segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
A Primeira Canção - Parte I: Dez Horas
Branca estava passando manteiga no pão recém-saído do forno quando escutou batidas a porta. Naquele horário raramente vinham noticias boas e seu coração tremeu antes de abrir os trincos.
O rosto conhecido sorriu ao vê-la. Estava trajado como quem estava pronto partir a qualquer momento. Essa constatação colaborou para que os temores da clériga se concretizassem, e não correspondendo ao sorriso falou:
- Vocês mal voltaram e já vão partir?
- Bom dia Branca, sei que é cedo, mas preciso falar com Rossat. Espere, que cheiro é esse? Hum... Deve ser um dos seus divinos quitutes! Essa é uma daquelas conjunções astrais na qual você coloca seu dom da culinária em prática?
- Andrew, sabe que detesto cozinhar e só faço isso em momentos especiais, tipo quando vocês voltam de uma longa campanha. Mas parece que vou ter que comer sozinha.
- Não diga isso, trouxe importantes notícias para tratar com o mago rabugento e muita fome para que esses magníficos pãezinhos não tenham que conhecer o dia de amanhã.
- Vou chama-lo, mas se você o devolver como da última vez, você vai precisar de uma boca nova para contar as suas histórias, já que vou arrancar todos os seus dentes.
A pequena clériga tinha um olhar feroz e ao se virar para dentro da casa viu os pés de Rossat descendo as escadas.
- Não precisa me chamar, já levantei – disse o mago com bandagens visíveis por baixo da camisa de linho no tórax e no braço direito – o que é tão importante que precisa me chamar tão cedo? Você esqueceu a regra de que más notícias só depois das dez horas?
- Não é exatamente uma má notícia, então acho que posso usar um horário digamos... alternativo.
Branca colocava mais um prato na mesa simples e o trio, após uma breve oração, começou a partilhar o café com o deleite de quem sabe que pode ser a última refeição que será feita dentro de muito tempo. Andrew estava um pouco desconfortável com a situação, mas a urgência do caso lhe obrigava a ter que agir dessa fora.
Após um breve momento de amenidades, o bardo ficou com semblante sério e com um tom de voz mais composto relatou o motivo de sua vinda.
- Velho amigo, sei que muitas aventuras já fizemos e muitas outras estão por vir, seja em nome da Companhia, seja de forma mais discreta. Todas as vezes que sugeriu algo, mesmo com destino nebuloso, aceitei e espero que agora não pestaneje em diminuir esse débito comigo.
O silêncio posterior a essa fala foi rompido por um galo que anunciava os primeiros raios de sol da manhã e complementando sua petição Andrew continuou.
- Através de um sonho, os antigos mestres me contaram que é a hora de partir em direção a um lugar muito especial, que somente bardos cujas músicas começaram a ecoar pela eternidade tem permissão de ir.
- Ufa, então não temos problemas, porque suas músicas ainda não foram tão longe – afirmou Rossat por trás de um sorriso que tentava quebrar a seriedade da situação.
- Por mais improvável que pareça, é verdade – o bardo falou com um olhar irônico – tão improvável quanto você conseguir derrotar um tigre-demônio.
Branca que até o momento estava apenas observando a história cortou as brincadeiras da dupla.
- Onde diabos é esse lugar? E se só os bardos podem ir, por que está querendo a nossa ajuda?
- Essa é a questão, o lugar é em um templo nas montanhas de Tiloudes.
- Nunca ouvi falar desse lugar – deu Rossat de ombros, mas a sacerdotisa completou – Está maluco? Aquele lugar é maldito! Poucos foram até lá menos ainda voltaram! Pode tirar seu cavali... seu banjo da chuva e ir sonhando com outra coisa.
Andrew sabia que a braveza de Branca era por querer o melhor para todos, mas ele tinha que cumprir seu chamado e contava com a ajuda do mago.
- Podemos nos teleportar para lá e voltamos antes do próximo amanhecer.
Tentou aliviar o arcano.
- Infelizmente não será tão fácil, magias de deslocamento espacial não funcionam por lá, podemos no máximo chegar a uma cidade alguns dias de viagem das montanhas.
O clima voltou a ficar tenso.
- Ai ai... Sem problemas, só preciso de algumas horas para terminar de arrumar alguns preparativos e que a Branca me ajude com os curativos.
- Você sabe que se eu adiantar a cura, vai ficar com mais cicatrizes, né?
- Sei... Serão apenas mais algumas para a minha coleção – minimizou o mago com um sorriso que fazia seus olhos quase fecharem.
- Então estamos acertados, volto umas dez horas para irmos.
- Talvez eu esteja pronto antes...
- Não precisa. Dez horas eu volto e te conto o resto da aventura – disse Andrew enquanto levantava da mesa e pegava o último pãozinho.
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Tarso Santana
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Um comentário:
Já são 10h? Eu quero saber o resto da aventura...
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