quarta-feira, 7 de abril de 2010

Albtraum




Levanto os olhos. Da terra negra brotam ossos e carne humana. De cada saliência nas paredes escapam gemidos indecifráveis. Estalactites de aço recobertas de sangue escapam do teto desnivelado e sombrio. Caminho um pouco e passo para outra câmara. Um muco sangrento escorre pela passagem da qual me utilizei silenciando os gemidos. Fecho os olhos. Tudo que ouço é o grito ensurdecedor que conhecem como silêncio. O tempo passa. A eternidade passa. Tudo passa. Sem sequer um segundo passar. O chão desaparece. Eu estou caindo. Tento gritar mas não consigo. A minha frente surge um rosto. Sua pele é queimada. Seus olhos e seus cabelos desgrenhados são negros. Sua arcada dentária inferior é saliente, como se estivesse fadado a sorrir eternamente diante das cenas de terror daquele lugar. Ele me olha e grita: "Por Deus!"


Sento-me em minha cama. Estou suando. Detesto ter pesadelos. Levanto e dou voltas pelo quarto. A estranha criatura mencionou Deus... Paro diante da estante e passo os dedos por sobre alguns livros. Mahabharata, Bíblia, Rig-Veda, Torá, Alcorão, Kitáb-Aqdas... Mas... Qual Deus??


Desisto de entender. Resolvo esquecer. Vou até a sala e ligo a televisão. Está passando uma reportagem sobre como o exército brasileiro agiu heroicamente em sua última investida contra as organizações criminosas das favelas do Rio de Janeiro.

- "Capitão Avelar, muitas organizações defensoras dos direitos humanos estão acusando o exército de ter realizado um massacre e não uma operação militar. Algo a declarar?"

- "Realizamos nosso trabalho senhorita. Defendemos a população. As mortes foram necessárias, estes que nos acusam são uma minoria, a sociedade sabe que fizemos o certo!"

Mudo de canal. "Filha assassina pai alcoólatra que espancava mãe". "Estuprador é linchado no meio da rua". "Padre pedófilo é brutalmente assassinado dentro de sua igreja."


Respiro fundo. Vou até o espelho e confiro o curativo de meu nariz. Volto para a cama. Meus pesadelos são mais acolhedores que a realidade.

4 comentários:

Stéfs disse...

Já disse o quanto eu gosto de ler seus textos?!

Mais um pra lista dos "sensacionais"=D!

Gostei muito da descrição do pesadelo, ficou bem interessante!

Parabéns;)

Wolv disse...

Véééééi!!
Brutal!
Massa demais. Nem sei o que falar.

Wolv disse...

O que significa albtrum?

André M. Oliveira disse...

Albtraum significa algo como o que chamamos de pesadelo, em alemão, só que não posso dizer que seja uma tradução direta, pois a língua alemã diferencia muito da nossa. Vou tentar dar um exemplo do que quero dizer. Vejamos este poeminha:

"Ich gehe durch die Gassen der Welt.
Mein Fleisch geworden vor Angst kalt!
Ich und du, und diese Lücke zu vergessen.
So ist das Leben, dieses schöne Albtraum!"

Traduzindo...

"Eu caminho pelas vielas do mundo.
Minha carne virou pedra pelo medo!
Eu e tu, e este abismo tão profundo!
Essa é a vida, este belo pesadelo!"

Para tornar este poeminha exemplo estruturalmente audível em alemão tive que alterar seu significado, trocando a idéia de "abismo profundo" por "abismo esquecido" (Lücke zu vergessen), pois não encontrei expressão que tranpusesse com perfeição "abismo profundo" para o alemão.

Ok?