quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Histórias do Deserto - O Guerreiro e a Rainha


 O sol do deserto é inclemente, a areia ardente turva a visão do horizonte que divide o azul profundo do firmamento e a grande imensidão amarela do Saara.


O véu azul escuro como a noite que está cobrindo o seu rosto é carregado como uma mistura de orgulho e pesar, pois é o que usa para demonstrar sua origem e isso causa admiração e horror por onde passa, já que todos dizem conhecer o Destino de um homem dessa linhagem, pois seu povo habita o imaginário de todos os moradores do deserto.

Os mais esperançosos dizem que os Tuaregues são os guerreiros livres que vagueiam por todo o Saara e por isso conhecem os segredos das misteriosas tempestades de areia que levam para outros mundos, mundos estes que tem criaturas fantásticas, como pequenos homenzinhos voadores de mil olhos e gigantescos vermes subterrâneos que usam areia movediça como armadilha para conseguir alimento.

Já os anciões ranzinzas afirmam que eles são uma nação abandonada pelos Deuses, que por não terem sabido aproveitar as dádivas oferecidas por eles foram condenados a vagar pelo deserto escondendo o rosto dos maus espíritos, que ainda hoje tentam atormentá-los, enquanto buscam o caminho de volta para a sua terra natal.

Mas essas histórias não interessam agora, apenas o fato dele saber que trazia consigo as tradições milenares de seu povo e que deveria mantê-las, gostasse disso ou não, que importa.

Fazia dias que não encontrava um oásis para saciar sua sede e de sua montaria, um camelo, que junto com ele, já percorreu tantas vezes essas terras que a sede e a Morte já se tornaram companheiras de viagem.

Os Tuaregues, desde pequeno aprendem a cultivar uma relação bem peculiar com a Morte, primeiro com as histórias contadas pelos membros mais velhos das caravanas e depois com o seu ritual de iniciação, que os faz conhecer pessoalmente a Senhora do Deserto, mas essa também é outra história meu bom príncipe.

Quando o guerreiro finalmente encontrou um olho d’agua no deserto, já era entardecer e por entre as pedras avermelhadas que o separava da fonte de água viu uma linda mulher que guardava o lugar.

Por um momento hesitou, já a tinha visto em suas visões, mas nunca pensou que ela fosse real e muito menos que um dia a encontraria, pois ela é a rainha de reinos distantes e ninguém viria de tão longe sem um forte propósito.

Desceu de seu camelo em um rápido movimento e enquanto caminhava em direção a ela, retirava cuidadosamente seu véu, pois já não havia mais motivos para usá-lo.

Ao se aproximar percebeu que pequenas lágrimas caiam dos olhos dela, pequenas gotículas de diamante que deixavam um triste rastro em sua bela face.

Aquilo lhe partiu o coração e com um gesto suave lhe acariciou o rosto para que soubesse que nenhuma lágrima mais precisaria ser derramada, pois ele estava ali. Neste momento uma brisa doce afagou os corpos de ambos e um sentimento irrefreável tomou-lhes as almas, resultando em um caloroso beijo.

Não havia mais guerreiro ou rainha, apenas a mágica existia naquele lugar.

Mas de subido, o gozo fez-se silêncio e o guerreiro se viu sozinho no olho d’agua.

Há quem diga que tudo aquilo não passou de uma vil artimanha da Senhora do Deserto, que lhe deu o que mais desejava só para poder retirar e observar o sofrimento do pobre homem, mas sei que isso não é verdade.

A Morte nunca faria algo assim com um Tuaregue. Acredito que aquele lugar na verdade pertencia ao Senhor do Tempo, que deu uma visão ao homem e lhe mostrou qual deveria ser o propósito de sua jornada.

Só que tudo isso não passa de especulações de um velho contador de histórias... Falando nos Senhor do Tempo, ele andou bem depressa conosco e já é hora de dormir querido amo. O seu pai não gostaria que você ficasse acordado até tão tarde e não serei eu que vou deixa-lo irritado.

Por favor, hakawati, conte só mais uma história – disse o jovem príncipe com olhar sonolento.
Tá bom, só mais uma.

Em uma terra muito distante, existiam grandes construções nas quais muitas pessoas viviam em silêncio. Em um dos lugares de lá um jovem escrevia coisas em um livro de luz...

Ao perceber que o pequeno havia adormecido o já idoso senhor o cobriu com um fino lençol de algodão e partiu para os jardins do palácio para sentir o doce perfume dos jasmins e fumar pacientemente o seu narguilé enquanto observava as infinitas estrelas no céu, que pareciam joias bordadas em um pano negro.

Essa visão o fez lembrar-se do seu tempo no deserto e um sorriso esquecido, furtivamente, lhe surgiu no rosto e trazendo mais algumas histórias.

3 comentários:

André M. Oliveira disse...

Genial usar um hakawati como personagem Tarso, te dá uma gama de possibilidades muito vasta. Ótimo texto

Anônimo disse...

Adorei o texto!
Por um momento pude ver o sorriso no rosto do 'idoso senhor' ao relembrar seu tempo no deserto; pude sorrir junto com ele :)

Wolv disse...

Ah, seu danadinho egocêntrico. Senhor do Livro de Luz, rs.
Gostei ;)