quinta-feira, 2 de junho de 2011

Conto de uma noite sem estrelas


Rafael olha para o espelho consternado. Por que ele não conseguia ser mais ativo, mais... Ele sequer sabia o que queria ou precisava ser para se sentir melhor. Olhava agora para seu próprio rosto abatido pelo dia de trabalho. Novamente não conseguira falar com Elisa. Sua falta de atitude já estava deixando-o louco.

O que se passou foi o seguinte. Rafael trabalha como advogado em uma corretora e se apaixonou perdidamente pela nova gerente de marketing, a já citada Elisa. Assim, ele decidiu que na primeira oportunidade ele se aproximaria. Era fácil, “É só agir naturalmente” dizia para si mesmo. Infelizmente nosso amigo parecia ignorar a incompletude da natureza humana que impede a existência de um “modo de agir natural”.

Rafael a via quatro vezes por dia. Quando ela chegava ao trabalho e ia para o escritório, quando saia e voltava do almoço, e quando ia embora do serviço. Os superiores de Rafael não cessavam de elogiar o compromisso dele com a empresa, de uns tempos pra cá era sempre o primeiro a chegar e um dos últimos a deixar o local. Entretanto não deixavam de ressaltar que essa disposição não era acompanhada de um desempenho semelhante. Rafael vinha se mostrando distraído. Uma pena.

Todas as manhãs, por volta das 8:30h ela saia do elevador e caminhava em direção a seu escritório. Sempre impecavelmente vestida, cabelos negros, não muito longos, rosto fino e bronzeado. Como ela arrumava tempo para se bronzear?

Ao vê-la entrar Rafael pensava no que poderia acontecer. Um dia percebeu que ela poderia vir pedir-lhe uma informação sobre a empresa. Será que ele parecia um homem mais experiente e confiável a ponto de virem pedir-lhe uma informação? Uma vez ele ouvira que homens com barba expressam mais confiança. Seria uma boa ideia deixar a barba crescer um pouco. Um advogado precisa expressar confiança.

O horário de almoço é entre 12:00h e 13:30h. Enquanto Elisa não sai Rafael sempre tem algum trabalho urgente a fazer. Normalmente ela sai passa por ele e não o nota. Rafael já leu que uma boa gravata faz qualquer homem ser notado.

Elisa sempre volta do almoço com um suco ou refrigerante em mãos. Se um dia ela derramar esse suco uma pessoa que tenha um lenço a oferecer pode se aproximar tranquilamente. Rafael sempre achou lenços muito uteis.

O horário de saída é 17:30h. Dependendo das dificuldades do departamento de marketing Rafael sai muito atrasado da empresa. Ele poderia pegar o mesmo elevador que ela. Mas as pessoas poderiam falar, e esse tipo de situação é muito embaraçosa no trabalho. Se ele saísse um pouco na frente, ela que entraria no elevador com ele. Se algum dia ela entrar no elevador depois dele com certeza ele a convidará para sair. Rafael viu em um filme que, para convidar uma mulher para sair, o ideal é que se esteja trajando algo mais jovial.

Esse é o cotidiano de Rafael. Seu trabalho se tornou uma torcida para que alguma dessas inúmeras oportunidades surja.

Mas hoje, algo inesperado aconteceu. Às 9:30, completamente fora do horário padrão, Elisa saiu de sua sala como que procurando algo, parou diante da mesa de Rafael, sorriu e disse:

- Olá, bom dia. Acabou o papel da minha impressora, o senhor poderia me arranjar algum?

Rafael ficou estático e só conseguiu responder:

- Papel..?..

Elisa olhou para o sujeito a sua frente, com a barba por fazer, uma gravata roxa com listras pretas, lenço para fora do bolso da camisa social e um tênis adidas aparecendo por debaixo da mesa, e não compreendeu muito bem o que se passava. Estava na empresa a poucas semanas, ainda não conhecia os funcionários, mas aquele individuo se mostrava extremamente atípico.

Enquanto isso Rafael pensava desesperadamente. Papel, papel...!!! Eu tenho papel? Acho que não. Ela me chamou de senhor, devo dizer para ela que não há necessidade disso? Não!! Vai ser muito informal, ela vai perceber minhas intenções. E o papel? Quem aqui tem papel? Por que ela está me olhando desse jeito, será que estou fazendo uma cara estranha? Odeio não ter um espelho.

Então Thiago levantou-se de uma mesa próxima e informou que tinha papel, e que fazia questão de instalá-lo na impressora, a despeito dos dizeres de Elisa de que “Não precisa, imagina!”. Após uma breve conversa eles resolveram sair para almoçar juntos, e ao fim do expediente Thiago pegou o telefone de Elisa, para o caso da “Necessidade de um contato”. Eles desceram juntos pelo elevador. E ninguém comentou nada, sequer perceberam os interesses dele! “Que sociedade cega e imoral essa na qual vivemos!” pensou Rafael.


Em frente ao espelho de seu banheiro Rafael remoía os acontecimentos do dia. “Claro! Como eu nunca pensei em convidá-la para almoçar?! Muito menos invasivo.” Era sua culpa. Tudo sua culpa.

Entretanto, pensando melhor, ela poderia ter feito tantas coisas, por que ela tinha que ir pedir-lhe papel? Uma coisa tão idiota, quem se aproxima de alguém por causa de papel?!? E ainda mais em um horário tão despropositado! Sem sombra de dúvidas a culpa foi dela. Tudo culpa dela! Com esse raciocínio Rafael arrematou sua noite antes de ir dormir pensando:

- Azar o dela, tinha tantas opções para dar certo entre nós. Agora vai ficar com aquele sujeito que ela mal conhece, tadinha.

E assim ele conseguiu dormir em paz.


3 comentários:

Taíla disse...

hahahahahahahahahahaha

Dedé que coisa mais incrível!
Eu sempre espero muito de você, mas não adianta você SEMPRE me surpreende!!!
Muito legal o texto, engraçadíssimo!
E quando eu te propus o tema, nem imaginei que sairia algo assim!
Perfeito!

:*

Wolv disse...

IUAHIuahiUAHIuahiUAHIuahiUAHIuh
Me lembrou um amigo meu... um amigo meu.
rs

Ludmilla disse...

A ilustração é tão boa quanto o post, haha