sábado, 12 de novembro de 2011

Conto para se ler antes de dormir...


Está muito tarde, já é quase meia-noite. Definitivamente não é a hora em que eu deveria estar voltando para casa. A Rebeca vai me matar!

Com esses pensamentos Alberto descia do ônibus próximo a sua casa na região do ABC paulista. Ele apreciava morar em São Bernardo, mas às vezes vinha a mente a ideia de arranjar um apartamento qualquer em São Paulo. Conseguiria chegar em casa bem mais rápido.

Entretanto essa ideia era rechaçada pela bela imagem de Rebeca. Eles já estavam juntos há três anos, desde o começo da faculdade dele, quando ela foi acompanhar uma amiga que estava organizando as atividades do trote de Publicidade e Propaganda da USP, curso para o qual ele havia passado. Ele não gostava de acreditar em coincidências, mas quais as chances de uma estudante da UFABC de Santo André ir ao trote da USP? Claro que as coincidências pararam por aí, a partir do momento que se conheceram Alberto e Rebeca não conseguiram se desgrudar e em três meses já estavam namorando. Agora eles moravam juntos, na casa dela em São Bernardo, o que saía mais em conta financeiramente do que alugar um apartamento, e obviamente era mais cômodo por questões afetivo-sexuais.

Ela já havia avisado que caso Alberto se mudasse, se mudaria sozinho. Até o término da faculdade ela ficaria ali. E ele acatava essa decisão com muita felicidade. A simples lembrança do corpo de Rebeca fazia com que ele desejasse chegar mais rapidamente em casa.

Um ar gélido passa por Alberto. Ele olha em volta enquanto esfrega as mãos em seu próprio corpo na tentativa de se aquecer.

- Ufa! Não deveria fazer um frio desses em pleno dezembro, mas já desisti de tentar entender o clima dessa região estranha. Como sempre, às vésperas do fim de semana o tempo tem que virar, que saco!

Não há mais nenhum transeunte. A rua está estranhamente deserta. Rebeca mora no centro da cidade, a algumas quadaras apenas da Prefeitura. Estranho não ter ninguém. Por sorte a lua cheia está iluminando os pontos onde não há postes o que tornaria o passeio até agradável, não fosse aquele frio dos infernos!

Nesse momento outra lufada de vento, seguida de um odor suave que ele não conseguia distinguir. Enquanto Alberto pensava de onde conhecia aquele cheiro levemente desagradável todos os cães da vizinhança se encontravam em um estado de perturbação descomunal. Latidos, uivos, rosnados...

- Isso não está legal.

Alberto apertou o passo, aquela noite estava muito estranha. Ele detestava lugares ou dias frios. Sempre o lembravam das histórias que a noite sua avó contava quando, ainda criança, ele e seus irmãos a visitavam nas férias. Na pequena casa a alguns quilômetros de Porto Alegre ela desfiava contos assustadores sobre criaturas medonhas. Espiritos vingativos, lobisomens e demônios indigenas. Dona Nisa, sua avó, dizia que cada cultura é responsável por seus demônios, e que por lá ainda rondavam vestigios dos antigos seres indigenas, mas que em breve estes sucumbiriam e seriam sunbstituídos pelas criaturas das cidades grandes, por que cada cultura tem seus medos, e o medo alimenta esses seres. Ao ouvir isso o pequeno Alberto sentia um frio na espinha, que nada tinha a ver com as frias terras do Rio Grande do Sul. Era um frio de medo, e quanto mais medo sentia, mais se imaginava alimentando criaturas aterradoras e maior seu desespero ficava.

- Chega de idiotices! Sou um homem ou um rato? Já passei da idade de ter medo dessas coisas.

Um baque forte sacode um portão de ferro. Do outro lado deste, latindo furiosamente na direção de Alberto, um pastor alemão salta repetidamente de encontro ao portão.

Pálido de susto o rapaz pragueja enquanto se recompõe do susto. - Puto de uma figa! Quase desmaio aqui!

Mas, ao mesmo tempo, se sente aliviado. Não havia por que temer um cão preso. Mais alguns passos e já estaria em frente a sua casa, e sua maior preocupação seria qual desculpa dar para Rebeca por seu atraso. Mesmo assim ele deixa de caminhar e começa a correr em direção a casa.

O vento prossegue, e parece cada vez mais gelado, quase sobrenatural. Junto com ele um odor incômodo. O rapaz pega as chaves do portão. Entra tentando fazer a menor quantidade de ruído possível. Todas as luzes estão apagadas, dessa vez Rebeca não ficou em frente a TV o esperando. Estranho, amanhã sendo sábado ela não precisa acordar cedo. Alberto tenta se lembrar de uma piada que lera sobre a sexta-feira, provavelmente no facebook, caso ela esteja acordada na cama seria um bom modo de desviar do assunto atraso.

Dentro da casa ele segue tateando pelas paredes. Ora, ele não precisava de desculpas ou de histórias, apenas pode dizer a verdade. Abraçá-la e dizer que o dia fica muito longo sem ela ao seu lado, que se pudesse já estaria ali há muito tempo.

Enquanto esses pensamentos se desenhavam em sua mente o rapaz sorria e calmamente se aproximava do quarto. Fora da casa os cães não mais latiam. O vento não soprava. A noite ficou muito silenciosa.

Alberto abre a porta do quarto. A janela aberta permite que a luz da lua ilumine o aposento e o rapaz consegue vislumbrar a silhueta de sua amada sobre a cama. Ao mesmo tempo o odor incômodo emerge com mais força.

Agora ele se lembra de onde conhece esse cheiro. Ainda no Ensino Fundamental um professor de ciências levou um pouco de um material para que a turma descobrisse do que se tratava, Alberto aspirou o material e ficou com aquele mesmo odor incômodo impregnado por algumas horas. Nesse dia o professor lhes explicou que o enxofre, diferentemente do que se pensa no cotidiano, não cheira a ovo podre ou coisa do gênero, isso é a mistura com hidrogênio que produz, em estado puro ele possui aquele odor suave, mas desagradável.

Se aproximando da cama o rapaz treme. Já não sabe se por medo ou por frio. Cada passo como uma eternidade, e seus ouvidos preenchidos por um silêncio mortal, até que ele sente uma mudança inesperada no solo sobre seus pés. Algo viscoso. Líquido.

Ele se abaixa, toca o chão com os dedos e sente um líquido espesso e morno. Assustado se levanta, clica o interruptor e quando a luz invade seus olhos uma imagem aterradora vem junto com ela. O líquido é uma mancha de sangue que vai para o chão através de pingos grossos que escorrem pela lateral do colchão, sobre o mesmo está Rebeca. Alberto se aproxima de sua amada e toca sua face na tentativa vã de acordá-la. Em seu pescoço jaz a marca da brutalidade, quatro cortes profundos de onde já não mais sai gota alguma de sangue.

O garoto se desespera. Isso não faz sentido algum! Que tipo de monstro faria isso? Por quê?

- Vem aqui filho da puta! Desgraçado! Entre soluços e lágrimas o rapaz esmurra o chão ameaçando céus e terra. - Quem cometeu essa atrocidade não sairá impune... Irei caçá-lo aonde for, irei...

A luz se apaga. O cheiro fica mais forte e o frio parece emanar do interior do quarto, bem das costas de Alberto que agora sente náuseas de medo. Em um movimento brusco ele se vira e dá de encontro com um par de olhos vermelhos que parecem arder em chamas, simultaneamente seu pescoço é segurado firmemente por uma mão grande e forte que o aperta impedindo-o de respirar.

Uma voz rouca e baixa praticamente sussura enquanto o cheiro empesteia o ambiente.
- Me chamaste rapaz, pois aqui estou para lhe ensinar uma pequena lição. Pessoas morrem todos os dias, uma de forma rápida e indolor... outras lenta e dolorosamente.

Então Alberto sentiu sua garganta ser apertada de forma que seu grito de dor e agonia foi incapaz de escapar enquanto cinco garras, como facas, perfuravam seu pescoço. De forma lenta... Muito lenta.


3 comentários:

Tarso "Carioca" Santana disse...

Bastardo!

Eu estava querendo escrever um conte de terror faz mt tempo, ai vc vem e faz um trabalho desses!

Agora vou demorar o dobro do tempo para conseguir fazer algo que preste.


Sacanages literárias a parte, ficou mt bom!

Me lembrou um pouco "Deuses Americanos" do Neil Gaiman, quando a vó explica como funciona os monstros.

Andava pensando em fazer algo parecido, mas preciso fazer uma pesquisa melhor primeiro.

Novamente, parabéns! Continue com o bom trabalho.

André M. Oliveira disse...

Agradeço o elogio, vou tentar prosseguir com um trabalho continuo.

Sinto muito se passei a sua frente, não era minha intenção. Rs.

Wolv disse...

Se o Tarso tá ficando pra trás somente agora, imagina eu... Cês tão dando voltas em mim há tempos.
Muito bom Pika. Vocês todos estão com uma criatividade absurda!! Apesar de não ter participado tão ativamente do blog, fico extremamente feliz de ter sido eu o idealizador de um local tão interessante de ser visitado.