terça-feira, 24 de julho de 2012

Um tipo de tristeza ou Fragmento noturno



O que mais me fascina no Jazz é sua capacidade de transmutação.

Um bom jazzista pode tocar a noite inteira, diversas músicas e você nem notar quando ele trocou de música.

Você sabe que a música que está tocando não é mais aquela que estava tocando a tempos atrás, mas não consegue dizer exatamente quando a música mudou.

A vida é muito parecida com o Jazz nesse sentido.

As mudanças são claras, no entanto, é extremamente complicado dizer quando ela se transformou nisso que estamos vivendo.

Penso nisso enquanto olho pela janela do carro e escuto Miles Davis no meu player.

A música sobe pelos fones de ouvidos e invade meu cérebro.

Kind of Blue - A obra-prima do Jazz e quiçá de todas as formas de músicas que o homem já criou.


Dizem que as guerras são ganhas antes da primeira batalha começar e é exatamente isso que acontece com esse disco. Antes de ser tocado o primeiro acorde, todos já sabiam que esse seria o melhor disco da história.


Miles Davis, John Coltrane, Cannonball Adderley, Bill Evans, Wynton Kelly, Paul Chambers e Jimmy Cobb, juntos formam a banda dos sonhos de qualquer amante da boa música.


Além do deleite que esse disco me proporciona, ele me permite pensar.


Pensar na vida com uma música instrumental de qualidade é o que separa os homens dos garotos.


O entrelaçamento complexo de notas, acordes e harmonias, sem a imposição da letra, permite que mergulhemos profundamente dentro de nós mesmo.

E quando estou penetrando lentamente neste reino etéreo, que meu olhar perdido encontra a lua e a vê amarelada e apática iluminando opacamente a cidade que fica se estende por muitos quilômetros aos seus pés.

A lua já foi alva e brilhante, mas a poluição que a cidade foi cuspindo aos céus deixou-a desse jeito.

Os mais antigos faziam versos que exaltavam sua pureza e a mendigavam por toda a noite um pouco do seu brilho para poder entregar as suas amadas. O que será que eles falariam para ela quando a vissem agora?

Os carros passam rápido, eu passo rápido.

O caminho para o interior é longo e cheio de curvas. A cidade vai ficando para trás e o verde começa a tomar conta da paisagem.

Acendo um cigarro para ajudar a me manter acordado.

Ela detestava quando eu acendia um cigarro perto dela, dizia que iria estragar o meu sorriso e que alguma doença sinistra ia pintar de preto meus pulmões antes que eu completasse trinta anos, em contra partida eu prometia para ela que na semana seguinte iria parar.

As semanas foram passando eu não parei, até que chegou um dia em que não precisei mais dar desculpas.

Também já passei dos quarenta e ainda não tenho sinais de nenhum pintor maligno morando em meus pulmões.

Não sei porque essas ideias me lembraram os Stones.

Devo admitir que meu sorriso ficou um pouco amarelado, mas ela também não liga mais, quem ligaria?


A versão alternativa de Flamenco Sketches vai terminando, junto com meu cigarro, e desligo player


Agora deixo apenas o barulho do vento noturno embalar meus pensamentos.


Ele e o azul escuro da noite serão as únicas coisas que iram me fazer companhia, pelo menos, até o final dessa viagem.

Um comentário:

Icaro Pupo disse...

O Jazz é a velocidade do pensamento, é o turbilhão de idéias numa sopa criativa e ao mesmo tempo calmante, opa, isso tbm parece com a vida...