma criatura que não sabe o sentido de sua violência e teme o que pode fazer a si mesmo e aos outros.

O eco da canção chega rapidamente às profundezas do lugar onde estou, e tamanha agonia tocada de forma tão deliciosamente triste parece incomodar até os habitantes mais tenebrosos deste lugar.

Escuto o bater de asas se aproximando. Se bem conheço as histórias deste lugar, acho que outro dos psicopompos será meu anfitrião na Mansão dos Mortos.



“Pare poeta, antes que todos aqui sejam congelados com sua música.” Diz Thanatos, a personificação da morte. “Hades deseja vê-lo, e o Senhor do Além Vida não gosta de esperar”.

Thanatos se mostra como um homem jovem, com belas asas brancas, sua presença é reconfortante, ao contrário do que imaginava.

Mas um turbilhão de sentimento que atinge quando lembro que foi ele quem levou minha amada até este terrível lugar.

“Quero saber por que fez isto contra minha doce Eurídice, Mestre da Morte.”

“Não fiz mais que meu trabalho triste poeta”

“Você não sente nojo de si mesmo? Como pode ser o arauto da dor? Aquele que faz a palavra saudade ser dita de forma mais triste, seja em canções ou em sussurros! Minha amada estava na flor da idade quando suas garras sinistras a arrancaram do mundo superior! Odeio-te com toda a força que ainda existe dentro de mim!”

“Se cada vez que alguém praguejasse contra mim uma alma fosse salva do Hades, não existiram mais pessoas aqui.”

Disse com a voz tranqüila e continuou ainda no mesmo tom.

“Sou apenas um instrumento da vontade dos Deuses e dos homens, sou o mais humilde dos seres Imortais, pois atendo do mais rico e virtuoso Rei ao mais sujo e cruel ladrão da mesma forma.”

“Sou um instrumento de Moros, o Destino.” – Diz sem demonstrar orgulho.

“Seu ódio é inútil contra mim, pois me odiar seria como odiar o punhal que perfura o peito ao invés do assassino que tem a intenção.”

Por mais que odiasse a idéia, ele estava certo.

“Então vamos, me diga ó Senhor da Última Viagem, me diga quem levou a vida de minha amada e terá o meu perdão?”

“Pobre sofredor, se dissesse a cada um que me faz este tipo de questionamento a resposta verdadeira, o mundo cairia no mais profundo caos e a vida de todos os seres seria colocada em risco. Sinto muito poeta, mas prefiro que caia sobre mim o ódio de todos os homens”

Nem mais uma palavra foi trocada com meu guia.

Durante o caminho até a Mansão vejo que minha música fez mais estragos do que previa, Sísifo está chorando enquanto deixa sua pedra de lado, Prometeu não está mais sendo devorado, mas sua posição atual não pode ser classificada como confortável.

Muito mais coisas poderiam ter sido vistas, se minha ânsia por reencontrar Eurídice e o ódio por Thanatos não desviassem minha atenção.

Chego finalmente ao meu destino.

A Mansão dos Mortos é gigantesca, seus muros exteriores guarnecem um jardim de beleza horripilante, com fontes que jorram sangue e rosas negras por todos os lados.



Thanatos fica parado em frente ao portão exterior e aponta em direção a Mansão.

Entendo a mensagem e continuo.

Do portão exterior pensei que a casa fosse feita de uma madeira ou mármore vemelho escuro quase negro, mas de perto posso ver que a construção é revestida de pele pintada com sangue velho. O cheiro é peculiar. Não sinto aroma de podridão, mas o ar tem cheiro de sonhos inacabados e promessas não cumpridas.

Logo no saguão de entrada uma mulher vestida de preto me aguarda. Entendo agora porque Hades quis roubá-la, Perséfone é realmente linda, mas sua beleza não tem em mim o mesmo efeito que teve em Pírito, e espero não compartilhar do mesmo fim que aquele pobre infeliz.



“Não posso dizer que sua presença é bem-vinda no Hades, ó filho de Morpheu” – Diz a rainha do Hades

“Também não estou satisfeito de estar aqui, mas minha estadia será breve, se assim seu esposo permitir”

“Isso será discutido em breve”

E após dizer isso sobe as escadarias que levam até um enorme salão onde sentado em um trono de marfim está me esperando o soberano absoluto do Hades.

Fim da Parte III

4 comentários:

Stéfs disse...

Aiii que raiva!!
Esse texto n acaba nunca?!

É muita expectativa!
Assim não dá! rs!

Excelente texto!
Cada vez melhor!

Continuo ansiosa pelo final!

André M. Oliveira disse...

Muito bom Tarso, aguardamos o restante.

Está se especializando ein meu jovem... parabéns

Wolv disse...

oh, você vinah fazendo um trabalho interessante, mas devo dizer que este último aqui me parece ter sifo feito com mais ciodado. Tá ficando muito bom. ;)

Unknown disse...

agora é esperar chegar o semestre que vem para a próxima edição =/
tá muito bom, mas o melhor é ter que ler todos de novo toda vez que posta um novo, não foi ironico HUAUHAUHUHAUHAUHA