segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
A beijei
O Beijo - Toulouse-Lautrec
Eu seria um de seus jovens amantes, fugia com ela e me transportava nas ruas, casas e coxas de Bovary. “Sacana essa Bovary”. “Infeliz Bovary”. “Esperta, essa filha da puta!” Sempre gostei das heroínas sacanas.
O que faria se vivesse tudo aquilo ou como seria se Bovary estivesse viva, nesta época, que impressões ela teria de nosso “modus operanti”. Evocá-la era um exercício intelectual divertido, e assim começa minha breve aventura literária, um delírio me ocorreu.
Ela estava em pé, em frente à janela da minha sala, em carne e osso. Vestia-se como Flaubert a descreveu em um dos capítulos do livro: vestido azul enfeitado com babados, pele branca, quase pálida, grandes olhos castanhos diretos. Os lábios não eram tão carnudos como pensei, mas a boca era bem desenhada. Os cabelos pretos deveriam ser longos a julgar pelo tamanho da trança. “Linda Bovary”- pensava, enquanto ela se voltou para mim. “Estás procurando alguma coisa?” Ao ouvir isso me apavorei. Estou louco.
O vulto de Bovary também falava, era ela, e como nunca tivesse existido, portanto, não estava morta. Se ela fosse um personagem histórico, o espiritualismo me ajudaria a compreender o fenômeno, raciocinava; mas como ela foi inventada por um autor do século XVIII, apenas a loucura seria a melhor explicação. “O que queres?”- perguntou novamente, andando em minha direção, com suas saias abundantes e a cintura fina – deixei de raciocinar.
Ela repetiu a pergunta, olhou em volta e se sentou na poltrona. No fim de alguns minutos, conversávamos. Lhe contei em que ano estávamos, país, cidade, dia. Respondi a cada pergunta tentando ser engraçado. “Você quer comer alguma coisa?”
“Sim, estou com fome.”
Enquanto comíamos, ela não parava de me perguntar sobre acontecimentos. Contei-lhe em resumo sobre guerras, arte, música, coisas que pensei que lhe interessariam. Ela me olhava atenta – “continue", dizia-me, quando eu fazia alguma pausa; mas eu não podia mais, a idéia de estar louco falando com o vazio na cozinha me gelou.
“Gostaria de continuar, mas você precisa ir.”- disse-lhe gravemente.
“Não… me fale sobre o amor, sobre Deus, sobre liberdade…”
“Bem – engatei um discurso – o único direito que temos é a morte, e em alguns países a e matar. A liberdade é um bêbado equilibrando-se numa corda bamba. Ser jovem é a única religião; a beleza, a única virtude; o amor é uma doença curada com antidepressivos. Não podemos caminhar nas ruas à noite, durante o dia, com medo; estamos enjaulados nos anestesiando”.
(Pausa).
“No mais, minha querida, todos nós fazemos nossos jogos, às vezes somos peões, rainhas, reis, dependendo das posições… e você, ainda seria considerada louca. Temos a loucura toda classificada em termos e analogias mitológicas, que nos dizem o que está certo, o que está errado conosco, quem está triste, angustiado. E disso você não escaparia com certeza. Você e toda a maioria não batem bem, estão malucos, ou melhor, insanos, por causa de neuroses, medos e porque sonham demais ou de menos”.
(Ataque).
“E você continuaria sendo considerada uma puta, messalina, vadia, sinto-lhe dizer”.
“Desgraçado!”- ela disse, atirando-se em mim.
(Desistência).
Eu a beijei.
Mais em: http://obviousmag.org/archives/2011/01/eu_a_beijei.html#ixzz1Bhc29YuA
domingo, 30 de janeiro de 2011
Minha maldição
Toda vez que começo a pensar
Sempre estou em um balcão de bar
tentando encontrar alguma coisa
que valha a vida no fundo de um copo
ou talvez tentando afogar
meus sentimentos vazios, que
como lágrimas, escorrem pelo meu rosto
me lembrando da saudade
Ó Solidão
você é minha maldição
e eu sou seu abrigo
Ó Solidão
me explique a sua razão
para viver assim comigo
Esquecendo de que a noite cai
e com ela a única certeza
de que é só você que me espera
quando essa dose acabar
Por ora o tempo segue devagar
sigo a risca todas as regras perdidas
com passos leves em linhas sinuosas
sabendo que seus braços vão me confortar
Ó Solidão
você é minha maldição
e eu sou seu abrigo
Ó Solidão
me explique a sua razão
para viver assim comigo
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Titanomaquia: Parte 1 – A Senhora do Universo
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Coisas da vida
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Titanomaquia: Parte 1 – A Senhora do Universo
sábado, 15 de janeiro de 2011
Café
Voltando do centro pra casa certo dia, resolvo parar para tomar um café, antes de continuar minha longa caminhada:
Garçonete - Boa tarde, senhor.
Eu - Me vê por favor um pão de queijo e uma xícara de café.
G - Preto?
E - Hein?!
G - O Café. O senhor quer seu café preto?
E - Mas... mas... por algum acaso você serve aqui café de outra cor? Você ao menos já ouviu falar de café de outra cor que não o preto?
G - Não senhor, mas é que...
Depois que se inicia um diálogo desse tipo é melhor ir embora sem o pedido. A garçonete com certeza vai sacanear o pão de queijo, ou o café, ou os dois. Foi o que fiz. Saí irritado, sem pão de queijo, sem café, mas feliz, por ter finalmente me vingado de todas garçonetes que já me fizeram essa pergunta cretina antes.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Paródia
Lembro-me de quando eu tinha 11 anos. Estava de férias, passando da quarta para a quinta série, mudando da tarde para a manhã. Eu era gordo, e havia repetido de ano uma vez, e por isso era o maior aluno de todo o turno da tarde. Alunos do maternal à quarta série praticavam o hábito saudável de respeitar o meu tamanho, tanto que nunca tive apelidos comuns de gordinhos. Essa situação me garantia boa folga, e eu podia andar com os cadarços do jeito que eu queria, e ninguém ia tentar desamarrá-los ou rir da minha cara. De facto, não era bem porque eu queria, mas a verdade é que apesar de ter boas habilidades manuais, eu não tinha a menor intimidade com o maldito cadarço, e meus laços se desfaziam sozinhos a todo o momento. Foi assim que eu entrei na quinta série: seguro, metido e sem medo de nada.
Titanomaquia: Prólogo
O horizonte se enegrece. Por mais uma noite Urano vem deitar-se sobre Gaia a fim de suprir sua sede inesgotável de desejo. A espreita, mantenho os olhos fixos no ser de proporções colossais que se aproxima. Meu entorno é iluminado de forma salpicada pelo reflexo da gadanha diamantina que mantenho firme em minhas mãos. Forjada das entranhas de Gaia, minha mãe, com o mais resistente dos materiais será a arma para o ocaso do império deste ser bestial que aprisionou por ódio e temor seus próprios filhos no ventre da criatura da qual abusa todas as noites.
Todos os outros tiveram medo, todos os demais Filhos da Terra tremeram ao cogitar enfrentar o senhor dos céus... Mas cá estou! Cronos, de arma em punho a fitar meu pai, meu inimigo. Hei de mostrar que quem manda aqui sou eu, e mais ninguém.
Urano se aproxima do leito, mal sabe que nunca mais o fará da mesma forma, pois em sua distração avanço e de um só golpe decepo sua genitália lançando-a ao mar. O urro do Deus veio acompanhado de uma torrente de sangue sobre a Terra, um urro gutural que fez tremer a todos os titãs, exceto a mim. Eu me mantenho de pé, sobre uma rocha e contemplo o tom rubro do qual o céu está tingido e o comparo ao líquido avermelhado que marca o fio de diamante de minha gadanha. Olho a volta e vejo minha mãe, Gaia, satisfeita com o fim de seu martírio e meus irmãos se mostrando timidamente ao mundo.
Eis que dos céus sopra um vento medonho, as nuvens se retorcem em um vórtice cinza-avermelhado e o rosto de Urano brota ameaçador e sentencia: “Filho traiçoeiro, semente malograda, expurgo maldito de minhas entranhas! Cronos, assim como me destituíste do trono do Universo um de tua linhagem o destronará!”.
Então o vórtice se intensifica e desce sobre mim, juntamente com um riso aterrador que mistura crueldade e dor e o mundo se contorce a minha volta... cada vez... mais... rápido...
Cronos acorda de olhos esbugalhados. Novamente as mesmas lembranças atormentam seu sono. É preciso encontrar um meio de inutilizar a prole que advirá de sua união com Réia, a Titânide que escolhera para reinar sobre o universo como sua esposa. Sendo descendente dele esta prole seria certamente imortal, logo aprisionar a todos viria a ser o mais plausível dos planos.
Mas que prisão neste mundo guardaria tão forte descendência?
Enquanto o Rei dos Titãs maquinava a defesa de seu império universal sua esposa Réia dava a luz a sua primeira filha. Uma menina de beleza embevecedora, a quem deu o nome de Hera. Após o parto Réia correu a mostrar a suas cinco irmãs Titânides sua maravilhosa cria. De pele tão sedosa, de olhos tão vívidos, de sorriso tão franco...
Quando considerou que a jovem Hera já havia sido mimada em demasia por suas tias a levou para que Cronos a visse. Réia presenciara a profecia de Urano, e sabia mais do que qualquer outro ser do incomodo que sua gravidez trouxera a Cronos, entretanto era certo que ao ver tão bela criaturinha o coração do Titã se enterneceria.
Sentado em seu trono Cronos vê sua esposa se aproximar com uma pequena criatura envolta em panos. Réia entrega Hera nas mãos de seu pai.
- Veja Cronos, como ela é linda! Olhe para ela e me diga, tal mimo de criatura pode fazer mal a algum ser?
Cronos com o bebê em mãos estava pasmado, com o pensamento longe.
- Olhe para ela! Insistiu a desavisada Réia. – Veja como é fofa, como seu corpinho é delicado. Ela não é uma delícia?
Neste momento um brilho de vivacidade passou pelos olhos de Cronos, Urano errara ao entravar seus filhos dentro de Gaia gerando a ira desta. Ele faria diferente, carregaria ele mesmo sua prole aprisionada, assim olhou para a pequena Hera e concordou:
- Realmente, uma delícia, dá até vontade de morder.
E escancarando a boca engoliu a pequena Hera ignorando os gritos de agonia de Réia. E antes que esta apresentasse uma queixa emendou:
- E que cada um que nasça me seja trazido imediatamente. Isso é para que todos saibam, aqui mando eu, e ninguém mais!
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Aos meus amigos, aos cadarços...
domingo, 9 de janeiro de 2011
E no final é tudo uma rede
Peço que percam 20 minutos do seu dia para, talvez, ganhar um mundo novo.
“Não usem velhos mapas para encontrar novas terras”
sábado, 1 de janeiro de 2011
E começou 2011
Chegamos ao fim de mais um ano. Confraternizações, espumantes, fogos e pessoas com a certeza de que após a meia noite tudo será melhor. Deveras interessante esse hábito social difundido por quase todos os países do mundo de comemorar o Ano Novo como um momento de renovação. Mais do que isso, um momento de renovação mágica, instantânea.
Considero um tanto quanto estranho esse fato, afinal, todos os anos esses rituais se repetem, e as pessoas não aprendem que não é dessa forma que funciona. Ao realizar tal ritual diversas vezes as pessoas deveriam se dar conta de que nada muda realmente de forma súbita, que comer lentilhas não traz dinheiro, e passar o ano novo de cueca preta não traz sexo. As pequenas coisas da sua vida é você que muda, as grandes coisas do mundo suas ações ajudam a mudar.
Mas é desnecessário dizer o que deve ser feito, o que deve ser mudado. Pois ao prestarmos atenção nos pedidos para o próximo ano vemos que neles há uma carga de verdade considerável. A grande maioria dos indivíduos sabe como melhorar sua vida, e daqueles que estão próximos, em alguns casos até daqueles que estão distantes, com atitudes simples.
Mas, infelizmente, o que acontece é uma irritante procrastinação hipócrita. São feitas listas de ações que mudarão nossas vidas no próximo ano, para serem esquecidas nas gavetas. São feitas simpatias para conseguirmos dinheiro, amor, paz, e sentamo-nos no sofá a espera de que nossos desejos nos persigam.
Não é óbvio que se estiver insatisfeito com meu peso, comer um cacho de uvas na noite de 31 de dezembro não vai me deixar no peso ideal? Que se considerar a política uma arte corrompida no país é mais útil pesquisar um bom candidato antes de votar do que estourar um espumante e brindar dizendo “Que esse novo ano tenha menos escândalos políticos!”?
Para mim o Réveillon é uma ótima oportunidade para refletimos, entretanto, se não agirmos a partir de tais reflexões nada se modifica. Talvez esteja na hora de deixar de se preocupar com a cor da roupa íntima e sair na rua disposto a desejar um bom dia sorrindo para quem encontrar. As chances de receber algo bom de volta vão aumentar consideravelmente.