terça-feira, 25 de maio de 2010

Não quero ser ginecologista


Estou prestando vestibular para Medicina esse ano. Como de costume, as pessoas vivem me perguntando sobre em qual especialidade médica eu gostaria de me especializar. Eu, que já tenho um curso superior, já sei como é complicado, antes de se ter um conhecimento maior sobre qualquer área, decidir sobre o que se quer fazer após concluído o curso. Além do gosto pela coisa, outras variáveis - tais como a oportunidade ou a previsão para o mercado de trabalho nos próximos anos - podem vir a influenciar diretamente nesse tipo de escolha. Como gosto de ser sincero, digo sempre que ainda não sei, que há muitas coisas para se conhecer e fazer antes de escolher uma especialidade (posso até mesmo não escolher nenhuma), mas de uma coisa estou certo: jamais serei Ginecologista.

A maioria fica estupefata, pois acham que como homem, eu deveria pelo menos pensar no caso de ficar mais perto dos belíssimos órgãos sexuais femininos. Acreditam que é o sonho de qualquer homem trabalhar com aquilo que mais gosta. Bom, se eu fosse levar em consideração trabalhar com aquilo que mais gosto, seria um prostituto; não médico. Assim surpresas, as pessoas me questionam o porque de decisão, então, tão precipitada. De facto, devo admitir que num primeiro momento é realmente interessante pensar em trabalhar com mulheres de pernas abertas. No entanto, se pensarmos um pouco mais a fundo veremos que a coisa não é tão bacana assim.

Primeiro, de todas as especialdades médicas que podem ser escolhidas por um homem, a ginecologia é a que mais demora a dar retorno financeiro ao recém-formado. O camarada que se especializa em qualquer outra coisa, logo no início da carreira já começa a tratar de familiares, vizinhos, colegas de infância e de faculdade. Mas e o coitado do Ginecologista, como faz? Primeiramente o formado em ginecologia limita seus clientes apenas ao público feminino, logo, seus primos e colegas de cerveja e futebol não irão se consultar com ele. A mãe dele já tem um ginecologista há anos, e assim como no caso dos cabeleireiros, as mulheres somente mudam de ginecologista por motivo e óbito, mudança de cidade, ou uma cagada indescritível. Logo, a mãe dele não vai se consultar com ele. O mesmo pode ser dito das avós, tias e primas, que mesmo torcendo muito pelo seu sucesso, jamais terão coragem de se abrir em seu consultório. Nem preciso dizer que as amigas, conhecidas e namoradas/esposas de amigos já o eliminam como possível médico somente pelo fato de ser um conhecido.

Em segundo lugar vem o dia-a-dia destruidor de expectativas. Tomemos a minha pessoa como exemplo: não sou nenhum tipo de D. Juan, Amante Latino, ou pegador -  como diriam as massas - sou um simples Nerd estudioso que tem uma singela vida social, boa aparência e um pouco de sorte. Colocando na ponta do lápis, nos meus 25 anos de vida, devo ter feito sexo com pouco mais de duas dezenas de mulheres. Como disse anteriormente, tenho um pouco de sorte e posso considerar que cerca de 80 a 90% delas eram do tipo que você apresenta pra mãe e pode andar de mãos dadas no shopping sem que as pessoas fiquem apontando dedos e rindo. Vê-se que meu histórico não é muito rico se comparado à maioria da população, mas mesmo diante de um espaço amostral tão reduzido, de meninas que aparentemente cuidavam de sua saúde e higiene, eu devo dizer que encarei muita coisa feia. Não falo sobre cortes de cabelo desleixados, formas ou tamanhos, e sim sobre mal cheiro e secreções indesejadas.

Passo a pensar então em como deve ser a rotina de um Ginecologosta. Nenhuma mulher vai ao Ginecologista e diz: "Veja doutor! Ficou bonito esse novo corte de cabelo?" ou "Gostou do meu piercing novo? Vim aqui somente para mostrá-lo ao senhor." Isso JAMAIS ocorrerá. Resta ao infeliz Ginecologista somente cavidades inflamadas, lamacentas de pus e adornadas com verrugas. Se eu que sou eu, já vi tanta coisa feia, imagino no consultório do pobre coitado.

- Doutor, tem dois meses que tá assim roxo no meiozinho e escorrendo essa geleca marrom, mas quando apareceram essas bolinhas verdes em volta fiquei preoupada. 
- Mas minha senhora - diz o médico segurando a ânsia de vômito - a senhora deveria ter vindo aqui há dois meses então!
 - Ah doutor, minha irmã disse que era normal, e que a dela também fica assim. Doutor, o senhor tá escondendo um cadáver no banheiro? Que cheiro horroso, vai lá dar descarga, por favor.
 - Desculpa minha sehora, mas não é do meu banheiro que vem esse cheiro de carniça.

Ui!!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Perceber sem ver




Madrugada. Dois homens caminham pela rua. Um alto, traja casaco marrom pesado, está visivelmente incomodado com o frio excessivo que acomete a região. O outro um pouco mais baixo, traja uma calça jeans e uma camisa branca estampada, a brisa gélida não parece o incomodar.


Marcos se encolhe dentro do casaco. Olha para Gabriel, tão a vontade naquele clima... Olha para o que julga ser um leve sorriso.


- Rindo de que?


- De você, é claro!


- Não sei onde está a graça...


- Em tudo! Nesse frio sobrenatural que você está sentindo...


- Está frio droga!


... Nessa sua cara de Romeu frustrado!


Marcos sente vontade de explodir em uma torrente de despautérios. Mas não adiantaria nada. Ele também achava que tinha feito papel de bobo. E Gabriel tinha assistido a tudo... Agora ria contidamente.


Eles caminham pela calçada. Ao longe figuras humanas escondem seus pecados nas sombras. enquanto estampam seus medos nos olhos. Gabriel olha divertidamente seu amigo.


- Tu gosta mesmo dela?


- Claro Gabriel! Não viu o que fiz???


- Só porque um apaixonado faz idiotices não quer dizer que toda idiotice é fruto de uma paixão. Melhor confirmar, não acha?


- Idiota...


Gabriel gargalha alto.


- Marcos... Você está cego cara!


Marcos para e olha o céu. Praticamente não há estrelas, apenas escuridão. Ele fecha os olhos e pensa por alguns instantes. Gabriel se diverte com a cena.


- Você está certo.


- Hã?


- Você está certo, acho que estou como um cego.


- Viu só? Não falei que essa garota só te faz mal...


- Não, você não entendeu. Eu estou enxergando como um cego!


- ?


Marcos encosta em um poste, fecha os olhos e lembra, e de acordo com suas lembranças narra um acontecimento.


- Um dia estava na praça esperando-a pra ir ao cinema, um senhor cego se aproximou e sentou-se no banco ao meu lado. Perguntei se ele queria ajuda, ou se precisava de algo. Ele disse que não. Que conhecia bem os arredores. Começou a falar das pessoas que moravam por ali. Boas pessoas mas com vários problemas, o bairro estava se tornando perigoso... Falou de política, da falta de ética no senado e de como as pessoas deixavam a oportunidade das eleições passarem em branco. Conversamos alguns minutos, até que ele resolveu partir. Assim que ele se levantou um garotinho passou entre nós e gritou para a mãe. ' Veja mamãe, que bonita essa borboleta azul!'. O velho cego ficou olhando para a direção da voz da criança que contemplava extasiada seu objeto de fascínio. Ele me perguntou se eu achava bonita a borboleta. Fiquei embaraçado. Respondi que sim, que era muito bela e que era uma pena ele não poder -la, pois ela tinha uma tonalidade de azul muito bonita. Não sabia se tinham sido boas palavras... Ele sorriu e me disse: ' Não posso ver o azul que você e todos os outros vêem, em compensação ninguém mais pode ver a leve tonalidade de amarelo que agora só eu percebo. Quem é merecedor de pena meu garoto, você que enxerga apenas o que os olhos lhe mostram ou eu que percebo o mundo de várias formas sem ver?'.


Gabriel o olhava estático, compenetrado na ação narrativa.


- Agora, Gabriel, me percebo como aquele senhor cego. Pois contemplo além daquilo que se limita ao visível. Por isso me ridiculariza. Como dizia Nietsche: "Quanto mais alto você voar, menor parecerá aos olhos daqueles que não saem do chão!"


- Nossa Marcos. Acho que o amor está operando milagres em você. Realmente belas suas palavras...


- São sim!


-Mas você ainda é um idiota. Gabriel diz isso e dá um tapinha nas costas de Marcos antes de seguir a caminhada, enquanto este lhe olha perplexo.


Um odor fétido vem com a brisa do mar enquanto ambos seguem pela calçada. Um de cabeça baixa, encolhido pelo frio. O outro de fronte erguida sorrindo levemente. Através da maresia fétida seguem, quase perdidos numa noite imunda.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Brumas


Brumas por todos os lados.

Estou sentindo uma espécie de claustrofobia, já que tudo ao meu redor é terrivelmente branco e sinto como se esse branco entrasse pelas minhas narinas e invadisse meus pulmões.

Estou usando calça jeans e uma blusa branca, não lembro de tê-las colocado, mas estou confortável.

Caminho perdido por algum tempo. Não posso dizer quanto tempo. Minutos, talvez horas.

Espere. Não me lembro como cheguei até aqui.

Verde.

Lembro de muitas coisas verdes, mas o que seriam?

Uma garota com rosto simpático, olhos vivos, vestida com uma bata branca leve, se aproxima de mim. Ela está acompanhada de alguém, mas esse ser misteriosos ficou parado antes que a proximidade revelasse quem é na neblina.

Olá – disse a garota – estou esperando você a muito tempo! Como você demorou!

Desculpe, mas não me recordo de você... Quem é você?

Eu sou a sua Morte ora! Quem mais poderia ser?

Como assim? A Morte não é desse jeito! E eu não estou morto!

O.k. sabichão então como é a Morte? E como você tem tanta certeza que não está morto? Já vi que esse ai vai dar problemas... Não é dos mais inteligentes...

Comentou olhando para o silencioso espectador.

...

Pensamentos diversos passam pela minha cabeça, se estou morto morri por algum motivo...


Pense, pense.

Moura...
Moura.
Moura!!!

Foi ele! Agora eu lembro!

Agora é a parte onde eles gritam e praguejam contra o mundo, diz a pequena ceifadora de vidas.

E continuando, como se não se importasse com a minha expressão de fúria falou, estive sempre ao seu lado, em todos os momentos de sua vida, esperando a hora certa de nós nos conhecermos e termos uma conversa sobre o que acontece além dessas brumas.

Mas infelizmente ainda não vamos poder conversar sobre isso, já que você ainda vai ter que voltar...

Voltar? Será que ouvi bem? Eu recebi dois tiros nas costas! Como vou poderia ter sobrevivido?

Existem planos maiores do que a sua e a minha compreensão para nós.

Então se não vou ficar, porque você veio falar comigo?

Bem... Ele, gostaria de dizer tchau.

E da espessa névoa surge um rosto conhecido, tão conhecido que não desejaria ver naquele lugar.

Meu irmão mais novo.

Seu idiota! O que faz aqui? Quem fez isso com você? Me fala! Eu acabo com o infeliz.

Foi mal irmão... Foi a vida que fez isso comigo, não a ninguém a culpar... somente a mim mesmo... Eu gostaria de poder apagar todos os meus erros... E não consegui...

Cortando a conversa, a suposta Morte se intrometeu.

Não há tempo para conversas inúteis. Ele está morto, você está quase, se despeçam logo e vamos cada um levando a sua vida, ou morte...

Um tanto quanto irritado com as seguidas interrupções, e querendo poder ficar mais algumas horas para poder passar a vida a limpo dou um abraço apertado em meu irmão.

Até logo, ele me fala com tímidas lágrimas nos olhos.

Até...

Só mais uma coisa, diz nossa interlocutora, nunca se esqueça que estou ao seu lado sempre. Outro deslize desse e você vai tirar umas loooongas férias da Terra.

A realidade se contorce como se escorresse por um ralo.

Abro os olhos novamente. Tudo está doendo. Vejo um teto com infiltrações. Não é um teto conhecido. Tetos desconhecidos sempre trazem uma aflição para quem os olha.

Ao redor tudo é sujo em um quarto que tem pouco mais de 6m². Um homem de pele morena e rosto redondo entra no quarto falando em uma velocidade impressionante um espanhol salpicado de palavras indígenas.

Ele troca uma bolsa de soro que se ligava ao meu braço e me em alguns curativos que estão por quase todo o corpo. Ele não parece se um vilão.

Bem... Nem a Morte parecia ser a Morte...

Não duvido de mais nada...

Mas meus olhos estão pesados, vou fechá-los novamente só por um segundo.
...

sábado, 1 de maio de 2010

Escura solidão

Estou há trinta minutos aqui, que mais parecem trinta minutos apenas. A mesma escuridão que não me deixa sonhar é a que aparece quando abro os olhos para ver o que há ao meu redor. Tenho agora tempo suficiente para remoer o que não fiz, me arrepender do que fiz e imaginar um novo fim, nem tão feliz, mas diferente. A cena, o fato, a pessoa, o motivo, tudo diferente. Fazer isso já foi divertido, agora me canso e percebo que já se passaram mais meia hora e nada em mim mudou.

Uma hora. O que eu teria feito nessa uma hora se estivesse lá fora? Desperdiçaria mais meu tempo com coisas fúteis ou procuraria alguém para conversar, mas acho que é tarde demais para conversas. As opções são várias, mas só consigo pensar em poucas, e ai se passa mais uma hora.

De repente acho que tive uma boa ideia: pensar o que fazer quando tudo terminar. Não será nada muito diferente do que fazia antes, mas certamente não sairá como planejo agora. Fazer detalhes imaginários me fazem achar que eles valem a pena, mas sei que terei medo e deixarei para pensar neles novamente quando isso me acontecer de novo, assim como fiz das vezes passadas.

Mais algum tempo se passou e agora tempo é uma coisa que não posso mais controlar ou prestigiar, tudo parece tão infinito, mesmo sabendo que isso vai acabar, por essa vez pelo menos, não de se repetirem.

Pelo menos essa solidão tão escura está mais fácil de suportar, pois já perdi o medo do tempo. Agora é pensar como e porque isso me acontece. Que besteira! Eu sei porque isso acontece.

Droga. Agora vejo um fio de luz vindo da janela do meu quarto, e lá se foi mais uma noite acordado.