A velha lata vermelha estava aberta e o passado trasbordava
dela.
O tempo havia sido gentil com o metal e muito pouco havia
sido transformado após todos esses anos.
Ainda dava para ver uma rena dourada
pintada na tampa e desenhos natalinos no fundo com certa clareza, mas algumas
manchas de ferrugem podiam ser percebidas na borda e dentro dela.
Eu não lembrava ao certo em que ano havia comprado aquela
caixa e muito menos porque ela era de natal.
Só tinha a certeza que nela estava guardado o meu mais
precioso tesouro.
Cartas de antigos amores, entradas de cinema , fotos e outras
coisas insignificantes de valor inestimável .
Todas agora estavam esparramadas pelo chão da sala e muitos
minutos foram gastos entre todos aqueles fragmentos de minha própria história.
Uma foto em especial havia me chamado a atenção.
Devia ser uma festa junina. Ou seria uma quermesse? Não
importava.
Eu estava com um sorriso bobo no rosto, típico dos
apaixonados, ao meu lado estava uma garota com um sorriso igualmente bobo na
foto.
Era a festa junina do colégio! Claro.
As lembranças daquela noite foram tomando forma e minhas
memórias e pareciam tão reais que quase podia sentir o cheio de canjica e ouvir
os forrós que insistiam em sair de caixas de som quase da mesma idade que eu
tinha na época.
“Ah! Essa foi a última foto André! Essa deve ter ficado
ótima. Não pisquei nem sai de boca aberta, o que já é uma vitória. Vamos logo
que eu vou ter que voltar cedo para casa hoje.”
“Tá bom Clara, mas depois não reclama que não temos nenhuma
foto ou que você nunca sai direito nas nossas fotos.”
“Tá bom, tá bom.”
Eles caminhavam de mãos dadas por entre as pessoas da festa e
sua efêmera felicidade de novo amor fazia o frio parecer menos frio e a
bandeirinhas trêmulas pelo vento sussurrarem desejos de boa sorte.
“Olha ali! Um realejo! Nunca tirei a sorte em um realejo...
Vamos ver o que o destino guarda para nós?”
Era impossível recusar um pedido dela quando ela inclinava
um pouco a cabeça para a esquerda e sorria daquela forma que estava sorrindo.
Os dois chegaram em frente aquele incomum instrumento e
chamaram a atenção do músico, que havia parado por um momento para dar algumas
sementes de girassol para o papagaio oráculo.
Ao perceber a presença do casal ele abriu um largo sorriso
que surpreendentemente tinha um canino de ouro – ou coisa parecida – que brilhava
quase tanto quanto os alvos dentes dele.
“Será que o belo casal está disposto a descobrir seu esplendoroso
futuro no magnifico Realejo do Senhor Crispim?”
Enquanto proferia a pomposa frase, tirou a cartola e fez uma
reverência para o seu reduzido público.
“Sim”, disse com um pouco de vergonha.
“Maravilhoso! Vamos lá Senhor Crispim! Surpreenda estes
jovens com seus místicos poderes!”
E o artista começou a girar à manivela que dava vida ao
instrumento.
A ave parou de fazer sua refeição, olhou para o casal e foi
em direção a uma pequena caixa com dezena de papeizinhos coloridos dobrados.
Pegou um amarelo, caminhou por cima do instrumento, depois
pelo corpo do artista e entregou nas mãos, brancas como leite, da Clara.
Antes da garota poder abrir o papel, o artista interveio.
“O futuro não vem de graça. Um real, pela previsão, por gentileza.”
Rapidamente peguei uma nota de cinco reais e entreguei,
enquanto Clara abria o papel e fazia um olhar perplexo e movia os lábios como
sempre fazia quando não entendia alguma coisa.
“Não entendi. Me explica.” E entregou o papel para mim.
“Como vou saber!? Quem queria descobrir o futuro era você.”
“Mas você sabe tudo, ué! Pensei que entendia dessas coisas
futurologisticas também.”
E os dois riram e foram comer canjica ou pipoca, não lembro
ao certo.
O que estava escrito naquele papel? Eu devo tê-lo guardado
em algum lugar...
Remexendo todas aquelas folhas encontrou um pequeno pedaço
de papel, que estava ainda mais amarelado, por causa do tempo.
Ao reler aquela frase sorriu. Como quem entende um piada que
foi contada há muito tempo e ignorada por parecer não fazer sentido.
“De coisas frágeis como sonhos, beijinhos e pipocas, todos
somos feitos, nunca se esqueça.”
Foi pipoca.
Um comentário:
Ser empírico.Esse texto revela um grande prazer sob uma leve camada de açucar mascavo.
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