terça-feira, 27 de abril de 2010

Se dói... goze a dor


Fachos tremeluzentes... muitas vozes. Desamparo.....

Abro os olhos saindo lentamente deste estado letárgico. Me espreguiço, olho envolta. Estou na sala de espera de um hospital. Sinto minha garganta seca, como se estivesse a espera de algo muito ruim. Mas é pior.

Caminho por entre as paredes brancas, encardidas pelo tempo. As paredes que de tão brancas se tornaram facilmente cinzas. Lembro-me dela. Sempre que olho para algo melancólico me lembro dela. Por isso as últimas semanas têm sido um turbilhão de lembranças. Fecho os olhos já sabendo o que vou encontrar...


O céu devia estar azul, a grama devia estar verde, o mundo devia estar em cores... mas estava em preto e branco. A única cor que eu via estava naqueles olhos e no brilho ofuscante daquele cabelo que envolvia seu rosto triste. O rosto dela. Aquele dia devia ser perfeito... Tantas coisas deviam ser naquele dia. Mas não eram, não foram, não seriam!

Eu sabia que havia sido um erro com ela, mas não havia como voltar atrás, estava feito. E agora, eu esticava os braços sem senti-los, eu a abraçava mas a percebia distante. Depois daquele dia ela se foi.

Que se dane!


"Ó ingênuo pensamento,

de nova vida estandarte,

da luxúria acolhimento!

Dos meus males grande parte.


Ó reflexo insensato,

paradoxo do amor,

já que aqui nada é barato,

se dói... goze a dor!"


Afinal, a vida é ou não um fruto que merece ser devorado? Pois então, carpe diem! E a vida continuou, mais intensa do que nunca! Mas a cor daqueles olhos continuou em minhas lembranças. Então, resolvi retirar a força! A força de outros olhos, os primeiros que olhassem pra mim. Isso foi a nove meses. Neste meio tempo já fui ameaçado juridicamente, já me irritei e me preocupei.

E já rememorei isto incontáveis vezes.


Ainda estou olhando para uma parede branca, encardida pelo tempo. Ainda há uma lâmpada com mal contato tremeluzindo acima de mim. Várias lâmpadas tremeluzem pelo corredor. Estou na maternidade sentindo nojo, pena e desamparo. Nojo de uma mulher da qual preciso me esforçar para lembrar, a qual dará a luz uma criança. Desta criança sinto pena pelo futuro mórbido que de uma forma ou de outra a aguarda. E me sinto desamparado, um tanto quanto irritadiço, pensando "sendo meu este filho, terei um filho de uma prostituta."

Esmurro a parede... "Se dói... goze a dor!"




Um comentário:

Wolv disse...

Boa Pika!
Gostei muito da tua interpretação.