“Perdoe-o minha doce criança, eu sei que ele te causou
feridas que parecem que nunca vão cicatrizar e sua dor, agora, parece não ter
fim.
O amor tem dessas coisas, é veneno que mata seu corpo e é
também o único remédio pode salvar-te de um destino ainda mais cruel que a
morte.
Você veio de tão longe só para ouvir meu conselho e ele é o
seguinte: Perdoe-o, o que vocês possuem milhares de mortais passam a vida
procurando e vão para o além-vida sem encontrar.
Não perca isso querendo uma vingança que só machucará você
mesma.”
Orpheu levou a mão ao rosto da jovem donzela e com um doce
gesto limpou a lágrima que havia acabado de nascer. Na mesma hora a jovem
segurou a mão do Poeta e ainda com os olhos vermelhos fitou-o.
“Mas doí tanto! Gostaria de nunca tê-lo conhecido! Acho
melhor seguir minha vida sem nunca mais vê-lo. É o melhor a se fazer. Vou
começar uma nova fase em minha vida e tudo será diferente.”
O maior entre os poetas sorriu fraternalmente.
“Acha mesmo que é tão simples esquecer o que sente? Que
apenas com a sua raiva você conseguirá apagar a força que da brilho as
estrelas? Posso te garantir, minha jovem, que nada do que faça conseguirá
apagar essa chama.
Por essa chama já estive em lugares sombrios e por fraqueza
perdi a luz da minha vida e o som da minha lira.
Não seja tola como fui, transmute sua dor em esperança e
viva tudo que você tem para viver.”
Com um sorriso ainda acanhado no rosto a jovem se pediu de
Orpheu e saiu da casa nas colinas perto do rio Hebro.
O lugar que antes transbordava paz e alegria agora estava
diferente, a paz permanecia, mas agora a melancolia tomou o lugar desde a
partida de Eurídice.
A música que antes banhava aquele vale se silenciou, apenas
os passos dos jovens que buscavam os conselhos de Orpheu eram escutados; nem
mesmo os pássaros cantavam, com medo de atrapalhar o maior entre os poetas.
Mas em um tarde de outono uma gritaria enlouquecida rompeu o
silêncio do vale, eram as Mênades que vinham tirar satisfação com o primeiro
entre os poetas.
“Oooorpheuuuuu, Oooorpheuzinooooo, por que não canta uma
daquelas suas músicas para nós?”
As Mênades eram em um total de 18, todas eram adoradoras de
Dionísio e por uma benção/maldição podiam receber fragmentos de seu poder a
cada instante, esse milagre fez cada uma elas desenvolver seu próprio tipo de
loucura, que muitas vezes se transformava em uma fúria descontrolada,
tornando-as temidas por onde quer que passassem.
Não se pode tocar Dionísio e esperar ter razão como prêmio.
A voz doentia das mulheres de Dionísio saia em uníssono e clamavam
desdenhosamente pela presença de
Orpheu. Ele, por sua vez, saiu de sua casa com
uma paz inabalável e foi tranquilamente conversar com a personificação da
loucura.
“Sinto muito que tão preciosas mulheres tenham perdido sua
viagem. Desde que retornei de minha jornada não tenho motivo para cantar
nenhuma canção e espero que respeitem minha vontade.”
“Não sejas bobo Orpheuzinho, podemos ser suas novas musas!
Podemos dar-te prazeres inimagináveis! Nosso amado Senhor das Loucuras nos
contou seus segredo, podemos realizar qualquer uma das suas fantasias e você
rapidamente esquecerá Euratéia”
“Eurídice. O nome da dona da minha voz é Eurídice.”
“Tanto faz. Não acha que 18 podem substituir aquela migalha
de mulher que o Mestre das Poesias chamava de Eurídice?”
Orpheu não estava gostando do rumo que a conversa esta
levando e principalmente da forma como aquelas mulheres estavam falando de sua
mulher.
“Novamente lamento que tenham perdido a viagem. Porque não
tentam falar com Arquelemeu, dizem que ele é um fantástico cantor e poeta,
provavelmente ele detenha agora o título de Maior entre os poetas.”
Podia se perceber um tom crescente de fúria no aterrador
coro que conversava com Orpheu.
“Se quiséssemos conversar com um poeta qualquer, pode ter
certeza que já o teríamos feito! Queremos uma das suas famosas canções!
Queremos ouvir a tua voz enaltando a mais bela das coisas! Que são, obviamente,
as Mênades! Hahaha!”
“Já chega! Saiam agora daqui. Vão procurar teu rumo e me
deixem!”
Um brilho de loucura reluziu nos olhos das Mênades, fazendo
parecer que tudo que queriam era ouvir aquela frase.
“Hahahaha! O Poetinha pensa que pode dizer não as
Dionisíacas! Hahaha! O senhor deseja que o deixemos em paz!? Vamos deixar! Mas
cada apaixonado choramingante que vier por esse caminho será morto por nossas
mãos! Hahaha!”
O Senhor dos Versos sabia que a fama de seus conselhos tinha
se espalhado e cada dia mais e mais jovens vinham em busca de sua sabedoria. Se
nada fosse feito dezenas de jovens inocentes seriam mortos simplesmente por ter
esperança que Orpheu pudesse ajuda-los.
No entanto, a loucura das Mênades não poderia passar impune,
pois nada garantia que após saciado o seu desejo por uma música elas fossem
realmente embora e deixassem os pobres amantes em paz.
Posto nesse beco sem saída o Cantor dos cantores tomou uma
medida arriscada.
“Senhoras do Vinho, se é uma música sobre a coisa mais bela
do mundo que desejam, é isso que vão ter.”
“Isso! Isso! Faça-nos gozar com sua música Poetinha!”
E com a lira que há tempos estava parada Orpheu começou a
sua última canção.
A melodia era de uma doçura tão extrema que flores nasciam
só para terem a honra de presenciarem aquela música.
Nenhum ser foi capaz de ousar atrapalhar aquela canção, por
onde aquelas notas ressoaram o amor e a ternura surgiu.
Os próprios Deuses que ainda lembravam-se da canção sombria
de outrora deixaram sorrisos brotarem em seus rostos quando ouviram aquele som.
Mas para a surpresa das Bacantes quando Orpheu começou a
cantar, apenas um nome era ouvido.
Eurídice.
“Não!!! Nós somos a beleza dessa música! Para nós que você
deveria estar cantando!”
O Poeta continuou seu canto como se nada estivesse
acontecendo, e quanto mais continuava mais ternura era espalhada no ar.
Menos para as Mênades.
Seu ódio ia aumentando a cada nova nota e em um daquele
breves instantes que elas recebiam o poder de Dionísio, elas atacaram
violentamente Orpheu.
Mesmo com o corpo sendo mutilado pelo ódio das Mênades,
Orpheu continuou sua canção e o mundo inteiro acompanhava as notas que o Poeta
fazia.
Quando finalmente elas juntaram força para decapitar o Poeta
e jogar sua cabeça no Hebro puderam ver que mesmo assim ele continuava a chamar
por sua amada Eurídice.
A cabeça foi indo para o fundo do rio e o silêncio
finalmente tomou o vale.
As Mênades gritavam gloriosas de sua vitória sobre o Maior
entre os Poetas quando perceberam que haviam despertado uma fúria sem tamanho.
Os Deus e todas as criaturas viventes que tiveram o prazer
de ouvir a música de Orpheu amaldiçoo-as.
As 18 Mulheres de Dionísio foram condenadas a nunca mais
saírem da beira do rio Hebro, pois foram transformadas em carvalho grandes,
feios e podres, e além disso, como tentativa de reparar a perda de Orpheu, os
Deus concederam aos rouxinóis que nascessem naquela região o canto mais belo
dentre todas as aves canoras do mundo.
Dizem ainda que após sua morte a lira de Orpheu subiu ao céu
e se tornou a constelação de Lira.
Por mais trágico que possa parecer o fim da história do Rei
dos Poetas, devemos ficar felizes com seu desfecho, pois Orpheu terminou sua
vida dando-nos de presente a música mais bela que já existiu e após isso pode
finalmente se encontrar com sua amada musa Eurídice.
Descanse em paz Grande Mestre e continue ajudando todos que
buscam seus conselhos.
2 comentários:
"A melodia era de uma doçura tão extrema que flores nasciam só para terem a honra de presenciarem aquela música." que coisa linda!
"O amor tem dessas coisas, é veneno que mata seu corpo e é também o único remédio pode salvar-te de um destino ainda mais cruel que a morte."(...)"Orpheu terminou sua vida dando-nos de presente a música mais bela que já existiu e após isso pode finalmente se encontrar com sua amada musa Eurídice."
Lindo texto ;) parabens Tarso =)
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