domingo, 4 de julho de 2010

Ilusão

Após um dia estafante ela chega em casa. Seu filho está em um canto, quieto, contemplativo. Ela o olha com ternura e diz:


"O que está fazendo, meu filho? Venha para cá, e diga para mim qual o problema."


"Mãe... o que aconteceu com o papai?"


Já há algum tempo ela temia essa pergunta. Como contar a seu filho, ainda tão jovem, o que aquele cão desalmado havia feito a seu pai? Ele não precisava de mais dor em uma existência já tão árdua. Mas ela não tinha palavras para respondê-lo. Sempre que pensava no assunto vinha-lhe a mente a imagem de seu esposo sorridente, indo para sua tarefa diária de catador de lixo, afim de conseguir o alimento da família. Em resposta a seus devaneios vem a voz do jovem...


"A vovó disse que o papai virou um anjo... Mãe, isso é verdade?"


"É sim meu filho. Seu pai virou um belo anjo!" Ela não sabe se é capaz de evitar as lágrimas que ameaçam brotar de seus olhos.


"Mãe... Como é que é um anjo?"


Ele a interpelava serenamente. Seus olhinhos redondos e atentos a fitavam com uma confiança inigualável a espera da resposta. Mais tranquila ela aconchegou o corpo do filho junto ao seu e explicou:


"Um anjo é como você, possui esse rosto lindo, essas orelhas, o mesmo torso, membros e as demais feições semelhantes, só que com asas! Capaz de voar pela imensidão do céu, de onde cuida de nós, humildes criaturas desta vastidão chamada mundo."


"Então o papai está voando?" A voz do pequeno ser saiu abafada, um murmúrio quase inaudível.


"Sim, ele está."


"Deve ser bom voar, espero que ele aproveite, mas não se esqueça de nós."


"Ó, ele não vai se esquecer, garanto que sempre que possível ele estará por perto, vigiando nossos passos."


"Ele vai voltar?"


Com o coração em pedaços a mãe responde: "Não meu filho, seu pai pertence a um mundo superior agora, ele só pode nos ver de longe. Agora vá dormir, certo? Boa noite."


Ela se virou sem beijá-lo ou abraçá-lo, se o fizesse não conteria a emoção.


Ele ficou quieto. Pensativo. Não conseguia dormir, até que ouviu o ruflar de asas. Lentamente se esgueirou até a abertura que dava para fora de sua moradia e olhou. E na luz da lua pode ver um ser alado semelhante a si, cortando o céu em vôos ligeiros. Contemplou extasiado até a entidade desaparecer por entre uma região escura. Respirou fundo. Seu pai o havia visitado.


Assim ambos ficaram felizes, tanto o rato que fora dormir, quanto o morcego que encontrara uma árvore para servir de abrigo.





5 comentários:

Taíla disse...

Muuuito bom! Sabia que acabar saindo alguma coisa boa daqueles devaneios!!

Tarso "Carioca" Santana disse...

Parabens Pika! Conseguindo sempre supreender, por isso que me orgulho em te ter como amigo!

Wolv disse...

Veio... ocê tem uma criatividade ímpar!!
Muito bacana, comovente, e cômico. Parabéns

Stéfs disse...

Como sempre sensacional né Pika?!

Muito muito bom mesmo!
Confesso que no começo do texto eu tava ficando emocionada! haha

Que dom ein?!
Parabéns!

bjs!

Anônimo disse...

bom texto. parabens
eu saquei que era um rato e nao um ser humano.