domingo, 12 de setembro de 2010

Histórias de ninguém

A cidade é bela quando você olha de cima. Qualquer coisa pode ser bela se você olhar de longe.

É o ano de 2010, estamos no outono, um outono sem folhas caindo ao sabor do vento, um outono tropical.

A cidade? Bem, essa cidade é maravilhosa nos lábios de poetas desavisados, mas é tenebrosa aos olhos de crianças famintas nos sinais. Estou no Rio de Janeiro. E há muitos lugares bem feios olhando de perto.

Através da respiração sinto o dinamismo dos carros a minha volta no momento em que o sinal abre. A cidade pulsa, enquanto caminho por suas veias. Junto comigo outros seis milhões de habitantes a fazem pulsar. Paro, respiro e lembro. Lembro que a parcela da população que sustenta com seu suor o pulso é vista como um câncer, o qual deve ser expurgado, esterilizado,afastado, periferizado...

Entro em um Shopping, estaciono o carro e caminho um pouco pelos corredores. Olho para as lojas desiludido com o que buscam as centenas de individuos que vejo. Mulheres que buscam formas de acentuar a beleza de um corpo perfeito que esconde uma alma podre, homens que usam dinheiro para mostrar seu poder aos demais, e assim continuarem a acreditar que detém tal poder, crianças que choram enlouquecidas por coisas que não desejam, apenas pelo prazer de ganhar, mesmo que com expressões frias, um carinho dos pais.

Deixo este antro da modernidade caminhando, irei andar um pouco a pé, lentamente, para olhar melhor, mais de perto, a cidade. Hoje tenho um pouco de tempo.

Não foi preciso caminhar muito para ver situações diversas. Homens e mulheres desesperados vendem futilidades por migalhas da riqueza imperial da cidade. Pelas janelas dos carros são lançados os pedaços de pão deste grande circo. Em uma barraquinha modesta há um homem com apenas uma nota de baixo valor nas mãos, ele olha para uma pequena tiara infantil. Seu olhar denuncia insegurança, ele sabe que não tem dinheiro para a tiara e para a janta, sua filha irá entender... Ele vira as costas e sai cabisbaixo, na capital do Império a plebe não tem direito a beleza, se a pobreza se torna bela, ela se torna mais simpática, e mais perigosa, deixe-mo-la imunda e detestável.

Volto ao estacionamento, pego meu carro, hoje vou trabalhar em Niterói. Vou para a ponte, pego um congestionamento no Vão Central, sorrio e olho a cidade, para vê-la de longe, novamente bela.

3 comentários:

Stéfs disse...

Simplesmente sem comentários!
Que texto bom!!!!

Acho que outra pessoa não poderia descrever com tamanha maestria tal paradoxo que a vã (e pagã) cidade vem nos apresentar!

Claro que este "privilégio" não é só dela, mas em especial por ser tão bela clama por um punhado a mais de atenção.

Sendo assim termino este breve comentário preferindo também me afastar para de longe contemplar este seu belo linguajar!

Wolv disse...

mais um parabéns pra sua coleção, Pika!
hahahaha
ficou bacana mermo

Marcionília disse...

Não sei por que mas ainda consigo me surpreender com seus textos muito bem redigidos.
Parabéns!?! Acho que é uma palavra muito simples e "batida" mas é a unica que meu limitado vocabulário me permite dizer para expressar o quão maravilhada e feliz fico com suas palavras carinhosas e críticas. Parabéns!
Fique com Deus.

beijOs