terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Realejo


A velha lata vermelha estava aberta e o passado trasbordava dela.

O tempo havia sido gentil com o metal e muito pouco havia sido transformado após todos esses anos. 

Ainda dava para ver uma rena dourada pintada na tampa e desenhos natalinos no fundo com certa clareza, mas algumas manchas de ferrugem podiam ser percebidas na borda e dentro dela.

Eu não lembrava ao certo em que ano havia comprado aquela caixa e muito menos porque ela era de natal.

Só tinha a certeza que nela estava guardado o meu mais precioso tesouro.

Cartas de antigos amores, entradas de cinema , fotos e outras coisas insignificantes de valor inestimável .

Todas agora estavam esparramadas pelo chão da sala e muitos minutos foram gastos entre todos aqueles fragmentos de minha própria história.

Uma foto em especial havia me chamado a atenção.

Devia ser uma festa junina. Ou seria uma quermesse? Não importava.

Eu estava com um sorriso bobo no rosto, típico dos apaixonados, ao meu lado estava uma garota com um sorriso igualmente bobo na foto.

Era a festa junina do colégio! Claro.

As lembranças daquela noite foram tomando forma e minhas memórias e pareciam tão reais que quase podia sentir o cheio de canjica e ouvir os forrós que insistiam em sair de caixas de som quase da mesma idade que eu tinha na época.

“Ah! Essa foi a última foto André! Essa deve ter ficado ótima. Não pisquei nem sai de boca aberta, o que já é uma vitória. Vamos logo que eu vou ter que voltar cedo para casa hoje.”

“Tá bom Clara, mas depois não reclama que não temos nenhuma foto ou que você nunca sai direito nas nossas fotos.”

“Tá bom, tá bom.”

Eles caminhavam de mãos dadas por entre as pessoas da festa e sua efêmera felicidade de novo amor fazia o frio parecer menos frio e a bandeirinhas trêmulas pelo vento sussurrarem desejos de boa sorte.

“Olha ali! Um realejo! Nunca tirei a sorte em um realejo... Vamos ver o que o destino guarda para nós?”

Era impossível recusar um pedido dela quando ela inclinava um pouco a cabeça para a esquerda e sorria daquela forma que estava sorrindo.

Os dois chegaram em frente aquele incomum instrumento e chamaram a atenção do músico, que havia parado por um momento para dar algumas sementes de girassol para o papagaio oráculo.

Ao perceber a presença do casal ele abriu um largo sorriso que surpreendentemente tinha um canino de ouro – ou coisa parecida – que brilhava quase tanto quanto os alvos dentes dele.

“Será que o belo casal está disposto a descobrir seu esplendoroso futuro no magnifico Realejo do Senhor Crispim?”

Enquanto proferia a pomposa frase, tirou a cartola e fez uma reverência para o seu reduzido público.

“Sim”, disse com um pouco de vergonha.

“Maravilhoso! Vamos lá Senhor Crispim! Surpreenda estes jovens com seus místicos poderes!”

E o artista começou a girar à manivela que dava vida ao instrumento.

A ave parou de fazer sua refeição, olhou para o casal e foi em direção a uma pequena caixa com dezena de papeizinhos coloridos dobrados.

Pegou um amarelo, caminhou por cima do instrumento, depois pelo corpo do artista e entregou nas mãos, brancas como leite, da Clara.

Antes da garota poder abrir o papel, o artista interveio.

“O futuro não vem de graça. Um real, pela previsão, por gentileza.”

Rapidamente peguei uma nota de cinco reais e entreguei, enquanto Clara abria o papel e fazia um olhar perplexo e movia os lábios como sempre fazia quando não entendia alguma coisa.

“Não entendi. Me explica.” E entregou o papel para mim.

“Como vou saber!? Quem queria descobrir o futuro era você.”

“Mas você sabe tudo, ué! Pensei que entendia dessas coisas futurologisticas também.”

E os dois riram e foram comer canjica ou pipoca, não lembro ao certo.

O que estava escrito naquele papel? Eu devo tê-lo guardado em algum lugar...

Remexendo todas aquelas folhas encontrou um pequeno pedaço de papel, que estava ainda mais amarelado, por causa do tempo.

Ao reler aquela frase sorriu. Como quem entende um piada que foi contada há muito tempo e ignorada por parecer não fazer sentido.

“De coisas frágeis como sonhos, beijinhos e pipocas, todos somos feitos, nunca se esqueça.”

Foi pipoca.

Um comentário:

Icaro Pupo disse...

Ser empírico.Esse texto revela um grande prazer sob uma leve camada de açucar mascavo.