Um passante com uma flor em mãos. Quatro da tarde. Seis continentes. Duzentas mil mortes. Duzentas mil vidas. Um observador de sua sacada. Muitos carros. Milhões de indagações. Nenhuma explicação. O passante mascarado passava. As horas corriam. O observador observava. O mundo girava, enquanto parado, por mais uma jornada. Parado para quem? Era dia e então já era noite. Às vezes o observador trocava um pelo outro. Dessa vez, por ter conseguido ver tão bem, era dia. Parecia injusto o passante passar com tanta objetividade carregando aquela flor. O observador só poderia imaginar o porvir da cena, mas nunca saberia. Como ficam as histórias de amor quando todos são obrigados a ficarem distantes? Há uma lacuna na vivência de contos da Terra? É esse mais um conto coletivo? Talvez todos os amantes desrespeitem um pouco o decreto de isolamento. Talvez pudessem morrer de tristeza, em vez de virose. Talvez os duzentos mil mortos também o fizessem, estivessem eles vivos para amar. Talvez aquele passante estivesse indo amar alguém em segredo, sem saber que era observado; sem saber que o maior desejo de quem o observava era, também, poder amar, sem carregar nas costas o peso de todas as vidas que continuariam a ser amadas quando tudo passasse, se não estivessem perdidas.
O passante passado e a injustiça aceita fizeram o observador quitar seu olhar para baixo. Olhou, agora, duas horas depois, para o céu. Já havia uma estrela. Uma pipa apareceu e rapidamente sumiu por trás de outra casa. Uns oito pássaros iam e vinham. Talvez contar o tempo, os pássaros, as pipas, as estrelas, preenchesse um pouco aquele vazio que parecia existir no mundo... em si, já que não se podia contar com a colaboração de outras pessoas para a contenção de um mal global. Da sacada, o observador observou tudo: o passante passar, os elementos da mesma paisagem de sempre, o dia virar noite, a dor do mundo, a dor de si. Fechou o lado de lá junto à porta que o conectava com ele – a da sacada –; abriu a porta de dentro para primeiro se curar. Depois, quiçá, permitir-se-ia indagar mais. Pode ser que daí viesse alguma resposta. Que aquele passante vá e ame e volte protegido de sua aventura, enquanto o observador se protege a esperar.
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